terça-feira, fevereiro 28, 2006

Tolerância de ponto

Conforme lembra o Abutere, e na sequência do despacho publicado no DR, n.º 38, II Série, de 22.02, que concedeu tolerância de ponto no dia de entrudo (28/02), coloca-se de novo a questão se essa tolerância de ponto implica ou não a suspensão dos prazos judiciais em curso.
Apesar de não haver unanimidade, a jurisprudência maioritária, de que se cita, a título de exemplo, o Acórdão da Relação do Lisboa, de 07.03.2002 (link), tem decidido que "a tolerância de ponto, concedida por exemplo na terça-feira de carnaval, não se integra no conceito de feriado, pelo que não tem qualquer efeito na contagem do prazo para a prática de actos processuais de qualquer natureza, a menos que coincida com o último dia desse prazo. Assim, no âmbito do actual Código do Processo Civil, quando o último dia para a prática de acto judicial seja de tolerância de ponto, o termo do prazo transfere-se sempre para o primeiro dia útil seguinte".

segunda-feira, fevereiro 27, 2006

Recortes do dia

NOVO REGIME DE ARRENDAMENTO URBANO
Foi hoje publicada a Lei n.º 6/2006 que aprova o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), que estabelece um regime especial de actualização das rendas antigas, e altera o Código Civil, o Código de Processo Civil, o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e o Código do Registo Predial.
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JUÍZES IMPUGNAM DELIBERAÇÃO DO CSM
A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) vai apresentar "nos próximos dias" no Supremo Tribunal de Justiça uma impugnação à deliberação do Conselho Superior da Magistratura (CSM) que define as regras para a marcação das férias judiciais, por considerá-la inconstitucional.
:: Texto integral no Diário de Notícias
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MINISTRO NÃO QUER BAIXAR IDADE DE IMPUTABILIDADE
O ministro da Segurança Social entende que baixar a idade de responsabilização dos jovens perante a Justiça não é a melhor solução para resolver problemas de delinquência como o que levou à morte um sem-abrigo no Porto. Vieira da Silva afirmou, em entrevista ontem transmitida pela Rádio Renascença, que apesar da questão extravasar as suas competências governativas por se tratar de política de Justiça, os dados de que dispõe e o conhecimento das situações internacionais o levam a acreditar que baixar a idade da imputabilidade das crianças e jovens (16 anos) não seria a melhor solução para o problema.
:: Texto integral no Jornal de Notícias

