terça-feira, outubro 31, 2006

Leituras do dia

E INSISTE !
Segundo o Diário de Notícias (link), o procurador-geral da República (PGR) deverá insistir, perante o Conselho Superior do Ministério Público, no nome de Mário Gomes Dias para vice-PGR. Existindo dúvidas quanto à admissibilidade de apresentação de um nome já vetado, os membros do CSMP terão que se pronunciar previamente sobre a repetição da votação.
Sobre esta questão, a norma dispõe que... «a nomeação realiza-se sob proposta do Procurador Geral da República, não podendo o Conselho Superior do Ministério Público vetar, para cada vaga, mais que dois nomes». Parece ser claro que dois nomes não corresponde, nem na letra da lei nem no espírito do legislador, à apresentação por duas vezes do mesmo nome. Ou seja, o PGR pode apresentar três nomes e o CSMP só pode vetar dois nomes (diferentes, naturalmente, já que o mesmo nome não pode ser vetado duas vezes).
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INSEGURANÇA... ATÉ NA MÁQUINA DO CAFÉ!
A notícia vem no Correio da Manhã (link). A máquina de café, colocada no Tribunal Judicial das Caldas da Rainha, está a ser vigiada pela PSP, depois de ter sido assaltada três vezes num curto espaço de tempo. Para a juíza-presidente, Isabel Batista, os assaltos demonstram que o edifício “não tem as condições mínimas de segurança”. O primeiro assalto ocorreu quando a máquina estava no átrio da sala de audiências e os ladrões levaram 50 euros em moedas. A máquina foi entretanto mudada para uma zona menos acessível, próxima de gabinetes de trabalho, mas os assaltos repetiram-se: levaram 50 euros em moedas de uma vez e 40 euros noutra. Coisas simplesmente habituais e corriqueiras nos edifícios dos outros órgãos de soberania... ?!

segunda-feira, outubro 30, 2006

Justiça gratuita ou TGV ?

«A concretização da rede ferroviária de alta velocidade - que apenas vai ligar Lisboa a Madrid e ao Porto e esta cidade a Vigo - vai custar 9,1 mil milhões de euros.
Trata-se de uma decisão que vai custar milhares de euros a cada português.
A relação custo/benefício parece mais do que desfavorável. Na Europa existem linhas ferroviárias de alta velocidade com falta de procura, estando a sua sustentabilidade económica em perigo.
A única explicação plausível para a opção do Governo será a necessidade de aproveitar os fundos comunitários (ainda) disponíveis para o efeito.
Este argumento faz lembrar o engodo dos «saldos»: o consumidor compra algo que pode nem precisar, apenas... porque tem desconto.
Neste caso, o Estado Português compra um «brinquedo» caro, no valor de 9,1 mil milhões de euros com, apenas, 22% de desconto (parcela financiada pelos fundos comunitários).
Essa quantia corresponde a 165 anos de justiça gratuita para os portugueses, a custos actuais!
Numa situação de consequências financeiras tão importantes, os portugueses merecem o direito à informação e à escolha.
Referendo já!»
Dr. Jorge Langweg, in Blog de Informação

Recortes de imprensa

«Numa altura em que o Governo apela aos portugueses para apertar o cinto, o Executivo de José Sócrates prevê gastar no próximo ano mais de 95,4 milhões de euros só em estudos, pareceres, projectos e consultadorias.
Segundo a proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2007, o Ministério do Ambiente é o mais gastador, com uma verba de mais de 25 milhões de euros, seguido do Ministério da Ciência com mais de 17,5 milhões» (Correio da Manhã).
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Pacto de Justiça II na calha
«PS e PSD podem vir a realizar nos próximos meses um Pacto de Justiça II, com vista a rever a composição do Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Superior do Ministério Público, o que exige a revisão da Constituição. A hipótese de os membros dos dois órgãos passarem a ser indicados pelo poder político, deixando os magistrados de indicar quaisquer nomes, pode ser a alteração mais significativa.
A actual composição do CSM integra sete membros eleitos pela Assembleia da República, cinco pela Presidência da República e outros sete eleitos entre as magistraturas. O artigo 218º da lei fundamental dá dignidade constitucional a esta matéria, razão pela qual as alterações neste domínio tenham de envolver um Pacto de Justiça II entre socialistas e social-democratas com incidência ao nível da revisão da Constituição, de modo a perfazer a maioria de dois terços. Por sua vez, a composição do CSMP integra elementos eleitos pela Assembleia da República, designados pelo ministro da Justiça e escolhidos entre os magistrados, tendo esta matéria igual dignidade constitucional.Uma nova composição do CSM e do CSMS poderá envolver ou a eleição de todos os membros pela Assembleia da República ou a manutenção do poder do Presidente da República de indicar nomes para os cargos» (Semanário).
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«Começa a revelar inquietante falta de imaginação o modo como, de vários ministérios, a desculpa, sempre que alguém mete o pé na poça, é a mesma foi engano, a intenção era avançar por terreno limpo mas o pé fugiu para o charco. Só nas últimas semanas, em razão dos aguaceiros que têm caído sobre a acção governativa multiplicando poças por todo o lado, enganou-se a Presidência do Conselho de Ministros com os aumentos de 6,1% dos vencimentos ministeriais; enganou-se o secretário de Estado das Obras Públicas dando um seu adjunto como requisitado à empresa de consultadoria que embolsou, sem concurso, 275 mil euros para avalizar as portagens das SCUT; e enganou-se o Ministério da Educação ao acabar com as férias de Natal, Carnaval e Páscoa dos professores. Há, pois, esperança para pensionistas, deficientes e doentes: pode ser que, afinal, não tenham que pagar eles a crise como vem na proposta de Orçamento de Estado para 2007. Talvez seja engano. Talvez seja engano a redução dos impostos sobre o património nas operações realizadas através de "off shores" e o IRC dos bancos ser metade do das demais empresas. Talvez até, quem sabe?, sejam engano as novas facturas da água, da electricidade, dos combustíveis, dos transportes, dos passes sociais» (António Pina, in JN)

domingo, outubro 29, 2006

As técnicas da nova propaganda (2)