Entrevista a Justiça & Cidadania

O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, em entrevista ao JUSTIÇA & CIDADANIA, garante não ter dúvidas que muitas das críticas dirigidas actualmente à actuação do Procurador-Geral da República, Souto Moura, “têm uma motivação puramente política por trás delas”. Depois de definir a morosidade como “um problema real da nossa Justiça”, Alexandre Baptista Coelho não vê com bons olhos a redução das férias judiciais, já que esta medida, em sua opinião, “só trouxe problemas acrescidos ao funcionamento dos tribunais, como aliás era mais que previsível”. No que diz respeito ao segredo de justiça, o magistrado concorda “que algo tem de mudar no sistema em vigor, talvez limitando-o aos casos em que o segredo pode ter alguma utilidade prática, e certamente conferindo ao juiz de instrução poderes quanto ao seu levantamento, ou não”. “A descredibilização da Justiça aos olhos da opinião pública é muito preocupante, porque a Justiça deve existir para servir a sociedade, e, no contexto do Estado de Direito, é o último garante das liberdades e dos direitos do cidadão”, adverte ainda Alexandre Baptista Coelho.
In JUSTIÇA E CIDADANIA d'O PRIMEIRO DE JANEIRO
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Os juízes, muitas vezes, são apontados como peças fundamentais para a cada vez maior morosidade da justiça. Aliás, é do conhecimento público que já há casos de sentenças que apenas vão ser ditadas nos anos mais próximos. Isto não ajuda a descridibilizar a justiça e os juízes aos olhos dos cidadãos?
A morosidade é um problema real da nossa Justiça, ainda que muitas vezes seja indevidamente empolado. Há muitos Tribunais que estão em dia. Mas onde isso não sucede, e na generalidade dos casos, a culpa não é dos juízes, que fazem o que podem, e muitas vezes o que não podem, para fazer face a um volume processual excessivo e a uma legislação que não facilita a fluidez e o andamento dos processos. E o certo é que, em termos de morosidade, não estamos pior que muitos dos nossos vizinhos europeus.
A alteração das férias judiciais ajuda a resolver o problema da morosidade da justiça? Ou haverá outras soluções? E a alteração das férias judiciais para um regime de turnos pode ser um modo de evitar a paragem dos tribunais?
Quem conhece minimamente o sistema sabe que a redução das férias judiciais só trouxe problemas acrescidos ao funcionamento dos tribunais, como aliás era mais que previsível. O que se passa neste momento, com a confusão que reina quanto à organização de turnos e à marcação de férias de magistrados e funcionários, demonstra à evidência que a solução imposta – é bom relembrá-lo, contra a opinião unânime dos profissionais do foro, e de toda a oposição parlamentar – foi ditada por razões de mero oportunismo político, e não como tentativa séria para atenuar a questão da morosidade. Este ano, com todas as dificuldades que resultam da difícil exequibilidade de um regime que é mau para todos, os Tribunais vão estar parados mais tempo que no passado recente. Da nossa parte, ASJP, continuamos a afirmar que, a mexer-se nas férias judiciais, que se acabem de vez com elas, até porque ninguém ainda demonstrou, e muito menos o Governo, que evita tocar numa problema que lhe é cada vez mais incómodo, porque razão hão-de ter os Tribunais um sistema de funcionamento diferenciado da generalidade dos demais serviços públicos, que trabalham em pleno durante todo o ano.
Os juízes recentemente levaram a cabo uma denominada «greve de zelo», recusando-se a trabalhar fora dos respectivos horários. Como vê esta forma de luta? Sem ser a greve, há outras formas de pressão a que os juízes podem recorrer?
Não há nenhuma ‘greve de zelo’ até porque os juízes não têm horário de trabalho, nem estão isentos dele. Ao exercerem funções de soberania, os juízes não se inserem na lógica dos ‘horários de trabalho’, tal como sucede,ressalvadas as devidas proporções, com o Presidente da República, os membros do Governo, ou os deputados. O que se passa é que os juízes exercem funções integrados numa estrutura, os Tribunais, que têm horário de funcionamento, onde trabalham outras pessoas que estão subordinadas a esse mesmo horário. E os juízes também são pessoas com direito à sua vida pessoal e familiar, que tantas vezes tem sido prejudicada com o volume excessivo de processos que têm a seu cargo. Por isso, é mais que razoável que o ritmo de trabalho tenha em conta todos esses factores, sem quebra da dedicação à função e do empenhamento profissional.
O Governo quer deslocar os juízes entre tribunais, como forma de responder à sobrecarga de processos nalgumas zonas do País. Acredita que esta é uma forma de resolver os problemas do sector?
Se a ‘deslocalização’ de juízes, de que se tem falado mas que ainda não se sabe bem o que será, significar violação da regra consticional da inamovibilidade, do princípio do juiz natural, e das competências do Conselho Superior da Magistratura quanto a transferências, que estão claramente definidas na lei, é óbvio que estamos contra. Já existem bolsas de juízes, que poderiam ser incrementadas, para casos de acumulações de serviço, ou impedimentos prolongados. Tudo o mais que possa fazer-se pode pôr em causa a independência dos juízes, e certamente não resolverá qualquer problema de fundo.
Um advogado de Matosinhos exortou os 500 mil portugueses lesados com atrasos na Justiça a recorrerem ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e aos tribunais administrativos para pedirem uma indemnização ao Estado por tal situação. Qual o seu comentário?
Portugal está longe de ser, no contexto europeu, o país mais penalizado por atrasos na Justiça. E o certo é que o próprio Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, com todo o respeito que naturalmente me merece, tem atrasos nos seus processos que excedem em muito a média dos atrasos que ocorrem nos tribunais portugueses.
Ainda quanto à morosidade da justiça, muitos apontam o dedo ao Código Penal, que não põe grandes entraves à figura do recurso. Como vê esta questão? Considera urgente a revisão do Código Penal e do Código de Processo Penal, nomeadamente no que diz respeito, entre outros problemas, à prisão preventiva?~
A revisão do Código de Processo Penal está na ordem do dia desde há alguns anos. A questão dos recursos é uma entre muitas outras, mas se houver alterações nesse âmbito específico parece-me óbvio que elas não podem redundar directamente em limitação dos direitos da defesa. O que me parece necessário é que se expurguem todas as leis processuais da possibilidade de utilização de quaisquer incidentes com intuitos meramente dilatórios. E quanto à prisão preventiva creio que o sistema em vigor é equilibrado, não necessitando de alterações de monta.
O Governo anunciou recentemente um anteprojecto para melhorar acesso ao apoio judicial por parte dos cidadãos. Considera oportuna tal tipo de legislação?
Penso que é oportuna e urgente. O acesso ao Direito e à Justiça, em condições de igualdade para todos, é uma componente essencial de um pleno estatuto de cidadania. O regime jurídico em vigor é extremamente limitativo, e não garante esse acesso aos economicamente mais carenciados, mais parecendo um sistema dissuasor do recurso aos Tribunais.O conceito de penas alternativas à prisão ganha cada vez mais adeptos, como o melhor meio de ajudar à resinserção do arguido.
Acha que esta mudança de mentalidades por parte dos juízes contribui para evitar a sobrelotação das prisões? E quanto à utilização de pulseiras electrónicas?
Não creio que se possa falar em mudança de mentalidades dos juízes, que sempre estiveram abertos a soluções alternativas à prisão, no quadro legal que tenham ao seu dispor. O que se tem passado é que algumas dessas soluções, que há muito existem na lei, embora com um campo muito limitado de aplicação prática, muitas vezes confrontam-se ainda com extremas dificuldades de concretização, por carência de meios adequados ao nível da reinserção. Por exemplo, a prestação de trabalho a favor da comunidade exige instituições disponíveis onde esse trabalho possa ser executado. Se elas não existem num determinado local, o juiz não pode ignorá-lo e enveredar por uma solução que depois não tem continuidade. Quanto às pulseiras electrónicas, que de momento apenas são um instrumento para controlar a medida de coacção de obrigatoriedade de permanência na habitação, ou a imposição de restrições à movimentação de um arguido, antes do julgamento,podem vir a ter outras virtualidades, no que toca à fase processual posterior a uma condenação. Mas ainda não se sabe bem quais serão as intenções do Governo nesse domínio.
Nos últimos tempos, vários processos mediáticos, nomeadamente o da Casa Pia, puseram o segredo de justiça na berlinda. Qual a sua opinião sobre este assunto? Mas, a polémica não envolve apenas o segredo de justiça, mas as decisões que são tomadas por alguns juízes. Por exemplo, os casos Fátima Felgueiras, ou aqueles outros relacionados com o processo «Apito Dourado» ou Avelino Ferreira Torres. Porquê a diferença de critérios?
Não é legítimo considerar casos concretos, por mais mediáticos que sejam, para generalizar conclusões indevidas. Mal andaria o Estado de Direito se todos pensássemos da mesma maneira, e um recurso de uma decisão judicial estivesse à partida condenado ao insucesso. Quanto ao segredo de justiça, concordo que algo tem de mudar no sistema em vigor, talvez limitando-o aos casos em que o segredo pode ter alguma utilidade prática, e certamente conferindo ao juiz de instrução poderes quanto ao seu levantamento, ou não.
Por outro lado, outros casos mediáticos relacionados com menores também têm posto os juízes no alvo das críticas, por causa de não decidirem em tempo útil o afastamento das crianças dos meios perigosos em que se encontram. Alguns casos tiveram mesmo desfechos mortais? O que pensa sobre este assunto?
Antes de ser uma questão judicial, os casos de crianças em perigo são um problema social. É aí que os riscos têm de ser atalhados. O que a Justiça possa vir a fazer não invalida que, antes, toda a sociedade deva mobilizar-se para minimizar situações dramáticas, que existem e que a todos deviam preocupar.
Em muitos casos, não têm faltado críticas à excessiva juventude de alguns juízes. Será que eles têm a preparação e maturidade suficientes para julgarem casos melindrosos da mais variada índole, em particular aqueles que envolvem menores vítimas de maus tratos? Ou seria necessária uma formação mais específica e maior experiência de vida?
A maturidade de alguém não se mede apenas em termos de idade cronológica. A preparação de um jovem licenciado para exercer funções como juiz não é directamente proporcional à sua maior ou menor idade. Uma pessoa com 40 ou 50 anos não tem necessariamente mais maturidade que uma de 25 ou 30. A nível da formação de magistrados há formas de avaliar essa capacidade, que é naturalmente importante, a par de uma sólida formação técnico-jurídica. E um juiz, em qualquer comarca ou em qualquer jurisdição, terá sempre que decidir situações melindrosas, porque são sempre pessoas que estão envolvidas.
Nos últimos tempos, o sector da justiça tem vivido momentos conturbados de greves e outras formas de luta e cada vez mais se ouve falar na urgência de medidas mais reformistas que pacifiquem o sector. Concorda com esta visão?
Há valores que para nós são inegociáveis, já que neles assenta a essência do nosso Estado de Direito e da nossa Democria. A regra da separação de poderes, a independência do poder judicial, a própria autonomia do Ministério Público, não podem ser postos em causa. As soluções de que a Justiça necessita passam sim pelo maior investimento do poder político num sector que só há poucos anos passou a merecer atenção, porque passou a ser tema de primeira página da comunicação social. Mas essas soluções devem passar pela colaboração dos profissionais do foro, que são quem conhece por dentro os problemas, e pode dar uma ajuda decisiva. Nós juízes continuamos disponíveis para dar esse contributo.
O ónus da prova recentemente veio à baila através do Presidente da República? Concorda com este conceito?
Trata-se de um conceito de cariz processual, e que se traduz na incumbência que impende sobre a uma das partes em conflito de provar em juízo, pelos meios legalmente admissíveis, um determinado facto, para daí obter um certo resultado. No processo penal, o ónus cabe a quem acusa; no civil, como regra, a quem alega um facto que lhe é favorável. Penso que não há particular polémica quanto ao conceito, talvez sim quanto aos meios de prova utilizáveis, e que devem estar claramente balizados na lei.
O pacto para a Justiça, proposto pelo PSD e que, depois de recusado pelo Governo, está de novo em discussão por iniciativa do ministro Alberto Costa, com a aparente concordância de todos os partidos, pode constituir-se como um espaço de debate das questões que importam para a melhoria substancial da Justiça ou não passa da resposta do Governo, com o apoio dos restantes partidos, às posições dos juízes e de outros intervenientes na aplicação da Justiça, com o objectivo de controlar o poder judicial?
Qualquer pacto será sempre útil se for instrumento capaz de dar solução aos problemas concretos com que a Justiça se confronta. Da nossa parte nada temos a objectar, e para ele contribuiremos, desde que estejam salvaguardados os princípios essenciais que referi. Mas se um pacto significar a subversão das regras constiucionais existentes, a politização da Justiça, a alteração das regras de acesso aos Tribunais superiores, e a quebra do equilíbrio actualmente existente quanto ao auto-governo da magistartura, ao nível do CSM, terá naturalmente a nossa firme oposição.
A crispação que existe, e que é real, entre o Poder Político e o Poder Judicial, tem por base uma divergência de fundo quanto às linhas mestras do que deve ser a política de Justiça, ou não passa de uma divergência por motivos corporativos, ou melhor dizendo, que tem a ver com o regime de férias, os vencimentos, e outros direitos, nomeadamente o direito à assistência médica (Serviços Sociais do Ministério da Justiça)?
Se há questões que podem parecer meramente corporativas, o certo é que o que parece é a elas estar subjacente uma motivação muito mais profunda, que se reconduz a uma aparente hostilização do poder judicial, e a uma discriminação, pela negativa, da magistratura. Porque hão-de os juízes ter um regime de férias muito mais gravoso que os restantes sectores da Administração Pública? Porque lhes são retirados os SSMJ, sem explicação económica convincente, sendo mantidos para outros profissionais integrados no Ministério da Justiça, e mantida também a subvenção pública ao regime de segurança social de advogados e solicitadores? Porque não se cumprem compromissos escritos assumidos entre o Governo e a ASJP? Perante este panorama, é óbvio que os juízes não podem ficar indiferentes, e não podem deixar de pensar se serão apenas motivações da conjuntura orçamental que determinaram a actual política. Da nossa parte não vemos medidas de fundo que resolvam os estrangulemantos dos sistema, e o caso da acção executiva é paradigmático. E é isso que mais nos preocupa. A descredibilização da Justiça aos olhos da opinião pública é muito preocupante, porque a Justiça deve existir para servir a sociedade, e, no contexto do Estado de Direito, é o último garante das liberdades e dos direitos do cidadão.
Perante as críticas, dos mais diversos sectores, à actuação do procurador-geral da República, considera que Souto Moura possui condições para cumprir o mandato até ao fim? E possui condições para que o Governo o proponha para um novo mandato? Caso não seja renovada a confiança em Souto Moura, o próximo procurador-geral da República deverá ser um magistrado do Ministério Público ou dever-se-á encontrar uma solução alternativa?
É sempre mais fácil criticar que fazer, principalmente numa conjuntura tão difícil como aquela que o Dr. Souto Moura tem enfrentado. Todos sabemos que algumas das críticas que se têm ouvido têm uma motivação puramente política por trás delas. Não tenho dúvidas que o PGR é uma pessoa empenhada e séria. Quanto à sua substituição, quando vier a ocorrer, e qualquer que venha a ser a pessoa a assumir o cargo, o fundamental será garantir que o Ministério Público se paute sempre por critérios de legalidade e de objectividade, sem qualquer interferência de conjunturas políticas de ocasião.
Finalmente, quais as duas ou três questões que gostaria de colocar ao actual ministro da Justiça?
Aceito o desafio, e escolho três áreas diferentes da nossa Justiça:
1.Quais as medidas, ao nível do Código de Processo Civil, que o Governo pensa aprovar para resolver a paralisação da acção executiva?
2.Quando serão dadas condições mínimas de trabalho aos juízes de instrução criminal?
3.Que balanço actual faz da vigência da lei sobre férias judiciais, face à grande confusão que a mesma causou na organização de turnos e na marcação de férias de magistrados e de oficiais de justiça ?