PUBLICO - 29.10.2006
Olho Vivo - Por Eduardo Cintra Torres (*)
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«No artigo anterior referi três técnicas da nova propaganda: agir através de uma central; encharcamento dos media com "informações" governamentais controlando a agenda (sendo hoje a Lusa fundamental nesta matéria); e abafamento cirúrgico de acções contrárias ao governo "largando" manchetes que desviem a atenção.
Quarta técnica? Centralizar a propaganda no governo e não no partido governamental. Isso "legitima" a propaganda, que assim se confunde com acção política do Estado; além disso, parece-se mais com informação; e cala a oposição, que se limita a comparar o tempo que cada partido aparece na TV pública. Nessa matéria a RTP porta-se bem: os minutos dados a cada partido estão contabilizados. Mas isso é irrelevante: o partido do poder não precisa de mais tempo que os outros porque, concentrando-se a propaganda no governo, há rédea livre para este dominar os noticiários.
O canal de TV do Estado criou, e bem, espaços de debate com representantes de todos os partidos. Mas, se tal facto alarga a democraticidade do espaço público, o reverso da medalha é perverso: o debate fica-se pela partidocracia e, pior, ao ser-lhes dado espaço em programas, os partidos da oposição, do CDS ao BE, calam-se por completo a respeito da propaganda e do controle governamental da informação. Comprada a oposição com a esmola, não só o cidadão é vítima da propaganda como fica desprotegido, pois a oposição não cumpre a sua função ao juntar-se em cartel de silêncio sobre estes temas fulcrais da vida democrática. Sublinho: jornalistas e comentadores independentes, blogues e cidadãos que refilam para o Provedor ou outros media têm feito muito mais contra o controle político da informação do que os partidos da oposição de esquerda e direita!
Quinta técnica da propaganda, comum a vários governos dos últimos anos: usar maliciosamente os media para testar medidas que o governo pretende tomar ou para influenciar o andamento da vida política com mentiras. Entramos aqui no domínio pardo do eticamente condenável ou até do ilícito. Faz-se assim: uma "fonte anónima", que não é mais que um membro do governo ou seu assessor, passa certa "informação" para um media. A notícia sai, dado que a fonte é "amiga" ou é credível para o jornalista. Mas não é: o governo só pretende testar a opinião pública e os lóbis ou forçar certa acção de outrem. Depois, no próprio dia ou no dia seguinte, o governo, através agora de um porta-voz autorizado, "desmente" a notícia que o próprio governo tinha fornecido. Embora os leitores não o entendam, é o governo que se desmente a si mesmo; a credibilidade do media é posta em causa mas o governo sai sem uma beliscadura.
De outras vezes, o governo utiliza a boa-fé dos jornalistas, ou amigos nas redacções, para influenciar maquiavelicamente os acontecimentos. Por exemplo, o Diário de Notícias noticiava a 16.09 num texto sem fontes que "O substituto do polémico José Souto Moura poderá vir a ser Henriques Gaspar". A notícia foi vista como tendo o objectivo de queimar a então já provável nomeação de Pinto Monteiro, cujo nome o executivo, aparentemente, se arrependera de indicar. Poucas horas depois, o ministro da Presidência, P. Silva Pereira, negou a notícia e considerou "especulações jornalísticas" a manchete do DN. O blogue Bloguítica perguntou mais de dez vezes ao DN porque não explicava a origem da notícia falsa. Em vão.
Outro caso. Uma fonte anónima dizia, durante a época de incêndios, que o ministro António Costa estava desagradado com os colegas das pastas do Ambiente e Agricultura por não darem a cara. A notícia foi desmentida por fonte autorizada no mesmo dia. O jornal saiu desacreditado, o ministro conseguiu o que queria.
Ainda outro caso. Como referiu José Pacheco Pereira, no Prós e Contras de 16.10, "assistiu-se à denúncia em directo de uma manipulação jornalística feita a partir do gabinete do ministro António Costa" - enganando o Correio da Manhã com uma notícia falsa para logo ser desmentida - o que fez Costa "fugir para outro assunto muito incomodado. Assim se fazem as coisas" (Sábado, 19.10). No mesmo programa, Fernando Ruas citou um jornalista que lhe disse para fazer como o governo, "que dá a informação e depois comenta".
Uma sexta técnica da propaganda, uma das mais importantes, é a censura. A palavra tem entre nós uma carga exageradíssima, porque se associa censura a fascismo. Ora ela não é exclusiva de regimes autoritários. Há formas de censura em democracia, nem todas ilegítimas (exemplo de censura legal: protecção das crianças). Já para controlar politicamente a informação a censura é das piores faltas de ética. Há quem não conheça os bastidores ou prefira ser ingénuo, justificando os actos de censura por eventuais critérios de "subjectividade" editorial. Mas, nas redacções, nomeadamente na RTP e Lusa, os jornalistas sabem do que falo. Muitos sentem-se humilhados pelo controle político da informação. Alterar o alinhamento dum noticiário ou retirar dele notícias por motivos políticos é censura: por exemplo, fazer quase desaparecer os incêndios durante as férias do primeiro-ministro. Fazer alinhamentos, não segundo critérios editoriais razoáveis, mas por motivos políticos, de forma a diminuir a importância de certos temas, é censura. Aconteceu também durante os incêndios, mas estes dois processos ocorrem com enorme frequência. A queda de popularidade do governo aumenta o seu stress e a pressão sobre as redacções. A nomeação do ex-SIC José Manuel Portugal para partir a espinha à independência do Jornal da Tarde, feito no Porto, e dar certas instruções ao Telejornal em Lisboa já se faz notar. Desde o meu artigo de 20 de Agosto sobre a enviesada cobertura dos incêndios pela RTP, tem crescido a atenção de cidadãos e espectadores pela censura exercida através do alinhamento dos noticiários. O programa de ontem do Provedor (transmitido depois de escrito este texto) resultou de 60 queixas. Eu tenho recebido diversas chamadas de atenção de leitores e de jornalistas para casos de notícias de telejornais da RTP, de alinhamentos, de mudanças de alinhamentos, etc., alguns dos quais inacreditáveis. Mas, felizmente, a sociedade civil está atenta e a agir, para vergonha dos partidos da oposição de esquerda e direita, que venderam o seu dever de oposição por um prato de lentilhas nos noticiários e programas de debate».
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(*) Transcrito a partir da caixa de comentários ao post anterior, a título de colaboração de um leitor.

Política e Justiça

A lei das três seguidas na PGR
«Escrevo isto aqui, porque é um problema de cidadania, e não um problema jurídico.
Como se sabe, o candidato a Vice-PGR, que o PGR apresentou ao Conselho Superior do Ministério Público, foi chumbado por 9 votos contra 8. Vai daí, o PGR prepara-se para tornar a levar a votos o mesmo nome, para ver se desta vez o candidato passa. Se não passar, ainda há uma terceira vez.
Está a acontecer na Procuradoria-Geral o que já sucede em relação aos juízes do Tribunal Constitucional, que são eleitos politicamente pela Assembleia da República.
Porque é isto possível? Sejamos claros: porque há pessoas que, na hora do voto, podem dar o dito por não dito! Porque é que o vira-casaquismo é possível? Não tenhamos ilusões: porque há pessoas que vão ser convencidas a alterarem a sua consciência. Basta ler jornais, basta estar atento aos bastidores.
O que dizer disto tudo? Que é uma pouca vergonha, uma falta de respeito pela dignidade das instituições judiciárias, o grau zero da vida pública portuguesa, o triunfo da política sobre a Justiça.
Quem se prestar a esse papel que tenha presente o que vai fazer: assina com isso a acta de instalação da Comisão Liquidatária do Estado Direito.
É forte não é? Sim, mas nem chega a metade do que eu penso sobre isto, isto com que tenho de conviver.
P. S.-1 Já agora, ó povo ignaro e indiferente, que a tudo resiste e com isto coexiste, sabem o que diz a lei? Eu cito: «a nomeação realiza-se sob proposta do Procurador Geral da República, não podendo o Conselho Superior do Ministério Público vetar, para cada vaga, mais que dois nomes». Parece claro, não é? São três nomes, o Conselho não pode vetar mais do que dois! Pois. Mas na actual PGR acha-se que onde está o que leram, deve ler-se que em vez de serem três nomes para uma votação, pode ser o mesmo nome para ser votado três vezes. É uma habilidade interpretativa, a lei das três seguidas.
P. S.-2 Ainda em tempo: sabem como é que certas pessoas andam a lamuriar-se, pelas esquinas, quanto ao terem de mudar o seu voto? Porque têm medo que, se este Vice não passar, o Governo, retaliando, altere a lei, transformando-o, ao MP, numa Direcção-Geral do Ministério da Justiça. Dizem-me que até já veio nos jornais. É o medo, sim, o medo e a chantagem a funcionarem, em plena democracia! Na hora da próxima votação, eles lá estarão, os «sim, senhor ministro!»
Dr. José António Barreiros, in A Revolta das Palavras

Leituras em dia

Bondage do poder judicial
Um post de A.Balbino Caldeira, a propósito do artigo do Dr. João Correia, face ao cenário de ameaça de partidarização política total dos Conselhos Superiores de Magistratura e do Ministério Público e em cuja "mesma linha de controlo sistémico se insere a proposta de criação de um tribunal penal especial para [casos que envolvam políticos] casos complexos. Mas - sustenta o mesmo blogger - "a intenção de uma intervenção rápida para assegurar o domínio directo e geral da Justiça pela mão negra do poder político sujo mantém-se. No ar fétido dos aparelhos do Estado fuma-se o prazer psicadélico, intragável num estado de consciência democrática, de bondage do poder judicial à vontade soberana do poder político absolutamente imune".
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Um artigo da autoria do Advogado, Dr. João Correia, no DN, de 28.10 que começa por recordar... "Já poucos se lembram do Estatuto Judiciário em vigor desde (curiosamente) 24 de Abril de 1962 (DL 44 278). Já não serão tão pacíficas as motivações de quem quer regressar a uma organização castrense do Ministério Público. Quem defende um "comandante" para o MP ignora a história das instituições. Quem viu na recusa de um vice-PGR crise de autoridade agiu sob impulso".
O Autor alerta para o facto de que "a legitimidade do vice-PGR perante o CSMP e perante os magistrados carece da intervenção deste órgão. Abandonada a nomeação pelo CSMP, enfraquece-se tal legitimidade" e que "os que interpretaram a banalíssima manifestação de vontade negativa de CSMP como um sinal de crise esquecem as reais debilidades actuais do MP, que se viu esvaziado de competências no inquérito criminal. A burocratização da magistratura do MP e a neutralização dos advogados no processo criminal destruíram por dentro, progressivamente, a cidadania, seja no processo criminal seja nos tribunais".
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«É muito difícil lidar com o primarismo." O balanço de cerca de um ano em funções não sorri a Clemente Lima, o juiz que dirige a Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI)». "Estas coisas não podem ser promiscuídas, sob pena de se regressar ao xerifado que por aí campeia." (in DN)
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«O ministro da Justiça, Alberto Costa, manifestou-se, ontem, contra a criação de uma nova repartição territorial no âmbito da reorganização do mapa judiciário. "Não devemos acrescentar mais mapas aos mapas que já existem, devemos reportar-nos a traçados que sejam coerentes com os outros já existentes", sublinhou, ao defender que a nova matriz territorial da organização judiciária seja equivalente às 28 regiões de unidade territorial (NUT III). Ao preferir esta solução - um dos cenários proposto pelo Observatório Permanente da Justiça -, Alberto Costa pretende evitar a profusão de diferentes mapas. "Não devemos complicar", afirmou.
O estudo desenvolvido pelo Observatório Permanente da Justiça, do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, e apresentado ontem, sugere, além da criação de uma nova matriz territorial mais alargada em relação ao actual modelo, o tratamento diferenciado dos litígios de baixa e alta densidade, da pequena e média criminalidade e da criminalidade mais grave e, em especial, da litigação de massa. Entre as inovações propostas surge ainda a extensão, a todo o país, de uma justiça especializada para matérias específicas, entre as quais, questões de família e menores, relacionadas com contratos de sociedade e exercício de direitos sociais, assim como o julgamento da criminalidade complexa». (in JN)