domingo, fevereiro 26, 2006

Sobre a comissão das escutas

Transcreve-se um artigo de opinião da autoria do Dr. Rui Pereira, publicado hoje no Correio da Manhã:
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«Suscitou alguma controvérsia a proposta de criação de uma “comissão de acompanhamento das escutas”, apresentada pelo Ministro da Justiça. Alvitrou-se que uma tal comissão, dita externa, seria, se não contraproducente, pelo menos inútil e demagógica, ou até que poria em causa a independência dos tribunais.
Ora, esta independência constitui corolário do princípio da separação de poderes e da ideia de Estado de Direito. Sem tribunais independentes – que não se subordinem aos demais órgãos de soberania e não recebam ordens uns dos outros –, é impossível garantir que todos os cidadãos se submetem ao Direito e o Estado não impõe o seu arbítrio.
Por tudo isto, deve ser sempre um juiz, tal como prescreve a Constituição, a autorizar e a controlar as escutas. Nenhuma comissão pode substituí-lo ou impor-lhe limites diversos dos legais.
odavia, a atribuição de competência para acompanhar as escutas ao Conselho Superior da Magistratura, que não constitui um tribunal mas não é exterior ao sistema de Justiça, em nada afecta os poderes dos juízes – poderes que são a principal garantia de respeito pelo direito à intimidade e à reserva da vida privada.
Mas que sentido faz atribuir ao Conselho Superior da Magistratura competência para acompanhar as escutas?
Importa sublinhar que hoje ninguém tem competência para avaliar os procedimentos técnicos seguidos pelas operadoras telefónicas ou para proceder ao recenseamento do número de escutas, da sua evolução global e da distribuição por tipos de crimes. Ou seja, ninguém possui dados que permitam fazer juízos rigorosos sobre a frequência com que se recorre a este meio de obtenção de prova ou sobre a sua eficácia para a investigação criminal, ao contrário do que sucede noutros países. E é claro que cada juiz não detém nem pode deter tais dados, porque a sua actividade se confina a um processo concreto. Por estas razões, afigura-se útil atribuir ao Conselho Superior da Magistratura aquela competência.
Dada a composição alargada do órgão de governo da magistratura judicial (reúne 18 elementos, entre magistrados e vogais eleitos pela Assembleia da República ou indicados pelo Presidente da República), ele poderá delegá-la numa comissão que inclua três dos seus membros. Com a indispensável assessoria técnica, a comissão pode certificar-se da segurança dos procedimentos e centralizar e analisar os dados referentes às escutas.
Mas não tomará conhecimento do seu conteúdo ou da identidade das pessoas a que respeitam. Ninguém é tão ingénuo que suponha que todos os problemas relacionados com as escutas se resolverão desta maneira.
Porém, o melhor conhecimento de uma realidade que envolve duas magistraturas e todos os órgãos de polícia criminal permitirá estudar as iniciativas institucionais e legislativas adequadas. O que, só por si, constitui justificação bastante da proposta».

sábado, fevereiro 25, 2006

Foro especial para políticos (2)

JULGAR POLÍTICOS
Por EDUARDO DÂMASO
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«O ministro da Justiça propôs à Unidade de Missão para a Reforma Penal que considerasse a possibilidade de criação de um foro especial para os crimes praticados por titulares de órgãos de soberania. Descodificando: os deputados e ministros passariam a ser julgados pelos tribunais da Relação, o que teria também como consequência que actos de investigação como buscas e escutas telefónicas deixassem de ser autorizados por um juiz de instrução e passassem para aqueles tribunais superiores.
Como disse anteontem à noite o jurista Rui Pereira, coordenador daquela Unidade de Missão, durante uma tertúlia organizada pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, não está provado que os juízes daqueles tribunais superiores sejam especialmente benevolentes com os políticos.
Pois não, mas a questão não é essa. Quando a investigação a um deputado, ainda que com honrosas excepções, já é obstaculizada pela manipulação do regime de imunidades, quando no País reina a ideia de que os poderosos (leia-se políticos) escapam sempre à acção da justiça, quando é cada vez mais consensual de que não pode haver tantos magistrados em comissões de serviço de nomeação política, quando são cada vez mais conhecidos casos de promiscuidade entre magistrados de tribunais superiores e dirigentes políticos e do futebol, não parece grande ideia fazer tal alteração à lei penal.
Não vale a pena ignorar a realidade. A ideia dominante em Portugal, mas também noutros países, é a de que os políticos dificilmente resistem à tentação de criar regras que lhes sejam mais favoráveis na relação com o poder judicial. Veja-se o caso de Jac- ques Chirac, que blindou a sua própria imunidade para evitar ser julgado. Ou o do inefável Berlusconi.Adivinha-se a tentação de reagir se tivermos presentes alguns casos concretos. Mas esses episódios, como os que estiveram relacionados com o processo da Casa Pia, não são a regra. Por isso, a criação de um tal regime especial não virá certamente melhorar a imagem da classe política aos olhos dos portugueses nem é saudável no quadro da necessária separação de poderes. Sem cair em demagogias rasteiras, a exigência hoje colocada nos padrões de independência e transparência de uma democracia pede precisamente o contrário: que a equidade entre cidadãos e políticos perante a justiça seja cada vez mais uma realidade e não uma mera proclamação discursiva».
IN DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 25/02

Foro especial para políticos (1)

Políticos julgados apenas por tribunais superiores
«As buscas domiciliárias e escutas telefónicas a ministros e deputados deverão passar a ser autorizadas por juízes de tribunais superiores e não, como acontece actualmente, pelos juízes dos tribunais de instrução criminal.
Esta hipótese está em cima da mesa na Unidade de Missão para a Reforma Penal (UMRP) que diz respeito à criação de um foro especial de julgamento para titulares de órgãos de soberania.
Em declarações ao DN, Rui Pereira, coordenador da UMRP, afirmou que "a atribuição de um foro especial em julgamento para titulares de órgãos de soberania como deputados e ministros implica que actos jurisdicionais praticados em inquérito e em instrução sejam da competência do mesmo tribunal". Precisando: actos jurisdicionais são aqueles praticados pelo juiz, como são as autorizações para buscas domiciliárias e as intercepções telefónicas.
Esta questão foi levantada, anteontem à noite, durante uma tertúlia promovida pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público. Aí Rui Pereira admitiu que esta alteração à lei está em cima da mesa: "É uma questão que vale a pena ponderar", disse perante uma plateia de procuradores, juízes, advogados e jornalistas.
O coordenador da UMRP abordou o actual disposto no Código do Processo Penal (ver caixa), para equacionar o alargamento desta formulação a titulares de outros órgãos de soberania. Tal não passaria necessariamente pelo Supremo Tribunal de Justiça , mas poderia encaixar num Tribunal da Relação.
A primeira reacção à proposta partiu de Cândida Almeida, directora do DCIAP (Departamento Central de Investigação e Acção Penal). A magistrada foi clara: "Não estou de acordo com o foro [de julgamento] especial. Não me parece que haja necessidade." Perante algum burburinho que se gerou na sala do café Martinho da Arcada, Rui Pereira ainda afirmou tratar-se de uma hipótese, concluindo: "Não me parece que os juízes dos tribunais da Relação sejam mais benevolentes com os políticos." O comentário originou alguns sorrisos na sala.
Ontem, ao DN, Rui Pereira afirmou que a proposta em estudo na UMRP partiu de uma sugestão do ministro da Justiça, Alberto Costa, "no âmbito dos encontros que manteve com os partidos com representação parlamentar", tendo em conta as reformas dos códigos Penal e do Processo Penal. (...)»
IN DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 25/02

O representante da Nação

ARTIGO DE OPINIÃO DE
DR. LUÍS GANHÃO
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A fazer fé no que saiu na imprensa, um ilustre deputado, representante, pois, da Nação que somos, já terá sido detectado um sem números de vezes em excesso de velocidade, sendo que, contudo, as sanções que lhe deveriam ter sido aplicadas foram «perdoadas».
Entretanto, confrontado com tais excessos, terá o dito cujo justificado-se com o facto de «ser um deputado que cumpre horários, não sendo como os outros que não chegam a horas às reuniões».
Devo confessar que não me surpreendem os excessos de velocidade do ilustre (porque eu próprio, às vezes, na auto-estrada, certamente das pesadas botas alentejanas que gosto de usar no Inverno, quando retiro o olhar da via e o transfiro para o velocímetro, observo, assustadoramente, que já ultrapassei o limite dos 120!), nem os «perdões» de que tem sido alvo (porque quando a Nação não se perdoa a si mesma na pessoa dum seu ilustre representante, através duma «cunhazita», perde a originalidade e é masoquista!), nem, ainda, me surpreende o facto de o mesmo, justificando-se com a necessidade de cumprir horários, denunciar os seus pares parlamentares que não os cumprirão (pois saúdam-se as queixinhas que ponham cobro a cumplicidades corporativistas).
O que me surpreende então?
Já nada, como este representante da Nação!

sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Acesso ao CEJ

Pelo aviso n.º 2556/2006 (2.ª Série), publicado no DR, II, n.º 40 de 24/02, foi publicada a lista provisória dos candidatos admitidos e excluídos aos testes de aptidão para ingresso no Centro de Estudos Judiciários.
:: Ver Lista dos Candidatos Admitidos (ficheiro PDF).
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:: Rectificação (às 15:20): No post inicial, escrevemos que da lista constavam "2107 candidatos admitidos para provas a prestar em Lisboa, 2105 para provas a prestar em Coimbra e 2108 para provas a prestar no Porto, no total de 6.320 candidatos admitidos". Conforme comentário de JCA, verificamos que tal não corresponde à verdade, pois efectivamente o número total de candidatos é de 2108, apenas existindo diferenciação na numeração pela distribuição entre os locais de prova.
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:: O número de vagas em concurso é para apenas 100 auditores de justiça, destinando-se 45 à magistratura judicial e 55 à magistratura do Ministério Público (cfr. Aviso 67/2006, de 05/01), pelo que apenas 4,72% dos candidatos pode aspirar ao preenchimento das aludidas vagas.

Avaliação de Juízes

1. Tratar-se-á de lapso ou de falta de conhecimento, porém o Correio da Manhã está equivocado nesta notícia.
É certo que o sistema de avaliação e classificação foi alargado a mais funcionários públicos e que, obviamente, ficam de fora desse sistema de avaliação, os órgãos de soberania, por não integrarem a administração pública, e o pessoal ao serviço dos gabinetes ministeriais, por serem ‘agentes políticos’.
Porém, no corpo do artigo, o Correio da Manhã enuncia que «Médicos, enfermeiros, juízes e professores vão passar a ser avaliados e classificados, no âmbito da revisão do Sistema Integrado de Avaliação do Desempenho da Administração Pública (SIADAP)».
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2. É inadmissível que um jornal de prestígio preste esta desinformação, estando a ser inclusivamente seguida por um canal de televisão (TVI). É que, sendo os Juízes titulares do órgão de soberania Tribunais (artigos 202.º e 215.º e ss. da Constituição da República), não são funcionários públicos nem pertencem à Administração Pública, pelo que lhes é inaplicável o aludido SIADAP.
Aliás, sendo os tribunais, Órgãos de Soberania incumbidos de administrar a justiça em nome do povo, independentes dos outros Órgãos de Soberania, em nome do princípio de separação dos poderes (art.º 203.º da Constituição), seria inconstitucional, por violação de tal princípio, que os seus titulares fossem avaliados por organismos pertencentes ou dependentes de outro(s) órgão(s) de soberania.
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3. Isto não significa que os Juízes estejam excluídos de avaliação, pois desde sempre os Juízes são inspeccionados e avaliados periodicamente, de forma ordinária, assim como de forma extraordinária, designadamente quando o Conselho Superior da Magistratura (órgão constitucional - art.º 218.º da Constituição) assim o delibere. Compete precisamente ao CSM "apreciar o mérito profissional, exercer a acção disciplinar, em geral praticar todos os actos de idêntica natureza respeitantes a magistrados judiciais"; "elaborar o plano anual de inspecções" e "ordenar inspecções, sindicâncias e inquéritos aos serviços judiciais" [art.º 149.º, al. a), e) e f) do Estatuto dos Magistrados Judiciais].
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4. Com efeito, nos termos do art.º 36.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, "os Juízes de Direito são classificados em inspecção ordinária, a primeira vez decorrido um ano sobre a sua permanência em lugares de primeiro acesso e, posteriormente, com uma periodicidade, em regra, de quatro anos. Fora dos casos referidos na segunda parte do número anterior, aos magistrados judiciais pode ser efectuada inspecção extraordinária, a requerimento fundamentado dos interessados, desde que a última inspecção ordinária tenha ocorrido há mais de três anos, ou, em qualquer altura, por iniciativa do Conselho Superior da Magistratura".
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5. E, "nas classificações são sempre considerados o tempo de serviço, os resultados das inspecções anteriores, os processos disciplinares e quaisquer elementos complementares que constem do respectivo processo individual" (art.º 37.º, n.º 1 do EMJ).
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6. Por outro lado, os serviços de inspecção têm funções que vão além da avaliação sobre o mérito de cada Juiz. Nas inspecções aos Tribunais são recolhidas e transmitidas ao CSM "indicações completas sobre o modo como os tribunais inspeccionados funcionaram durante o período abrangido pela inspecção, designadamente quanto ao preenchimento dos quadros, níveis de organização e eficiência, movimento processual, pendência real e níveis de distribuição das cargas de serviço, registando as anomalias e deficiências verificadas" e "o conhecimento rápido e actualizado do estado dos serviços nos tribunais, designadamente quanto à organização, preenchimento, adequação e eficiência dos quadros, movimento processual real, produtividade e níveis de distribuição das cargas de serviço" [cfr. art.º 3.º, al. a) e b) do Regulamento das Inspecções Judiciais - RIJ]
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7. É ainda de relevar que, acrescendo à periodicidade normal inspectiva de cada Tribunal e de cada Juiz (de quatro em quatro anos, máximo), o RIJ estabelece a realização anual de "uma visita inspectiva sumária a cada tribunal, com vista a colher elementos" no âmbito dos objectivos descritos no parágrafo anterior.
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8. Cumpre assinalar que as inspecções judiciais são muito mais exaustivas e exigentes que as enunciadas no SIADAP. Com efeito, para a realização da inspecção e para a elaboração do respectivo relatório, o inspector utiliza, designadamente:
a) Elementos em poder do Conselho Superior da Magistratura a respeito do tribunal, designadamente o processo de inspecção anterior;
b) Exame de processos, livros e papéis, findos e pendentes, na estrita medida do que se mostrar necessário;
c) Estatística do movimento processual;
d) Conferência de processos, caso esta não tenha sido efectuada noutra acção inspectiva há menos de um ano à data do início da inspecção;
e) Vista das instalações;
f) Entrevista com o juiz presidente;
g) Audição do procurador-coordenador e do delegado local da Ordem dos Advogados;
h) Os esclarecimentos que entenda por conveniente solicitar a funcionários e respectivas chefias
(cfr. art.º 11.º do RIJ).
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9. E para a avaliação em concreto de cada Juiz, a inspecção incide sobre as suas capacidades humanas para o exercício da profissão, a sua adaptação ao tribunal ou serviço a inspeccionar e a sua preparação técnica (art.º 13.º, n.º 1 do RIJ).
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9.1. No que se refere à capacidade para o exercício da função, são considerados, entre outros os seguintes factores:
a) Idoneidade cívica;
b) A independência, isenção e dignidade da conduta;
c) Relacionamento com sujeitos e intervenientes processuais, outros magistrados, advogados, outros profissionais forenses, funcionários judiciais e público em geral;
d) Prestígio profissional e pessoal de que goza;
e) Serenidade e reserva com que exerce a função;
f) Capacidade de compreensão das situações concretas em apreço e sentido de justiça, face ao meio sócio-cultural onde a função é exercida;
g) Capacidade e dedicação na formação de magistrados.
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9.2. Por sua vez, a adaptação ao serviço é analisada, entre outros, pelos seguintes factores:
a) Bom senso;
b) Assiduidade, zelo e dedicação;
c) Produtividade;
d) Método;
e) Celeridade na decisão;
f) Capacidade de simplificação processual;
g) Direcção do tribunal, das audiências e outras diligências, designadamente quanto à pontualidade e calendarização destas.
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9.3. E, na análise da preparação técnica, a inspecção toma globalmente em linha de conta, entre outros, os seguintes factores:
a) Categoria intelectual;
b) Capacidade de apreensão das situações jurídicas em apreço;
c) Capacidade de convencimento decorrente da qualidade da argumentação utilizada na fundamentação das decisões, com especial realce para a original;
d) Nível jurídico do trabalho inspeccionado, apreciado, essencialmente, pela capacidade de síntese na enunciação e resolução das questões, pela clareza e simplicidade da exposição e do discurso argumentativo, pelo senso prático e jurídico e pela ponderação e conhecimentos revelados nas decisões.
(cfr. art.º 13.º, n.ºs 2, 3 e 4 do RIJ)
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10. Fazendo as devidas comparações, ainda que os Juízes, enquanto titulares de órgão de soberania, não estejam sujeitos ao Sistema de Avaliação de Desempenho da Administração Pública, têm (e não apenas desde agora) um sistema de inspecção e avaliação muito mais rigoroso, exigente e profundo, algo que designadamente não sucede com os demais titulares de órgãos de soberania ou de cargos políticos.