sexta-feira, outubro 27, 2006

Ficções

«Uma das ficções criadas com a votação do Conselho Superior do Ministério Público, que chumbou o nome de Mário Gomes Dias para vice-procurador, é a de que os nove votos contra seriam, no essencial, a expressão corporativa da reacção dos magistrados do Ministério Público (MP) presentes neste órgão. Alinhados com o respectivo sindicato, sacaram do voto e dispararam contra o alvo intermédio, para atingirem o próprio procurador-geral.
As leituras políticas sobre a justiça estão a sobrepor-se a toda a racionalidade. Os alinhamentos estão radicalizados e cada uma das barricadas tem os respectivos cães de guarda. Dos jornais à blogosfera, tem-se escrito coisas impensáveis por manifesto desconhecimento, mera estratégia de ataque ou pura ânsia de notoriedade.
O Governo, também ele, parece estar a muito pouco de perder a cabeça, se é verdade que tenciona alterar os poderes do Conselho Superior do Ministério Público no sentido de os reduzir a questões teóricas e disciplinares. A ser assim, não é uma reacção saudável da parte do Governo, que, se o fizer, revela ter do acto legislativo uma concepção de mero instrumento de poder, coisa típica das maiorias absolutas com mais soberba ou mesmo de estados totalitários, o que não é o caso.
No meio desta confusão há perguntas simples cuja resposta é essencial: os nove votos foram mesmo só dos magistrados? Em caso afirmativo, correspondeu essa convergência a um alinhamento corporativo para atingir Pinto Monteiro, só porque se trata de um magistrado judicial? As respostas só os próprios as podem dar, mas, desde logo, não é óbvio que os quatro procuradores distritais tenham votado contra. Ou que, caso o tivessem feito, isso ocorresse no diabólico contexto de uma reacção corporativa. Quase todos eles são pessoas muito imbuídas da lógica hierárquica do MP e nada alinhadas com discursos sindicais. Depois, não é óbvio que outros membros do Conselho, incluindo pessoas nomeadas pelo Parlamento, não tenham votado contra. De resto, sem pôr em causa a seriedade do magistrado Gomes Dias, há que dizer que a boa razão para votar contra não está em ter sido indicado por alguém que se queira atacar. Isso seria mesquinho! A boa razão está no facto de ter passado 20 anos a servir profissionalmente o Bloco Central no Ministério da Administração Interna, em que é frequente ser necessário invocar a razão de Estado para fazer coisas nem sempre benéficas para a cidadania. Onde as razões de Estado nem sempre convergem com as razões da justiça. Como se viu no julgamento da vertente portuguesa do famoso caso GAL. E é esta confusão ou ambiguidade que não é admissível na Procuradoria-Geral da República».
Eduardo Dâmaso, in DN

quinta-feira, outubro 26, 2006

Discurso do Presidente do STJ

Discurso da tomada de posse de Sua Excelência, o Presidente do STJ, Juiz Conselheiro Noronha Nascimento
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«Dentro em pouco, vão-se perfazer quarenta anos sobre o dia em que entrei no mundo dos Tribunais.
Quarenta anos recheados de casos, circunstâncias, memórias e sensações que davam para uma obra-prima cinematográfica do neo-realismo italiano.
Desde o réu que morreu à minha frente no julgamento em que ia ser absolvido e que não aguentou a acusação feita, à sobrinha - neta do grande Camilo que, indignada, tentou desforço por o Tribunal não valorar mais a sua palavra do que a palavra de um humilde rural, aos julgamentos dos anos de brasa com o Tribunal resguardado por uma cintura policial, ao momento de violência silenciosa e incomensurável quando (numa inofensiva acção de propriedade) o autor se apercebeu de repente da infidelidade da sua mulher com o próprio réu, à velhinha viúva vestida de luto cerrado que na partilha por morte do marido olhava, com sorriso suave, para os meus 29 anos e me chamava o juiz - menino, à tarde mais dramática da minha vida profissional quando o Colectivo a que pertencia, fechado na sala durante seis horas seguidas, destilou desespero como três homens em fúria para decidir se condenava o réu por homicídio ou não, a 19 anos de prisão ou a nada, por tudo foi passando como o mais comum dos juízes que sentem na pele o desespero de um sistema que também os vai devorando.
Entrei nos Tribunais nos anos 60 a ouvir falar da crise da justiça; logo após o 25 de Abril, nos idos de 75 / 76, a crise da justiça era a manchete frequente dos jornais da época.
Hoje, trinta anos volvidos, o tema continua recorrente o que nos leva a perguntar o que há de estrutural em tudo isso.
A crise da justiça, tal como a percepcionamos relaciona-se basicamente com a morosidade processual que, com outros factores coadjuvantes, conduz hoje ao encharcamento dos tribunais.
Mas disso já nos falava de Bruges, no sec. XV, o príncipe D. Pedro, o das Sete Partidas, na célebre carta que daí enviou para o reino.
A morosidade na resolução do litígio, dizia ele em suma, é a denegação da justiça porque, quando aquele se decide, já o interesse que lhe subjaz desapareceu ou se modificou.
Nos anos 70 o bloqueio do Judiciário entroncava basicamente no desfazamento da orgânica dos Tribunais que a reforma de 78 resolveu parcialmente e no défice visível de magistrados.
Em Fevereiro / 75, quando cheguei ao Marco de Canaveses encontrei uma comarca sem juiz havia mais de um ano, situação que se reproduzia amiúde pelo país inteiro; Mogadouro terá provavelmente batido o record nesse desgoverno de então ao estar - se a memória não me trai - sete anos sem juiz num total de nove.
Hoje as causas são muito outras.
Hoje, o bloqueio judiciário é o produto final e confluente de muitos factores: do aumento generalizado de riqueza subsequente à adesão à União Europeia, do fim progressivo do estado - providência conjuntamente com a tendência permanente em judicializar todos os conflitos que surgem (ao arrepio da recomendação expressa do Conselho de Ministros do Conselho da Europa, de Setembro / 86), da concentração demográfica no litoral fazendo surgir dois mapas judiciários diferentes (o do litoral em panne frequente, e o do interior mais fluído e equilibrado), de reformas processuais falhadas (como a da acção executiva) ou adiadas (como a da investigação criminal) e, por fim, de uma política de concessão de crédito ao consumo que levou longe o endividamento familiar visível nas acções de dívida que canibalizam e corroem totalmente os tribunais representando mais de metade dos processos pendentes no país.
O bloqueio judiciário tem por conseguinte causas estritamente organizacionais e não de legitimação política como por vezes se pretende fazer crer - tal é o corolário a extrair.
Centrar o discurso na legitimação política para avalizar a alteração do modelo que temos é errar o alvo e passar à margem do efectivo saneamento do sistema.
Para superar a morosidade processual, e centrando-nos estritamente no plano de organização e gestão do Judiciário, perfila-se um conjunto de medidas possíveis cujos efeitos acumulados funcionariam provavelmente como o escoamento da barragem.
Em primeiro lugar, há que rever completamente a política de concessão de crédito sancionando (e por vias diferentes) os agentes económicos que não usam mas abusam dos tribunais com o seu crédito mal parado.
Sem isto não vale a pena chorar lágrimas de crocodilo; os tribunais só funcionarão - tenhamos bem essa noção - se houver a coragem política de os limpar do "lixo processual" que tudo entope, agindo a montante deles e regulando o comportamento dos agentes no mercado da concessão de crédito ao consumo.
A fluidez do Judiciário depende, por isso, de uma opção política que se situa antes e fora dos Tribunais, à nossa margem, e que contende com interesses de peso de agentes económicos que instrumentalizam o Judiciário para cobrar os seus créditos formigueiros.
Os Tribunais portugueses começaram a ser vandalizados com este tipo de acções a partir do Verão /87: começou-se com as seguradoras, e seguiram-se os leasings, as sfacs, os cartões de crédito, os telemóveis, a tv cabo, a netcabo e assim sucessivamente.
Se se auscultarem os mapas estatísticos de entradas de processos em Portugal desde 1992 até 2003, concluir-se-á que o aumento de distribuição processual sobe, anualmente, de forma regular e lenta no crime, no trabalho, nos menores, na família, enfim, em tudo o que não é cível; neste, a subida é abrupta atingindo taxas impensáveis e permanece, depois, elevada.
Enquanto na Alemanha, no decénio 88 / 97 o crescimento processual anual se operou a uma taxa que oscilou entre 2 e 5%, entre nós andou pelos 8 / 9%.
Na França, nos 35 anos anteriores a 2000 o cível aumentou três vezes e o crime quatro vezes; em Portugal, as entradas cíveis foram em 1992 de 266.123 processos e cinco anos depois (em 1997) cifravam-se em 485.210, ou seja, num aumento de cerca de 80% para o qual nenhum Judiciário está preparado.
A estabilização de distribuição processual nos anos seguintes nenhuma melhoria induziu porque, sem uma abordagem estrutural de fundo, a doença não só se manteve como se agravou.
Quando, em Maio / 98 participei em Paris em reuniões preparatórias de um grande colóquio que aí teve lugar em Janeiro / 1999 e contei o que se passava entre nós com a colonização do Judiciário pelas operadoras de telemóveis com dezenas de milhares de acções cíveis entradas em juízo em pouco tempo (era, à época, o que estava na moda), os juízes franceses e alemães presentes perguntavam-se, espantados, como foi possível tal acontecer sem o poder pedir contas sequer aos agentes económicos, autores desse flop.
Com tudo isto misturado, temos hoje (principalmente no litoral onde a concentração demográfica é intensa) tribunais que funcionam a velocidades incomensuravelmente diferentes.
Temos, nomeadamente, nas grandes Lisboa e Porto, juízos cíveis com 10/12 mil processos que se tornam pouco menos que incontroláveis para magistrados e funcionários; e temos varas cíveis - em cujos processos a politica de concessão de crédito pouco ou nada se reflecte - que tendem cada vez mais a agilizar rapidamente as sentenças finais.
São das varas (ou tribunais de circulo correspondentes) que partem em regra os recursos que chegam ao Supremo; e se alguns se reportam a processos que demoram anos temos muitos outros que são surpreendentemente rápidos fugindo ao estereótipo que a representação jornalística transmite publicamente, demandando não muito tempo entre a sua entrada em juízo na 1ª instância e a decisão final neste Supremo (cfr., revista 3541/05 entrado nas Varas Cíveis de Lx. em Janeiro/03 e decidido no S.T.J. em Janeiro/06; revista 3694/05, entrado nas Varas Cíveis de Lx. em Abril/02 e decidido no Supremo em Janeiro/06; revista 3759/05, entrado em Ponta Delgada em Outubro/03 e decidido no Supremo em Janeiro/06; revista 4033/05, entrada em V.N.Gaia em Maio/02 e decidida no Supremo em Fevereiro/06; revista 3843/05 entrada no T. Família do Porto em Setembro/04 e decidida no Supremo em Fevereiro/06; revista 4087/05, entrada em Braga em Abril/03 e decidida no Supremo em Fevereiro/06; revista 4338/05, entrada no T. Marítimo Lx. em Novembro/02 e decidido no Supremo em Março/06; revista 173/06 entrada em V.N.Gaia em Dezembro /02 e decidida em Março /06, etc., etc.)
É nesta encruzilhada de interesses divergentes que se coloca o problema da contingentação.
Não vale a pena pensar, sequer, na contingentação se não se resolver previamente o excesso do "lixo processual", porque a pendência excessiva inutiliza a racionalidade que está associada à contingentação.
Esta foi pensada como barómetro das necessidades da orgânica dos tribunais e, simultaneamente, como índice da produtividade do juiz a partir de uma distribuição racional de processos.
Daí que seja fácil fazê-la e levá-la à pratica num conjunto alargado de Tribunais com processos homogéneos na sua tramitação: tribunais de recurso, antigas corregedorias, alguns tribunais de circulo, juízos e varas criminais e, talvez, varas cíveis.
Mas naqueles outros onde pendem milhares e milhares de acções de dívida e nos tribunais de competência genérica com carga processual elevada e heterogeneidade procedimental, a contingentação é pouco menos que uma miragem numa noite de Verão.
A prova disto temo-la nós: em 2001, a solicitação ministerial, uma empresa conseguiu fixar quadros de contingentação para os processos criminais pendentes em Portugal concluindo, aliás, que todos os tribunais criminais e secções criminais dos tribunais superiores tinham processos em excesso numa percentagem que oscilava entre os 5 e os 22%; a seguir, o Observatório da Justiça não conseguiu contigentar o cível nos tribunais onde se reflectia a selva desregulada das acções de dívida.
Se nos lembrarmos ainda que estudos feitos no estrangeiro sublinham que o excesso de processos acima dos 20 % em relação ao máximo aceitável provoca diminuição de qualidade do serviço, teremos bem a dimensão da gravidade do monstro que nos inferniza.
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Em segundo lugar lidamos, hoje, com um mapa judiciário mais que ultrapassado.
A desertificação do interior e o excesso demográfico do litoral criaram dois mapas diferentes: o do litoral com tribunais sobrecarregados e frequentemente em panne; o do interior com tribunais funcionando, em regra, equilibradamente.
A litoralização da população não é um facto recente: começou no séc. XVl com a chegada do milho americano que, pelo seu alto valor nutritivo, permitiu o aumento exponencial da população mas só podia ser cultivado onde houvesse muita água, e agravou-se nos sécs. XVlll e XlX com as novas concepções de defesa militar e o abandono da linha dos fortes fronteiriços.
A manutenção do xadrez orgânico actual parece-nos impensável: torna-se essencial criar uma nova unidade geográfica - padrão que substitua a antiga comarca, mais ampla, mais abrangente que permita uma melhor gestão na mobilidade e disponibilidade do juiz sem ofender o princípio do juiz natural.
Qualquer mapa judiciário tem que levar em conta dois factores estruturantes: em todo o território, a mobilidade demográfica que as recentes vias rápidas permitiram; nas áreas metropolitanas das grandes cidades, as questões e os estrangulamentos urbanísticos que elas geram.
O primeiro factor (mobilidade demográfica) surge-nos bem expresso em alguns indicadores dos últimos censos; basta pensar, entre outros exemplos, que no litoral noroeste se assistiu a um deslocamento populacional inverso (isto é, do mar para o interior) ao longo das linhas fluviais (vales do Sousa, Tâmega e Minho) e que, em conjugação com outros factores, ajudam a explicar o aumento nessas áreas da criminalidade perigosa e violenta (cfr. o Mea Culpa de Amarante e os gangs do Vale do Sousa).
O segundo factor impõe que se responda a vários perguntas: se se pretende agrupar ou dispersar os tribunais no interior da urbe, se ficam no centro ou na periferia da cidade, se a cidade é geometrizada (como Lisboa) ou não (como o Porto), se o acesso aos tribunais é fácil ou não, se há metropolitano ou não, se as linhas de água se transpõem rapidamente ou não.
Mas pensar o mapa dos Tribunais implica também repensar os julgados de paz.
Estes só fazem sentido se forem complementares da justiça clássica, desritualizando o processo, apressando a decisão e embaratecendo o custo global do sistema.
É isso que não existe porque os julgados de paz estão enredados num nó górdio que ninguém desata.
Para se tornarem eficazes e mais baratos, os julgados de paz devem ter competência exclusiva em determinadas matérias; mas isso só é possível se forem geridos por um órgão com composição orgânica independente; porque o não são, permanecem com competência "delegada", presos a processos que se alongam porque acabam por ser decididos em recurso mais acima.
O cabodas tormentas só se dobrará quando os julgados tiverem competência própria e exclusiva, complementar da do tribunal comum, e o seu quadro de magistrados for gerido pelo C.S.M..
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Porque a morosidade processual é, como dissemos, o ponto confluente de muitas causas conjugadas, sanear as acções de dívida e reformular o mapa dos tribunais não é de certeza bastante.
Mas se, concomitantemente, se administrativizar a resolução dos conflitos de jurisdição e competência através do colégio de presidentes de tribunais de 2ª instancia (conflitos que são um cancro no labirinto garantistico do nosso modelo), se implementar nos grandes tribunais e nas grandes circunscrições a figura do juiz - presidente, responsável perante o Conselho, com poderes efectivos de gestão, gerindo os espaços e o equilíbrio de pendências processuais e - por que não? - tentando obter uniformização nas decisões processuais interlocutórias, se abandonar o quadro de juízes auxiliares e se apostar numa bolsa de juízes para todo o país mas em condições diferentes das actuais porque assim ninguém está disposto a ser nómada, se negociar protocolos de distribuição de risco nas indemnizações extra - contratuais (como se faz em países do centro da Europa), se optar pela formação especializada de magistrados como condição prévia da sua colocação em determinados tribunais e, em alguns casos, da sua promoção, se regressar o assento com força obrigatória através de um modelo que permita accioná-lo também pelos presidentes das Relações em caso de divergências importantes logo na 1ª instância e como salvaguarda imediata da segurança jurídica, estamos convictos de que o salto qualitativo do Judiciário português será grande.
A reforma da acção executiva (de inicio bem pensada e depois mal executada) serve-nos de exame de consciência.
Enquanto ela passou pelas mãos do juiz, os processos andavam devagar mas andavam e os credores recebiam; hoje, as acções executivas estão literalmente bloqueadas, só os grandes credores recebem enquanto o cidadão comum nada obtém e surgiu uma nova profissão forense na desconfiança criada pelo panorama geral da crise económica do país.
O fracasso da acção executiva não entronca em questões de legitimidade que a presença ou ausência do juiz dá ou retira; entronca em razões de figurino organizacional que faliu patentemente.
A conformação constitucional estruturante do poder judicial deve-se aos pais fundadores da 2.ª República.
Foram eles, foram os políticos que emergiram com o 25 de Abril -que tinham visto com os seus próprios olhos como o antigo regime condicionava e subalternizava os tribunais e podia préordenar a investigação criminal - que deram início à formação do modelo que, substancialmente, ainda hoje se mantém.
O processo de gestação, formação e legitimação política do Judiciário português iniciou-se logo em Junho / 74 com o diploma que fixou a forma de designação por eleição dos presidentes dos tribunais superiores (democratizando por inerência o antigo o Conselho Superior Judiciário) e findou em 1984, com a aprovação do primeiro ETAF, criando os tribunais administrativos e enterrando de vez as concepções monistas de raiz napoleónica. Pelo meio foram surgindo, entre o mais, o novo Tribunal Constitucional, o novo Conselho Superior da Magistratura e o novo M.º P.º.
As razões teórico - jurídicas que legitimaram as opções que os pais fundadores assumiram, ainda permanecem válidas nos dias de hoje.
Mau grado isso tem-se assistido a uma deslegitimação larvar e surda dos tribunais a que não escapa mesmo este Supremo, cúpula geral do sistema; processo filtrado, com frequência, em notícias vindas a lume na comunicação social e que só podem ser lidas como a mensagem criptada de poderes facticos.
Desde o acórdão deste Supremo (recurso penal n.º 3250/04) que recusou ao arguido (que assassinara a mulher) a atenuação especial da pena que ele pretendia, por "negligência culinária" ou por saídas a sós dela, condenando-o tabelarmente a 14 anos de prisão, e apareceu na imprensa exactamente ao contrário como se tivesse havido atenuação extraordinária e o Supremo estivesse fora do mundo; até ao acórdão que usou o conceito jurídico de "bom pai de família", oriundo do direito romano, usado comummente na ordem jurídica europeia e que varre áreas tão diversas como a definição da culpa nos acidentes de viação ou a origem de servidões prediais, e que foi apresentado mediaticamente como reflexo de uma visão quase neo - fascista da sociedade - tudo serviu para descredibilizar, deslegitimando, provavelmente para que a seguir se "legitime", credibilizando, uma nova estrutura constitucional diferente daquela que os pais fundadores nos legaram.
Só assim se podem compreender as referências amiúde feitas a uma nova forma de acesso aos tribunais superiores, centrada na carreira plana, e vedada aos juízes de 1.ª instância.
Apenas a Itália conhece a carreira plana, instituída logo no pós-guerra como reforço da independência e da inamovibilidade dos juízes.
Para reforçar a independência, adoptou-se a progressão profissional automática dos magistrados tão-só por antiguidade; para reforçar a inamovibilidade, desligou-se a categoria da função, possibilitando-se aos juízes promovidos aos tribunais superiores que continuassem a julgar na instância de onde partiriam.
A Itália teve, pois, conselheiros da Cassazione a julgar em 1.ª instância porque queriam; mas nunca a carreira plana lhes impediu o acesso aos tribunais superiores na progressão normal da profissão.
A carreira plana tem virtualidades aproveitáveis na conformação e gestão da orgânica dos tribunais; mas daí até justificar uma ausência de carreira para os juízes vai todo o tamanho do mundo.
Será pois - e é sinceramente esta a nossa convicção - sobre o modelo desenhado pelos políticos da primeira geração da 2.ª República, que devemos trabalhar para que a justiça portuguesa melhore e se torne um sector de referência da sociedade portuguesa.
Para que o saneamento efectivo dos nossos tribunais tenha sucesso.
Para que os direitos dos cidadãos sejam definidos em tempo útil como o impõem as Convenções internacionais dos direitos humanos.
E para que ninguém se sinta, afinal, filho de um deus menor.
Luís António Noronha Nascimento.
In STJ