Mediação Penal

COLÓQUIO / DISCUSSÃO PÚBLICA
A Direcção-Geral da Administração Extrajudicial (DGAE) promove, no dia 3 de Março, em conjunto com o Gabinete de Política Legislativa e Planeamento (GPLP), um colóquio de discussão pública do Anteprojecto de Proposta de Lei sobre Mediação Penal, no Centro de Estudos Judiciários, em Lisboa.
Após a sessão de abertura pelo Ministro da Justiça, Dr. Alberto Costa e pela Directora do Centro de Estudos Judiciários, Dra. Anabela Miranda Rodrigues, será proposto aos participantes o visionamento de uma simulação de Mediação Penal, a qual será apresentada pelo Director-Geral da DGAE, Dr. Filipe Lobo d´Ávila e comentada pelo Presidente do Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil, Juan Carlos Vezzulla.
Segue-se a apresentação de dois programas de mediação actualmente em curso: a Mediação no âmbito da Lei Tutelar Educativa e o Projecto-Piloto da Escola de Criminologia da Universidade do Porto.
Destacam-se ainda, no painel da tarde, os comentários ao Anteprojecto do Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Dr. Luis Vaz das Neves, do Secretário-Geral da APAV, Dr. João Lázaro e, bem assim, da Dra. Claúdia Santos, Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
O colóquio será encerrado pelo Secretário de Estado da Justiça, Dr. João Tiago Silveira, e pelo Coordenador da Unidade de Missão para a Reforma Penal, Dr. Rui Pereira.
:: Mais Informação (site do MJ)

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Escutas: quem acompanha quem

João Paulo Guerra, na sua coluna do Diário Económico suscita a pertinente questão: "O primeiro problema com a constituição de uma comissão especializada para acompanhamento das escutas telefónicas é o de saber quem acompanha a comissão de acompanhamento".
E continua o articulista: "A criar por iniciativa do Governo, a comissão destinar-se-ia a “acompanhar o fenómeno das escutas”, sem interferir em conteúdos processuais ou em processos concretos. Mas onde acaba o acompanhamento e começa a interferência? Quem define os limites? O Conselho Superior da Magistratura? E se os critérios do CSM nesta matéria forem subjectivos, ou mesmo “excessivamente subjectivos ? (...) Depois há a questão da composição da comissão: um elemento do CSM dos designados pelo Presidente da República, outro dos eleitos pelo Parlamento e um juiz. Isto é, dois comissários de nomeação política e um magistrado. Não faltariam os protestos das corporações judiciárias de que o poder eleito estaria a interferir com a sua independência. E assim, a emenda para o problema das escutas parece pior que o soneto.
(...) Mas o que parece incomodar os poderes não é que haja actos processuais de duvidosa proporção e legalidade, escutas e listas telefónicas irrelevantes, mas que se saiba. Ou seja, não há o problema das escutas, o que há é o problema do segredo de justiça. E como já sentenciou um partido com altas responsabilidades no imbróglio da justiça, “não há violação do segredo de justiça se nenhum meio de comunicação social publicar a matéria violada”.

O Chip

ARTIGO DE OPINIÃO DE
DR. LUÍS GANHÃO, ADVOGADO ESTAGIÁRIO
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O Homem, por natureza, será um animal social.
Mas há momentos em que um Homem sente necessidade de estar só, numa procura de si mesmo, até numa reflexão quanto à melhor maneira de estar com os outros.
É nesses momentos que se refugia numa falésia sobre o mar, no interior dum templo vazio, caminha à noite sob a chuva numa cidade deserta ou, anonimamente, se deixa, nessa mesma cidade, diluir na multidão que, em hora de ponta, por ele passa sem o ver.
Outros momentos há em que percorre esses mesmos caminhos, todavia, não já só, mas na companhia duma pessoa amada, caminhos que, mesmo assim, se querem anonimamente percorridos, de mãos dadas, num tempo e espaço só pelos dois preenchidos, não vá alguém violar o mistério em que certos beijos e carícias necessitarão de ser trocados para terem um sabor especial.
No entanto, esse direito a estarmos sós vai-se, gradualmente, perdendo...
Câmaras de vídeo-vigilância, a pretexto de tudo e de nada (combate ao terrorismo, aos incêndios, aos furtos, aos excessos de velocidade...) perseguem-nos cada vez mais por todo o lado, só já faltando que nos implantem no cérebro um qualquer «chip» para o «Big Brother» saber o que pensamos.
Resta-nos a esperança que o «Big Brother» sabendo o que pensamos, não nos consiga, contudo, cortar a raiz ao pensamento, última trincheira do nossa Liberdade, como alguém, em tempos de outros vampiros, cantou!

terça-feira, fevereiro 21, 2006

ASJP impugna Deliberação do CSM

Segundo Comunicado de 20/02, da respectiva Direcção Nacional, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses impugnou junto do Supremo Tribunal de Justiça a Deliberação constante da Circular nº 19/2006 do CSM, que estabeleceu as regras quanto à organização das férias a que os juízes têm direito, nos termos do regime instituído pela Lei nº 42/2005, de 29/8.
Os fundamentos da aludida impugnação são, em síntese, os seguintes:
1) Pelo CSM ter acatado lei inconstitucional, pelos motivos aduzidos pela ASJP na exposição oportunamente enviada ao Provedor de Justiça (v. link em documento Word);
2) Pelo CSM se ter substituído ao legislador, regulamentando o que a este cumpria fazer (e até 31/12/2005, nos termos do art.º 8º da Lei nº 42/2005), sem que tal competência lhe esteja atribuída por lei;
3) Por ilegal limitação dos direitos conferidos pelo art.º 5º, nsº 7 e 9, do Dec.-Lei nº 100/99, de 31/3, restringindo o direito de preferência na marcação de férias em períodos coincidentes, relativamente a cônjuges ou equiparados, aos casos em que sejam 'igualmente juízes e em exercício de funções no mesmo Círculo Judicial'.
Mais informações no site da ASJP.

Um ano

«Um ano de Sócrates, segundo o índice geral do Público:
1. Défice abaixo dos seis por cento: Conseguido pelo aumento de impostos (fundamentalmente, o IVA) e por uma maior eficácia na cobrança. A redução das despesas, ensaiada aqui e ali, com muito medo e uma grande tendência para fugir, continua a ser uma figura de propaganda.
2. Plano Tecnológico: Fora o amadorismo e o cheiro a "truque" da moda, é o que as corporações de interesses permitem que seja, por outras palavras, quase nada. Mas sempre deu a oportunidade para uma espécie de "Herman-SIC", com Bill Gates, convidado da noite, e o MIT, conjunto folclórico. Um orgasmo precoce.
3. Reestruturação da Administração Pública: Comissões, comissões, comissões. Quem se quer esconder e ficar quietinho, nomeia uma comissão. A farsa do costume.
4. Ota e TGV: Quando se deve muito dinheiro, só as dívidas nos salvam. Décimo quarto episódio do "Vigarista milionário", uma peça clássica portuguesa.
5. Fim dos regimes especiais de Segurança Social e de Saúde: Aqui, sim: contra a fraqueza a autoridade não cede. Bater nos criados foi sempre uma tradição indígena.
6. Lei das rendas: Com um tresloucado atrevimento, o governo lá se atreveu a um passinho oblíquo para evitar que os centros das cidades se tornem num montão de ruínas. Não resolveu nada, mas com certeza ficou muito bem com a sua inovadora consciência.
7. Colocações de professores por quatro anos: Consola saber que de quando em quando a FENPROF concorda com o ministro da Educação.
8. Lei da nacionalidade: Abrir a porta, com o pé firmemente na porta. Quem é xenófobo é o Portas.
9. Medicamentos fora das farmácias: Uma guerra contra o lobby das farmácias que excede as façanhas de Eurico, o Presbítero. Não toca no principal, isto é, no estatuto absurdamente privilegiado da "classe", uma excrescência do século XIX. Não se pode querer tudo.
10. Férias judiciais: Para o parolo ver. Um acto que passa com majestade ao lado dos problemas.
11. Combate a incêndios: Esperemos que da confusão estabelecida, saia luz. Não fogo.
12. Evasão fiscal: A esquerda sempre gostou de tosquiar a carneirada.
13. Fundos da "Europa": A sopa do convento ainda não acabou.
14. Acordo de Bolonha: Atrasado. Quanto mais tarde, melhor. Não se manda um coxo para os 100 metros de obstáculos.
15. Aborto: Por favor, não arranjem sarilhos ao sr. eng.
16. Taxa de carbono: Isso era na oposição.
Fora do índice geral do Público:
17. Nomeações: O Vara, o Gomes, o Oliveira Martins são beneméritos da Pátria e só por acaso criaturas do PS».
VASCO PULIDO VALENTE, IN
O ESPECTRO

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Imposto pelo não uso

Segundo Martins Alfaro (in Impostos.net), o direito de propriedade do proprietário de um imóvel dá-lhe o direito a gozar o bem, mas concede-lhe igualmente o direito a não o gozar. A Constituição não impõe aos cidadãos o dever de usar os imóveis e muito menos de os arrendar, caso não os habitem".
Este parecer jurídico surge a propósito da polémica suscitada pelo facto de os fogos devolutos passarem a ser duplamente tributados em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI). A pretensão do Governo "vem sancionar o não-arrendamento de imóveis e, por esta via, cria um 'dever de arrendar', ou mesmo um arrendamento compulsivo, que diminui gravemente o direito de cada cidadão dispor livremente do bem". Segundo Martins Alfaro, esta forma de arrendamento compulsivo é uma norma punitiva de comportamentos concretos e, por essa razão, "não conforme à Constituição". Com efeito, diz, "os cidadãos não podem ser castigados apenas por exercerem o seu direito de propriedade dentro dos limites normais desse direito". Martins Alfaro alerta para o facto de o IMI ser um imposto sobre o património e não um imposto sobre o modo como se utiliza o património.