quarta-feira, outubro 25, 2006

Responsabilidade

O juiz-conselheiro Noronha do Nascimento tomou posse como presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) no mesmo dia em que um importante julgamento sobre a morte de uma criança de seis anos foi adiado, no Tribunal de Oeiras, aparentemente por um erro processual da magistrada que preside. Esta coincidência de factos sintetiza uma dimensão essencial do debate que se deve fazer sobre a justiça e de que os magistrados e as suas hierarquias habitualmente não gostam, ou seja, a questão da responsabilidade. E esse é também um caminho que Noronha do Nascimento terá de trilhar.
O discurso de Noronha do Nascimento esteve uns furos acima daquilo a que os seus antecessores, em particular o último, nos habituaram. Inteligente e programático, ao mesmo tempo disponível para o diálogo e desafiador, Noronha do Nascimento terá os seus defeitos, mas a sua ascensão ao topo da hierarquia da magistratura judicial é um facto da maior importância. Daqui para a frente, qualquer Governo saberá que tem uma personagem complexa, exigente e com agenda própria no lugar de quarta figura do Estado e não uma figura passiva ou mesmo reverente. Qualquer Governo cedo perceberá que não se pode sentir completamente à vontade com o presidente do STJ e isso é bom para a saúde da democracia. Sobretudo numa altura em que os contrapoderes tendem a sentir-se condicionados com a pressão reformista do Governo e com o imperativo categórico proclamado aos sete ventos de que a pátria não terá remédio sem as mudanças que aí vêm.
O misto de sindicalista e servidor do Estado que Noronha do Nascimento é tenderá a empurrá-lo para uma bissectriz entre a dimensão fortemente institucional do cargo e a liderança indiscutível que há anos tem de um largo sector da magistratura. O que só significa uma coisa: Noronha do Nascimento assumirá na plenitude a titularidade de um órgão de soberania e dificilmente deixará de ser impulsionado pela costela sindicalista. Talvez com menos agressividade verbal, mas com grande capacidade de manobra. Isso não é necessariamente mau para a justiça portuguesa, mas obriga o novo presidente do STJ a uma missão que lhe é mais difícil, embora inevitável: tem de ser ele o impulsionador de uma nova visão e atitude sobre a questão da avaliação e responsabilidade dos magistrados. Se não o fizer, o poder político se encarregará da tarefa. O essencial, porém, é que o faça, para que não se repitam casos de adiamentos inaceitáveis de julgamentos como o de ontem em Oeiras.
Eduardo Dâmaso, in DN

No tempo em que ...