Um dia será tarde demais

«A histeria anti-judicial (...), mais do que contribuir para o aperfeiçoamento do sistema, tem contribuído para enfraquecer o Estado de Direito. Um destes dias, vamos sentir a falta uma Justiça serena, cujo tempo não seja o dos telejornais e cujo código não seja a previsível cartilha dos comentadores vinculados a interesses vários (...)».
In GLQL.

domingo, fevereiro 19, 2006

Imunidades

Parece que há corporações que querem ser imunes ao poder da aplicação da lei.
Os deputados e os ministros querem ter uma jurisdição própria, se possível até exterior ao poder judicial.
Os autarcas, porque eleitos por um punhado de pessoas a quem de vez em quando prestam favores ou prometem fazer favores acham-se acima de qualquer julgamento ou processo judicial.
Agora são também (alguns) jornalistas. Parece que querem ter imunidade exclusiva: além de não terem um código de ética que os vincule (o que existe do Sindicato dos Jornalistas apenas é invocado quando interessa) e de se refugiarem nas suas estranhas "fontes" agora também não se lhes pode fazer qualquer busca, ainda que emitida pela autoridade competente. São as tais corporações privilegiadas que não admitem que mais ninguém seja corporação.
Razão por que é perfeitamente oportuno o post do Desfecha Clavinas: «Ficámos a saber esta semana que há dois sítios em Portugal onde não podem ser feitas buscas: redações de jornais e casas de jornalistas. Ainda que elas sejam feitas no âmbito de um processo crime e em cumprimento de mandados emitidos por autoridade judiciária competente.Este país assim vai longe».

Previsão Meteorológica Judicial

Nas férias judiciais não são esperadas perturbações nem anormalidades !
Na verdade prevê-se uma enorme chuva de Juízes para validar nuvens de prisões ou para assinar alguns mandados de soltura de presos que queiram gozar do Sol da Caparica ou de Carcavelos ou sítios semelhantes por este ou outro país fora.
Todo o serviço dos Tribunais soprará moderado do quadrante norte ou sul conforme o Vento.
Prevê-se alguma brisa marítima que amolecerá as folhas processuais, prazos processuais ou outros que tais.
O Sol brilhará em especial nos 15 a 20 dias imediatamente antes e depois das férias e apesar das grandes abertas, prevêem-se também chuvas torrenciais de julgamentos que terão que ser adiados por impossibilidade de constituição de colectivos.
A pressão atmosférica exercida pelo Governo sobre o Poder Judicial ou o sistema da Justiça, irá provocar uma baixa ( pressão) significativa para o seu desempenho.
Estas alterações provocarão deslocações de marcações de audiências mais para a frente, o que estará na origem de algumas movimentações significativas de datas que como sabemos e, pelo que conhecemos de tsunamis, poderão levar a uma enorme carga tectónica e produzirão alguns abalos.
Esperemos que as coisas melhorem com o degelo....o que contudo não é suposto!
In CLEOPATRAMOON

sábado, fevereiro 18, 2006

O prumo da isenção

«Mais uma vez querer infundir a ideia de que haverá uma comissão constituída por eleitos para vigiar o poder de agentes não eleitos (os magistrados) é uma distorção absurda da arquitectura do Estado.
Entender que só os eleitos da Assembleia da República têm a isenção e o poder de discernir os controlos que levam ao funcionamento do Estado democrático desmerece o valor da democracia.
Mais. Obstrui o seu funcionamento.
Por esse procedimento, ao limite, qualquer cidadão terá de desconfiar do polícia que vem prendê-lo, ou multar por infracção ao trânsito, pois tal indivíduo não foi objecto de voto popular.
Por outro lado, há muito deputado no Parlamento que se não estivesse escapado no grupo dos desconhecidos das listas dos partidos nunca ali se sentaria. Nem as comissões constituídas no Parlamento têm primado pela isenção.
Veja-se, por exemplo, como as maiorias conjunturais ou de eleição votam ou vetam o prosseguimento de inquéritos parlamentares. No Governo anterior, houve vetos "ofensivos" à vida democrática. E agora parece enveredar-se pelo mesmo caminho. Veja-se o caso da Eurominas».
PAQUETE DE OLIVEIRA, IN JORNAL DE NOTÍCIAS

Soltas

CEJ PARA QUE TE QUERO
A lei que regula as estrutura e funcionamento do Centro de Estudos Judiciários define como sua atribuição, a par da “formação profissional de magistrados” e dos defuntos “assessores dos tribunais”, “o apoio a acções de formação jurídica e judiciária de advogados, solicitadores e agentes de outros sectores profissionais”.Contudo, o Ministério da Justiça preferiu, no que respeita à formação dos juízes dos Julgados de Paz, entregá-la à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (cfr. protocolo).
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VAI SER UMA CORRIDA AOS TRIBUNAIS
"No contexto do mapa judiciário, vai ser necessário escolher as cidades que ficam com os tribunais, até porque estes constituem um poder independente".
Paulo Rangel, Conferência organizada pela AJP (in OPJ)
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LEIS COMPLICAM O QUE É SIMPLES
"Não se deve tornar complicado aquilo que é muito simples e na justiça em Portugal existe uma cultura de tornar tudo muito complicado, fazendo com que coisas evidentes muitas vezes deixem de o ser. A culpa é da “excessiva carga legislativa e regulamentação, da má técnica e da fraca qualidade material de muitas das leis vigentes”. "Em 2005 o código do IRC foi alterado cinco vezes, o do IVA foi modificado por sete ocasiões e o do IRS revisto em seis momentos".
BELMIRO DE AZEVEDO, Ibidem.
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FALECEU O VICE-PRESIDENTE DO STJ
O Vice-Presidente do STJ, Juiz Conselheiro António Neves Ribeiro, faleceu na sexta-feira passada, de madrugada, vítima de doença prolongada. O corpo esteve em câmara ardente na Basílica da Estrela e o funeral realizou-se neste sábado, na Lousã.
Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, Neves Ribeiro integrava o STJ desde 1999. Desempenhou as funções de delegado do Ministério Público e Juiz em diferentes comarcas do país. Autor de diversas obras jurídicas, foi professor do Centro de Estudos Judiciários (CEJ) e da Escola Superior de Polícia, além de director do Gabinete de Direito Europeu do Ministério da Justiça. Fundou e dirigiu, entre 1988 e 2000, a Revista de Divulgação do Direito Comunitário, editada por aquele Gabinete. Ver biografia neste link.
Sentidos pêsames à Excelentíssima Família.

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Criados mais jobs para os boys

O Governo, através do Dec.-Lei 33/2006, de 17 de Fevereiro, encontrou mais uma forma de empregar mais uns boys e girls. Até criou um novo cargo para o efeito, que pode funcionar em cada Ministério (basta multiplicar).
O vencimento é compatível e bem atractivo (obviamente é superior ao vencimento dos Juízes de Primeira Instância) e, como chamariz (se ainda fosse preciso) pode ser atribuído um prémio de desempenho ao controlador aéreo, digo, controlador financeiro de área ministerial, assim se chama o novo cargo.
Aqui fica a prova:
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Com mais estas nomeações que se avizinham, bem pode o Jornal Independente acrescentar mais uns números às suas contas de hoje...