NO TEMPO EM QUE OS ANIMAIS FALAVAM E O VENTO RESPONDIA
Por: Luís Ganhão*
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Um tempo houve em que a sociedade não era um todo homogéneo, em que no seu seio se esgrimiam interesses diversos, contraditórios, até, como aquele assinalado por um senhor de barbas com o nome de Carl Marx e traduzido em os detentores do capital pretenderem explorar o mais possível as mais-valias proporcionadas por os que dispunham, apenas, da sua força de trabalho e estes procuravam resistir o mais que podiam à dita exploração.
Mas isso foi no tempo em que os animais falavam.
Hoje em dia eles ficam mudos (quanto muito, urram) frente ao televisor a ver sucessivos desafios de futebol ou telenovelas sobre telenovelas, reduzidos a números e nivelados por médias, do tipo se um come, diariamente, dois bifes e outro fica em jejum, ambos comerão, em média, um bife por dia, não havendo, assim, estatisticamente, fome a assinalar.
E onde, estatisticamente, não haverá desigualdades sociais, interesses diversos e contraditórios, só se poderá, consequentemente, viver em profunda harmonia.
Ou, então, como diria Miguel Cadilhe e se pode ler no livro em que relata a sua volta ao mundo, «Planisfério Pessoal», a uma portuguesa que saiu do país em 1985, numa altura, como ele próprio assinala, da plena maturidade crítica e intervencionismo dos portugueses, no apogeu das batalhas, dos ideais, das opiniões, antes da decadência cívica, ética e moral dos anos do cavaquismo, do guterrismo, do novo-riquismo e com quem, casualmente, se encontrou, algures na Bolívia, quando esta lhe pediu para cantar uma canção de protesto, um texto social, um grito de alerta:
- Não sei o que te cantar. As coisas mudaram, essas canções já não existem. Já ninguém escreve sobre «Os Pontos nos ii», sobre a «Rosalinda», sobre «Ser Solidário». A sociedade já não se interessa, não quer saber, nem sequer há políticos que a mobilizem, já não há Cunhais, Soares, Sá-Carneiros, agora é tudo igual, tudo ao centro…Já não faz falta avisar a malta. A malta não quer ser avisada. Talvez daqui a 20 anos os nossos caminhos se cruzem outra vez…Talvez haja de novo canções indignadas para cantar. Talvez, finalmente, o vento responda.
* Advogado

Tribunais devem ser limpos do “lixo processual”

O novo presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) afirmou [ontem, 24/10] que os tribunais só funcionarão "se houver a coragem política de os limpar do lixo processual”, numa alusão à enchente de acções para cobrança de dívidas que entopem a justiça portuguesa.
No discurso de tomada de posse, Noronha de Nascimento defendeu a necessidade de “rever completamente a política de concessão de crédito, sancionando os agentes económicos que não usam, mas abusam dos tribunais com o seu crédito mal parado”.
"Sem isto não vale pena chorar lágrimas de crocodilo, os tribunais só funcionarão se houver a coragem política de os limpar do 'lixo processual' que tudo entope”, agindo contra os agentes económicos que "instrumentalizam" os tribunais "para cobrar os seus créditos formigueiros".
Noronha de Nascimento recordou que os tribunais portugueses começaram a ser "vandalizados" acções para cobrança de dívidas a partir do Verão de 1987, primeiro com as seguradoras, depois com os "leasings", cartões de crédito, telemóveis, TV Cabo, Netcabo e, "assim sucessivamente".
"Com tudo isto misturado, temos hoje, principalmente no litoral, tribunais que funcionam a velocidades incomensuravelmente diferentes”, afirmou, sustentando que em Lisboa e Porto os juízos cíveis chegam a acumular dez ou doze mil processos, enquanto outras varas, menos afectadas por estes processos “tendem cada vez mais a agilizar rapidamente as sentenças”.
Contudo, argumentou, será escusado definir um limite de processos para cada juiz se “não se resolver previamente o excesso de lixo processual”.
Definição de um novo mapa judicial
Durante o discurso de tomada de posse, num total de 22 páginas, o novo presidente do STJ defendeu também a reformulação do mapa judicial, argumentando que qualquer solução que venha a ser adoptada deve ter em conta em conta factores "estruturantes", como a "mobilidade demográfica" que as recentes vias rápidas e auto-estradas permitiram.
Por outro lado, Noronha de Nascimento sustentou que a definição de um novo mapa judicial “implica também repensar os julgados de paz", pois estes "só fazem sentido se forem complementares da justiça clássica, ‘desritualizando’ o processo, apressando a decisão e embaratecendo o custo global do sistema". "É isso que não existe porque os julgados de paz estão enredados num nó górdio que ninguém desata". Para ultrapassar esta situação, defendeu que os julgados devem ter “competências própria e exclusivas”, complementares dos tribunais e com um quadro de magistrados “gerido pelo Conselho Superior de Magistratura”.
No discurso de tomada de posse, Noronha de Nascimento defendeu também a necessidade de conferir poderes efectivos de gestão à figura do juiz-presidente nos grandes tribunais, bem como de apostar numa bolsa de juízes para todo o país, mas em condições diferentes das actuais.

Os desafios do Presidente do STJ

O 36.º Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) tomou ontem posse com desafios provocadores para a classe política. Noronha Nascimento incitou os detentores do poder a ter a coragem de enfrentar os agentes económicos que concedem crédito ao consumo sem critério, e que, depois, "usam e abusam dos tribunais" para cobrar dívidas.
"Hoje, o bloqueio do judiciário é também o resultado de uma política de concessão de crédito ao consumo que levou longe o endividamento familiar visível nas acções de dívida que canibalizam e corroem totalmente os tribunais, representando mais de metade dos processos pendentes no país", disse o novo rosto do quarto poder perante uma assembleia de cerca de 500 convidados que tornaram pequeno e quente o salão nobre do STJ.
Noronha Nascimento esteve quase duas horas a receber cumprimentos dos amigos e entidades institucionais, com o Governo representado pelo ministro da Justiça Alberto Costa, acompanhado dos seus dois secretários de Estado, Conde Rodrigues e Tiago Silveira.
Mas antes não poupou nos recados ao poder político, incitando-o a ter a coragem de impor regras às empresas financeiras. E contou um curioso episódio: "Quando em Maio de 1998 participei em Paris em reuniões preparatórias de um colóquio, e contei o que se passava entre nós com a colonização do judiciário pelas operadoras de telemóveis, com dezenas de milhares de acções cíveis entradas em juízo em pouco tempo, os juízes franceses e alemães presentes perguntavam-se, espantados, como foi possível tal acontecer sem o poder político pedir contas aos agente económicos, autores desse flop". Neste sentido, o novo presidente do STJ, eleito a 28 de Setembro em lista única com 53 votos de um universo de 72 votantes, pediu uma revisão da política de concessão de crédito. "Sem isto não vale a pena chorar lágrimas de crocodilo, pois os tribunais só funcionarão se houver a coragem política de os limpar do 'lixo processual' que tudo entope, agindo a montante deles e regulando o comportamento dos agentes no mercado da concessão de crédito ao consumo", disse, lembrando que as acções para cobrança de dívida começaram a invadir os tribunais em 1987: "Começou-se com as seguradoras, seguiram-se os leasings, os cartões de crédito, os telemóveis, a TV cabo, a netcabo...".
Mas não basta sanear as acções de dívida. É preciso também reformular o mapa judiciário e fixar quadros de contingentação (atribuir a cada juiz um número razoável de processos), disse Noronha Nascimento, num discurso aplaudido de pé por todos os convidados.
Relativamente às políticas do Governo, mostrou-se crítico da proposta que prevê as carreiras planas na magistratura - modelo que desliga a função da categoria, podendo os juízes permanecer sempre na primeira instância, embora progridam na carreira. Para o magistrado, a carreira plana não pode impedir o acesso aos tribunais superiores.
O presidente não terminaria o seu discurso sem um recado à comunicação social, acusando-a de ser veículo de "mensagens criptadas de poderes fácticos", que têm servido para uma deslegitimação larvar e surda dos tribunais".
In DN

terça-feira, outubro 24, 2006

Posse do Presidente do STJ

Hoje, pelas 15h, teve lugar no Salão Nobre do Supremo Tribunal de Justiça, a cerimónia de tomada de posse, como Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, do Juiz Conselheiro Dr. Noronha Nascimento.