Marcação de férias dos Juízes (2)

Agradecemos a Sua Excelência, a Juiz Presidente do Tribunal Judicial de Loures, Dra. Juiz Maria Margarida Ramos de Almeida, a disponibilização da comunicação / provimento elaborado pelos Excelentíssimos Juízes do citado Tribunal, a propósito da marcação de férias dos Juízes, que aqui se disponibiliza em benefício de toda a comunidade forense.
Nota: O texto infra foi remetido ontem, em correio azul, para o Conselho Superior da Magistratura, apenas se disponibilizando agora publicamente, por se presumir que a correspondência já terá sido recepcionada pela Entidade destinatária.
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Exº Sr.
Juiz-Presidente do
Conselho Superior da Magistratura
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Assunto: Turnos e regime de substituição/Gozo de férias.
C/conhec. ao Exº Sr. Juiz-Presidente do T.R.Lisboa

Maria Margarida Ramos de Almeida, em exercício de funções como juiz-presidente do Tribunal de Loures vem, em seu nome e em representação dos Exºs Magistrados Judiciais colocados no Tribunal de Loures (Juízos Criminais, Juízos Cíveis, Juízos de Família e Menores, Juízos de Instrução Criminal, Juízos de Trabalho, Juízos do TPIC e Varas Mistas), expor e requerer a V.Exª o seguinte:
1. Pese embora existam dúvidas quer sobre a entrada em vigor da Lei nº 42/05, de 29.8., quer sobre a sua constitucionalidade material, a verdade é que se reconhece que tal terá de ser declarado em sede própria, que não esta.
2. Assim, tendo em consideração que o C.S.M. a entende em vigor, haverá que fazer um elenco dos problemas concretos de aplicação que tal normativo suscita, em especial no que se refere ao período previsto para que os Magistrados Judiciais possam gozar as suas férias:
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A) Há que conciliar os diversos normativos aplicáveis, nomeadamente, as restantes leis que regulam o regime de férias - no caso, o disposto no Dec.Lei nº 100/99, de 31/3, na redacção dada pelo Dec.Lei nº 157/2001, de 11/5.
De acordo com o art.º 2º, nº 1, deste diploma, cada juiz tem direito, em cada ano civil, a um período de férias mínimo de 25 dias e, como estabelece o art.º 5º, nos 1 e 2 desse diploma, tais férias podem ser gozadas seguida ou interpoladamente, não podendo ser gozados seguidamente mais de 22 dias úteis, nem, no caso de gozo interpolado, um dos períodos pode ser inferior a metade dos dias de férias a que o titular tenha direito.
Sem prejuízo de tais regras, e salvo nos casos de conveniência de serviço devidamente fundamentada, não pode ser imposto o gozo interpolado das férias.
Constata-se, assim, que a lei determina o direito de se gozar um período ininterrupto de 22 dias úteis de férias, só podendo tal direito ser afastado em casos pontuais e excepcionais, nunca como regra.
Tendo sido auscultados todos os Exºs Colegas deste Tribunal, nenhum declarou prescindir de tal direito – ou seja, todos afirmaram pretender gozar 22 dias úteis de férias ininterruptamente.
Ora, face à nova redacção dada ao artº 28 do Estatuto dos Magistrados Judiciais e ao artº 12 da L.O.F.T.J. constata-se que só será possível o gozo ininterrupto de 22 dias úteis de férias, no Verão (pois os períodos de férias judiciais quer do Natal, quer da Páscoa, não têm número de dias úteis suficientes para tal fim).
Assim, o que sucede é o seguinte:
- Ou todos os magistrados tiram os 22 dias úteis de férias durante o mês de Agosto, o que determina que não haja ninguém para assegurar os turnos de 1 a 31 de Agosto;
- Ou tiram os 22 dias úteis de férias entre o dia 17.7.06 (já que 15 é sábado) e o dia 31.8.06, o que determinará sempre (quer haja ou não simultaneidade de começo de férias de um ou vários magistrados, nesse dia ou nos dias seguintes), que não haverá magistrados judiciais para desempenharem funções de turno entre o dia 1 e o dia 16, ambos de Agosto de 2006.
Entende-se, igualmente, face ao que atrás se deixou dito, que a solução para tal problema não pode passar pela utilização do mecanismo previsto no nº5 do artº 28 do E.M.J., uma vez que o mesmo remete para o artº 5º, nos 1 e 2 do Dec.Lei nº 100/99, de 31/3, na redacção dada pelo Dec.Lei nº 157/2001, de 11/5., que só permite o regresso forçado ao serviço em casos pontuais e excepcionais, nunca como regra. Além do mais, qual seria o critério pelo qual se determinaria o regresso de alguns magistrados ao serviço?
A existência deste problema foi aliás já reconhecida por esse Conselho Superior da Magistratura, conforme decorre da deliberação datada de 7.02.06.
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B) Por outro lado, as novas regras de gozo de férias previstas na Lei nº 42/05, de 29.8. podem envolver, caso não se consiga harmonizá-las, uma eventual violação do princípio da igualdade consignado no artº 13 nº1 da C.R.P., que determina que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
Na verdade, não é igual gozar-se férias durante o período de férias judiciais (1 a 31.8) ou durante qualquer outro período adicional (seja de 15.7 a 31.7, ou qualquer outro), pois o que sucede é o seguinte:
a) Se um magistrado gozar férias integralmente em Agosto, não fará turno de Verão, mas terá de assegurar o serviço dos Exºs Colegas que estejam em gozo de férias durante Julho, o que significa que, para além de ter de assegurar o seu serviço normal, terá ainda de substituir o/os Colega/s, nos termos gerais, para as situações urgentes;
b) Se um magistrado gozar férias parcialmente em Julho e em Agosto, terá de assegurar o turno de férias dos dias de Agosto que lhe couberem e verá ainda o seu trabalho normal acumular-se (pois apenas os actos urgentes serão praticados em Julho), já que a secção continuará a abrir conclusão normalmente, sendo que apenas os processos urgentes serão despachados pelo Colega que o substitua.
Esta situação, aliás, torna-se ainda mais complicada, se se atender à possibilidade de o início do gozo de férias ocorrer, por exemplo, no dia 24.7.06, pois este magistrado terá de funcionar em regime de substituição até esse dia e terá ainda, eventualmente, de realizar turno durante Agosto.
Finalmente, os Magistrados que gozarem férias em parte num período adicional, verão a sua pendência aumentar, sendo confrontados, no regresso, com um acumular de serviço (despachos, sentenças, acórdãos e saneadores), que não ocorrerá com os Magistrados que tiverem gozado férias apenas durante o período de férias judiciais.
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C) Acresce que também não é indiferente ao cidadão utilizador dos serviços de Justiça, que um determinado Magistrado Judicial tire férias de 1 a 31 de Agosto ou em qualquer outro período adicional, pois a verdade é que o risco de adiamento de diligências e de atrasos na prolação de despachos, sentenças e acórdãos, é diverso.
Na verdade, funcionando o regime de substituição fora do período de férias judiciais, tal determinará, forçosamente, que algumas das diligências designadas pelo juiz-substituto, bem como alguns dos processos conclusos, terão de ser adiados e postergados para outras datas, de forma a viabilizar a sua intervenção em serviço urgente.
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D) Finalmente, há que constatar que a Lei nº 42/05, de 29.8. não fixa qual o número mínimo de Juízes-Substitutos, nem a sua proporção relativamente aos Juízes que se encontram em gozo de férias o que, a não ser acautelado, pode gerar situações de desigualdade e de desproporcionalidade de serviço entre Magistrados Judiciais.
Na verdade, quando se escolhe um determinado período quer de substituição, quer de turno, ignora-se ainda quantos Colegas irão estar no exercício do seu direito a férias, o que pode determinar que existam períodos em que esteja apenas em funções um único Juiz-Substituto para todo o serviço normal e corrente do Tribunal e, noutros períodos, estejam em funções 10, 15 ou 20 Juízes-Substitutos, consoante o início e o termo dos dias de férias que venham a ser escolhidos.
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Em conclusão:
Tendo em atenção os problemas concretos de aplicação que tal normativo suscita (Lei nº 42/05, de 29.8.), haverá que fazer um esforço para tentar resolvê-los e harmonizá-los, de forma a:
a) garantir a exequibilidade e a eficiência do serviço prestado pelo Tribunal;
b) assegurando ainda as expectativas dos utilizadores;
c) a par do exercício do direito de gozo de férias por parte dos Magistrados Judiciais;
d) possibilitando ainda a todos os Magistrados Judiciais que possam exercer o seu direito a férias em igualdade de tratamento e de condições entre si, ou seja, sem que o serviço de uns seja beneficiado e o de outros prejudicado
(pois não há qualquer ganho, a estes níveis, com o facto de o serviço daquele que está de férias não ser convenientemente assegurado e o daquele que está a trabalhar ficar prejudicado com a acumulação de serviço),
o que implicará, no nosso entendimento, a necessidade de dar um determinado e específico conteúdo funcional ao trabalho a ser prestado pelos Srs. Juízes-Substitutos.
Assim sendo, entendemos que deverá ser dado um provimento, pela juiz-presidente deste Tribunal, em nome e em representação de todos os magistrados judiciais que aqui se encontram em exercício de funções, com o seguinte teor:
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PROVIMENTO
1. Os magistrados judiciais deste Tribunal (Juízos Criminais, Juízos Cíveis, Juízos de Família e Menores, Juízos de Instrução Criminal, Juízos de Trabalho, Juízos do TPIC e Varas Mistas) gozarão os seus dias de férias, pelo menos na parte relativa aos 22 (vinte e dois) dias úteis ininterruptos, no período compreendido entre 15 de Julho a 14 de Setembro;
2. Proceder-se-á à divisão equitativa, entre todos os Magistrados Judiciais deste Tribunal, dos dias compreendidos entre 16.7.06 a 14.9.06, para efeitos de serem asseguradas quer as funções de Juiz-Substituto, quer as funções de Juiz de Turno, atendendo-se posteriormente ao resultado de tal divisão, no momento da marcação dos dias de férias a que cada um dos Magistrados Judiciais tem direito;
3. Durante o período de 16 de Julho a 31 de Julho e de 1 de Setembro a 14 de Setembro, atribui-se aos Srs. Juízes-Substitutos o seguinte conteúdo funcional:
Competirá a um ou dois Juiz/es-Substituto/s (consoante se entenda que, face ao volume de serviço deste Tribunal, seja aconselhável encontrarem-se dois Magistrados em simultaneidade de funções), durante os dias em que lhe/s compete assegurar tal substituição, nos termos previstos no ponto 2., proceder à realização de todos os actos de natureza urgente deste Tribunal (todas e quaisquer diligências, despachos ou outros actos processuais); ou seja, o seu exercício de funções abrangerá todas as jurisdições existentes, relativamente a actos de natureza urgente;
4. Durante os períodos mencionados no ponto 3. só serão designadas audiências ou quaisquer outras diligências processuais de carácter urgente;
5. Durante os períodos mencionados no ponto 3. só terão andamento os processos de natureza urgente, pelo que as secções do Tribunal não abrirão conclusão ou vista senão em processos que tenham tais características.
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Dado o conteúdo e a natureza de tal provimento, entendemos que do mesmo deve ser dado prévio conhecimento ao Conselho Superior da Magistratura, para os fins tidos por convenientes.
Tendo ainda em vista o prazo preceituado no artº 28-A da Lei nº 42/05, de 29.8., será conveniente que o mencionado provimento seja proferido até ao dia 3 de Março de 2006, iniciando-se, de seguida, a elaboração dos turnos de férias da Páscoa e do Verão, bem como dos dias relativos ao exercício de funções dos Srs. Juízes-Substitutos.
Caso não haja qualquer resposta por parte do Conselho a que V. Exª preside, entender-se-á que o C.S.M. considera adequado o conteúdo do mencionado provimento, pelo que se procederá messe mesmo dia à sua prolação.
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Com os melhores cumprimentos
Margarida Ramos de Almeida
(em exercício de funções como juiz-presidente)
Loures, 16 de Fevereiro de 2006.