As técnicas da nova propaganda

Este post foi sugerido por um leitor (cfr. comentário ao post antecedente). Agradecemos a colaboração e daremos voz a todos aqueles que assim também o queiram fazer.
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Artigo de opinião no Público de Domingo (22.10.2006)
As técnicas da nova propaganda
Olho Vivo - Eduardo Cintra Torres
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«Em democracia, a afirmação política dos governos exige-lhes uma enorme atenção e acções ora generalizadas ora cirúrgicas. Tal faz parte da vida democrática. Em parte, a propaganda, enquanto excesso ou deformação da informação, é um processo inerente à vida política em democracia. Grosso modo, assemelha-se à publicidade comercial. O que não deve fazer parte da vida democrática é a propaganda ilícita, o recurso a meios não-democráticos, à mentira e à chantagem.Parte das acções de propaganda dos governos fazem-se na sombra, nos gabinetes, ao telefone, em contactos "pessoais". É difícil provar a sua existência, pois as provas materiais são evitadas e os jornalistas não usam meios ilícitos para obtê-las, como escutas telefónicas ou atrás das portas. Mas existem diversas formas de verificação e por vezes há fontes que revelam o que viram, ouviram ou viveram. As fontes, nomeadamente jornalistas, quase sempre têm de manter-se no anonimato, pois a divulgação da sua identidade poderia ser desastrosa para a sua vida profissional e, por arrasto, pessoal.
Os cidadãos podem escrutinar os media nesta matéria e tal acontece cada vez mais, como se verifica na blogosfera, cartas dos leitores e programas tipo fórum de cidadãos. Este e o próximo artigos pretendem verificar algumas tendências da nova propaganda dos governos em democracia, em especial, do actual governo.
A primeira técnica da nova propaganda é criar uma central. Santana Lopes caiu no erro, felizmente, de anunciar a sua criação. O Governo de Sócrates não caiu no erro de anunciar - e criou-a. Os seus principais responsáveis estão nos gabinetes, mas mantêm-se na sombra. Como referiu António Barreto (PÚBLICO, 15.10), Sócrates tem "ao seu serviço (...) uma imbatível organização de comunicação" e "a organização da propaganda e das relações públicas, servida por centenas de profissionais, tem-se revelado impecável".
A segunda técnica da nova propaganda é a do encharcamento dos media com informação. O Governo produz diariamente "agenda" que ocupa tempo dos jornalistas - não lhes permitindo investigar outras coisas - e espaço e tempo nos conteúdos mediáticos. Para conseguir a eficácia deste agendamento - isto é, o controle da importância hierárquica das notícias - o Governo necessita de controlar a marcação da cobertura e atenção mediáticas. Noutro Governo, Jorge Coelho fazia-o através da TSF. Agora, a Lusa é, neste domínio, de capital importância. Controlar a agenda pela Lusa pode significar a inundação dos outros media com informação governamental, deixando de fora acontecimentos previstos que não interessa ao executivo noticiar.
Daí que a nomeação do director de informação da Lusa tenha sido uma das principais acções vindas da área do governo no domínio dos media. O PÚBLICO noticiou em 06.04 que a decisão de nomear o jornalista Luís Miguel Viana teve "origem no gabinete do primeiro-ministro, José Sócrates". A escolha de Viana tinha sido antecipada dias antes pelo Correio da Manhã numa notícia que citava uma "fonte governamental". Viana desmentiu na altura a notícia do PÚBLICO, mas o gabinete de Sócrates manteve silêncio. Um dos elementos da equipa formada por Viana não chegou a tomar posse e não foi substituído. Este mês, a equipa perdeu dois jornalistas em cargos de chefia, Nuno Simas e Rui Moreira, que igualmente não foram substituídos. O fluxo da informação da agência ficou ainda mais nas mãos de Viana e do seu mais próximo colaborador, Paulo Rêgo.
Na carta de demissão enviada a Viana, a que tive acesso, Nuno Simas invoca "divergências editoriais" e "défice de diálogo" do director. E revela como o controle da agenda é essencial para os directores: fala da prática da "marcação de serviços "por cima" dos editores", isto é, implicando critérios que os editores não consideravam jornalísticos. O jornalista João Pedro Henriques escreveu no blogue Glória Fácil (10.10) sobre a demissão de Simas que "o problema das pressões políticas sobre os jornalistas (...) está sobretudo, e acima de tudo, do lado de quem recebe os telefonemas e de como diligentemente os reencaminha hierarquia abaixo". Este "quem" refere-se certamente à direcção de Viana.
O encharcamento visa em primeiro lugar encher os media de ministros. Os telespectadores podem verificar quase diariamente o peso do Governo nos noticiários, o que é próprio de um regime propagandístico e de um país onde a vida depende do Estado. Segundo o serviço Telenews da Media Monitor (19.09), "nos primeiros 18 meses de governação de Sócrates (de 12.05.2005 a 11.09.2006), o Governo enquanto instituição ocupou 10% da grelha dos noticiários regulares" da RTP, SIC e TVI. As estatísticas indicam que o canal que mais tempo deu ao governo foi a RTP1, seguido da SIC e da TVI.
A partir do mesmo serviço Telenews, fiz outra análise: a da presença dos governantes nos noticiários da RTP1, SIC, TVI, Dois e Jornal das 9 da SICN. Verifica-se que Sócrates e seus ministros dominam de forma impressionante o palco mediático: 41,9% dos 10 protagonistas nas notícias nas semanas entre 03.07 e 19.10 são governantes. Este top inclui quem se destaque nos noticiários, como sindicalistas, desportistas, etc. Em várias semanas, das 10 personalidades mais presentes nos noticiários seis foram governantes. A RTP1 apresenta mais ministros que os outros canais. O encharcamento faz-se também com entrevistas, sendo a RTP1 o canal mais procurado pelo governo. Em oito dias, entrevistou os ministros da Saúde e das Finanças (Grande Entrevista, 12.10 e 19.10), o da Administração Interna esteve no Prós e Contras e o nº2 do PS fez as Notas Soltas (16.10). No total, duas horas em prime-time.
Além disso, o encharcamento coloca os media em concorrência pelas informações de eventual interesse noticioso com origem no governo e, por causa, disso, a central de propaganda do governo pode tentar fazer chantagem, dizendo a um órgão de informação que se persistir em dar notícias "contra" o governo a central deixa de lhe passar notícias e dá-as à concorrência.
Uma terceira técnica da nova propaganda visa "tapar" notícias que desagradem ao Governo. A oposição tem previsto fazer isto ou aquilo? O Governo anuncia uma medida qualquer, mesmo que fora do tempo. Os sindicatos fazem greve de grande impacto? Arranja-se uma manchete importante para esse dia, de forma a encher os noticiários e a esvaziar da agenda outros órgãos do Estado, a oposição ou a sociedade civil. Dado que o Governo não pode evitar a atenção dos media às outras instituições e partidos, usa a técnica do abafamento dos outros no espaço público. (Continua)»

segunda-feira, outubro 23, 2006

A verdadeira escolha de Pinto Monteiro

«(...) Pinto Monteiro ao aceitar o convite que lhe fizeram sabia, supõe-se, ao que vinha e para que vinha. Também sabia, concerteza, as regras e a legislação, que serviram para todos os seus antecessores. Também ele vai ter que escolher, ou a via girondina ou a via jacobina, o mesmo é dizer ou ser reformista ou optar pela via re(volucion/acion)ária. Se fizer questão numa qualquer alteração das regras, em tempo real, para servir esta ou aquela conveniência, estará tão só a cavar a sua própria sepultura assim a destruir uma boa parte da credibilidade que ainda assiste ao MP. As 'regras', por definição, são genéricas e abstractas, e a existirem são para ser respeitadas por todos. Bem ou mal o CSMP vetou o candidato de Pinto Monteiro, ponto. Ora ou Pinto Monteiro dá o exemplo, e respeita as regras - que aliás jurou cumprir ou 'manda' alterá-las, 'sized to fit'.
É esta escolha, ao contrário do que Rui Rangel insinua (cfr. artigo no C.M.), a verdadeira escolha que Pinto Monteiro tem que fazer - a de decidir se as as leis e as regras são mesmo iguais para todos, ou se há alguns, mais iguais, que as podem alterar à medida da conveniência do momento. É que não me parece que se seja preciso ser muito dotado que uma alteração para ser 'boa' nunca pode ser à medida... Desta vez o novo PGR até pode ganhar e faltar literalmente ao respeito a uma votação circunstancial que foi democrática, legal, legítima e soberana, e com a qual não concordou. Será uma vitória de Pirro, e o início de uma contagem decrescente até ao dia em que, em função das conveniências, outrém lhe faça rigorosamente o mesmo mandando às urtigas uma qualquer decisão sua, também ela legítima e legal. As coisas são o que são (...)».
Manuel, in GLQL [corrigido]