Onde pára o ESTUDO ?


Dão-se alvíssaras a quem conseguir encontrar o célebre «Estudo» que o Senhor Ministro da Justiça fez referência na reunião Plenária da Assembleia da República de 28 de Julho de 2005, de acordo com o qual a redução das férias judiciais irá (?!) aumentar em 10% a produtividade dos Tribunais.
O próprio Ministério da Justiça parece não saber onde o Estudo em causa se encontra.
Um Juiz, com cumprimento de todas as regras legais aplicáveis em sede de acesso dos cidadãos aos documentos administrativos, elaborou uma carta dirigida ao Ministério da Justiça solicitando cópia certificada do Estudo, até juntou envelope selado para resposta ou para nota de despesas, mas ... a resposta terá ficado em segredo de injustiça.
Por isso, e muito bem, foi apresentada queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos.
Continuamos a aguardar, pacientemente, à semelhança de tantos outros estudos e documentos, que este documento veja algum dia a luz do dia, nem que seja na Torre do Tombo, nos «documentos classificados de regime»!
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1. Carta remetida ao Ministério da Justiça
In Sílaba Tónica
Ex.mo(a) Sr(a). Secretário(a)-Geral do Ministério da Justiça
Rua do Ouro, n.º 6, 1149-019 Lisboa
Fax: 21 342 31 98 / 21 322 25 61
Assunto: Pedido de cópia do Estudo que esteva na base da alteração ao período de férias judiciais de Verão, operada pela Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto. .
Ex.mo(a) Sr(a). Secretário(a)-Geral
Na Reunião Plenária da Assembleia da República de 28 de Julho de 2005, foi inúmeras vezes feita referência a um "Estudo" que estaria na base da decisão governamental de propor ao Parlamento a redução as férias judiciais de Verão - decisão esta que veio a tomar forma através da Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto - , de acordo com o qual a redução destas férias para um mês é susceptível de gerar um aumento de 10% da "produtividade" dos Tribunais.
Nessa ocasião, Sua Excelência o Ministro da Justiça chamou também à colação o referido "Estudo", dizendo: «O estudo e os resultados que nos foram apontados como estimativas resultam de um gabinete que existia à nossa chegada ao Ministério, dirigido por uma personalidade que não fomos nós que seleccionámos ou designámos e que, portanto, nos tem de merecer toda a credibilidade» - cfr. o Diário da Assembleia da República, Série I, n.º 42, da 1.ª Sessão Legislativa da X Legislatura, de 29 de Julho de 2005, fls. 1847.
Pretendendo eu conhecer o conteúdo deste Estudo, venho requerer, ao abrigo das normas contidas no n.º 2 do art. 7.º e nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 12.º da LADA:
- a certificação da existência deste Estudo, bem como da data da sua elaboração e da sua autoria
- que me seja fornecida uma reprodução por fotocópia ou por qualquer meio técnico do mencionado Estudo;
- a certificação da cópia fornecida.
O requerimento vertente é formulado ao abrigo das disposições conjugadas vertidas nos arts. 3.º, n.º 1, 4.º, n.º 1, al. a), 7.º, n.os 1 e 2, 12.º, n.º 1, als. a) a c), e 13.º da Lei de Acesso aos Documentos da Administração (LADA), aprovada e alterado pelas Leis n.º 65/93, de 26 de Agosto, n.º 8/95, de 29 de Março, e n.º 94/99, de 16 de Julho, no art. 8.º, n.º 2, al. h), da Lei Orgânica do Ministério da Justiça, e no art. 2.º, n.º 1, al. g), 2.ª parte, da Lei Orgânica da Secretaria-Geral do Ministério da Justiça
Solicito que a cópia certificada do Estudo seja remetida para a minha residência infra indicada, sendo o custo da cópia fornecida e de eventuais portes de correio inteiramente suportados por mim, podendo V. Ex.ia, se o desejar, utilizar o envelope selado que junto para me remeter previamente a "nota de despesas" a suportar. Na volta do correio, ser-lhe-á enviado o pagamento.
Para os efeitos previstos no art. 13.º da Lada, informo que são os seguintes os meus elementos de identificação:
- nome: Paulo (...) Ramos de Faria (completo no original);
- morada: (completo no original);
- elementos de identificação do documento: os supra referidos, isto é, o Estudo ao qual se referia Sua Ex.ia o Ministro da Justiça na declaração transcrita.
Em anexo, remeto um envelope selado, o qual poderá ser utilizado para a resposta de V. Ex.ia.
Sem outro assunto, esperando deferimento, com os meus respeitosos cumprimentos,
(...), (...) de Janeiro de 2006.
Paulo (...) Ramos de Faria.
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2. Até à data de hoje, não houve qualquer resposta.
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3. Queixa remetida à Comissão de Acesso dos Documentos Administrativos
Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos
Rua de São Bento, 148 - 2º
1200-821 Lisboa
Fax 213 955 383
Assunto: Queixa contra a falta de decisão por parte do Ministério da Justiça (Ex.mo(a) Sr(a). Secretário(a)-Geral do Ministério da Justiça) sobre "Pedido de cópia do Estudo que esteva na base da alteração ao período de férias judiciais de Verão, operada pela Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto".Identificação do requerente: Paulo (...) Ramos de Faria, residente na (...), portador do bilhete de identidade n.º (...).
Ex.mos Srs.
No passado dia (...) de Janeiro de 2006, por meio de carta registada - cfr. doc. n.º 1 junto - dirigi ao Ministério da Justiça (Ex.mo(a) Sr(a). Secretário(a)-Geral do Ministério da Justiça) um «Pedido de cópia do Estudo que esteva na base da alteração ao período de férias judiciais de Verão, operada pela Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto» cuja reprodução junto em anexo - cfr. doc. n.º 2.
O requerimento em causa encontrava-se elaborado pelo modo prescrito no art. 13.º da Lei de Acesso aos Documentos da Administração (LADA). O conteúdo do pedido encontra-se descrito na reprodução do requerimento que junto - o qual dou aqui por transcrito - , abstendo-me de o reproduzir por razões de economia processual.
Decorrido o prazo previsto no art. 15.º, n.º 1, da LADA, não me foi comunicada pelo Ministério da Justiça qualquer decisão tomada sobre o meu pedido.
Em face do exposto, venho, ao abrigo do art. 16.º, n.º 1, da LADA, apresentar a presente queixa, solicitando a V. Ex.as que, se assim for entendido, elaborem relatório no qual se exorte o Ministério da Justiça a permitir o acesso ao documento identificado, nos termos pedidos.
Em anexo, junto dois documentos.
Sem outro assunto, esperando deferimento, com os meus respeitosos cumprimentos,
(...), (...) de Fevereiro de 2006.
Paulo (...) Ramos de Faria