De um comunicado que passou à margem

No dia 11 de Outubro passado, um dos partidos políticos com representação parlamentar, deu uma conferência de imprensa, da qual praticamente nada ecoou na comunicação social. No nosso périplo habitual por todos os quadrantes ideológicos, parece-nos importante (sem significar com isso a adesão à ideologia A ou B) realçar o constante do balanço feito a propósito da justiça constante do aludido comunicado (disponível no site do PCP neste link):
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« No quadro de uma profunda crise que afecta toda a sociedade portuguesa, a situação no sector da Justiça não foge à regra. (...) também nesta área todos os problemas se agravaram.
Problemas que não se resolvem com medidas pontuais ou de fachada, como foi o (por todos) reconhecido fracasso da alteração de regime das chamadas férias judiciais.
Problemas que não se resolvem sem a mobilização e a participação empenhada daqueles que no dia a dia trabalham na Justiça e muito menos com medidas que afrontam direitos e campanhas que atingem a dignidade dos profissionais, descredibilizando aos olhos dos cidadãos o poder judicial, para mais facilmente o atacar.
(...)
Duas grandes linhas sobressaem na política da Justiça do actual Governo.
A primeira é a que se traduz numa cada vez maior desresponsabilização do Estado pela Justiça: foi a privatização do notariado e a privatização das acções executivas para cobrança de dívidas; é o apoio judiciário, quase inexistente; é o incremento da mediação privada, agora também apontada para o processo penal; é a privatização de partes importantes do sistema prisional e a ameaça de fecho de dezenas de estabelecimentos.
Este é um caminho que, deixando a realização da Justiça entregue ao jogo puro e duro dos interesses privados, agrava inevitavelmente, contra o disposto na Constituição, as desigualdades dos cidadãos.
Muito grave também, nesta linha, para as populações e para os próprios profissionais da Justiça, é a aplicação aos tribunais de critérios neoliberais de produtividade (é a palavra que usam) e que, por via do novo mapa judiciário, em gestação, levaria ao fecho ou a um papel residual de muitas comarcas do interior.
A segunda linha da política do Governo é a que conduz a uma cada vez maior interferência e controlo sobre o poder judicial.
Pelo caminho que as coisas estão a tomar, o Governo decidirá o que deve e o que não deve ser investigado; o que deve e não deve ser julgado nos tribunais, o que deve e o que não deve ir a julgamento; e, até, quem deve ser o julgador.
O Estatuto do Ministério Público e a própria independência dos juizes estariam inexoravelmente postos em causa. A assinatura do Pacto para a Justiça, entre o PS e o PSD, levanta sérias preocupações e nada de bom augura para o sector judicial.
Tal como o PCP sublinhou, para lá da total falta de ética política na forma como foi urdido e, objectivamente, visando condicionar e menorizar o órgão de soberania Assembleia da República (não fomos os únicos a afirmá-lo), o Pacto para a Justiça, resultante da identificação e entendimento entre os dois partidos, que, juntos ou separados, foram responsáveis pela situação que hoje se vive na Justiça, deixa antever a continuação, no essencial, da mesma política que conduziu à crise actual.
Está em curso uma estratégia que tem por objectivo enfraquecer o poder judicial, limitar a independência dos Tribunais, governamentalizar e partidarizar a Justiça».

Coeficiente de actualização das rendas

A certeza e a segurança jurídicas andam pelas ruas da amargura. Derivado, desde logo, por quem deve primar pelo respeito dos direitos dos cidadãos. Um mês e meio após ter sido publicado no DR, II, o Aviso que fixou o coeficiente de actualização dos diversos tipos de arrendamento para o ano civil de 2007, surgiu no DR, II Série, de hoje, uma "declaração de rectificação", que se passa a reproduzir.
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Tornado do descontentamento

«(...) Apesar da ligeira turbulência que se vem verificando, o Governo e primeiro-ministro sempre controlaram a maioria dos danos, com técnicas que já foram testadas, com eficácia, noutros países. Mas na semana que passou os portugueses assistiram ao primeiro fenómeno de descontrolo político deste Governo, sem que nenhum "efeito" tivesse o condão de acalmar a fúria dos eleitores e os danos assinaláveis no prestígio e credibilidade da maioria.
E é nisso que se percebe que o controlo de danos e o apertado cerco mediático do Governo não chegam para esconder, ou atenuar, indefinidamente, um descontentamento que começa a avolumar-se na sociedade portuguesa.
A Educação, a Saúde, o Orçamento, as Scut e o aumento da electricidade bastaram para instabilizar todo o Governo e, mesmo com recurso à sua excepcional máquina de informação, não se livraram de disparates sucessivos e intervenções catastróficas. É o primeiro sinal, indesmentível, de que os portugueses não vão aceitar tudo, de bom e de mau, sem mostrar o seu profundo descontentamento.O primeiro-ministro que se acautele e previna. Não basta uma maioria absoluta para ter sossego e tranquilidade, nem os eleitores já se acomodam a isso.
Tudo o que vem também vai, e ter uma maioria absoluta em eleições é um facto temporário, conjuntural, que pode, de repente, e sem qualquer previsão, transformar-se num fardo insuportável e rapidamente destrutivo. Outros que o digam, que já passaram pelo mesmos, tanto aqui, como noutros países.
O Governo, e particularmente o primeiro-ministro, construíram a imagem e a convicção de que tudo se poderia fazer e decidir, mesmo a mais rídicula e bizarra das medidas, sem que as condições "climatéricas" se alterassem, baseados na premissa política de que uma maioria absoluta tem quatro anos de vida, e nada, nem ninguém, a pode pôr em causa. É um grande erro, e pode ser dramático.
(...) Quando o afastamente se verifica, e a realidade de uns não corresponde à dos outros, começam a esquizofrenia e o autismo. Os primeiros sinais são incontestáveis. Tanto mais que o primeiro-ministro já entra pela porta dos fundos quando se desloca pelo País, o que não é propriamente muito agradável de ver.
(...) Estes fenómenos vão repetir-se, não dão estabilidade a nenhum Governo, muito menos aos que acham que tudo podem fazer, contra todos, no curto espaço de tempo de quatro anos, sem que o descontentamento se manifeste. Isso era dantes».
Luís Delgado, in DN

Funcionamento dos Julgados de Paz

Metade dos julgados de paz funciona com problemas ou a meio-gás
"Há alguma proposta para resolver a questão? É que se vai para o tribunal judicial a decisão vai arrastar-se." O juiz João Paulo Chumbinho tentou de tudo para que o demandante, Fernando Sousa, e o demandado, agência de viagens Abreu, chegassem a acordo para resolver logo ali, no Julgado de Paz de Lisboa, o pedido de indemnização cível apresentado por Fernando Sousa na sequência do atraso de um dia da sua viagem de regresso do Brasil.
A agência de viagens não estava aberta a propostas - "a responsabilidade pelo atraso é da companhia aérea", argumentava a advogada - e a tentativa de conciliação morreu sem dar frutos. "Vamos arriscar subir ao tribunal de comarca", atirou a causídica, fazendo cair por terra as tentativas de aproximação do juiz.
Mas é esta a função do juiz de paz. Cabe-lhe tentar sempre, e até à última, um acordo entre as partes em conflito. "O julgado de paz é um tribunal vocacionado para o acordo, a pacificação e onde os valores-base são a humanização e a proximidade com as pessoas", explicou ao DN o juiz João Paulo Chumbinho, um ex-advogado que há cinco anos, quando foram criados os primeiros julgados de paz - forma mais rápida e barata de administrar a justiça - decidiu embarcar nesta aventura. "Estou a adorar", sublinhou o coordenador de um dos julgados que mais afluência tem tido e que melhor concretização de resultados tem conseguido.
Casos problemáticos...
Mas nem todos os julgados têm "funcionado bem" como o de Lisboa. Segundo o relatório anual do Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz referente a 2005, oito dos 15 julgados existentes funcionam ainda com alguns problemas ou com evidente escassez de procura. É o casos dos tribunais de Miranda do Corvo, Santa Marta de Penaguião, Tarouca, Terras do Bouro, Vila Nova de Poiares, Aguiar da Beira, Trofa e Oliveira do Bairro.
No que respeita a Miranda do Corvo, o relatório refere que as instalações são funcionais e que a juíza de paz "é dinâmica", mas admite que é um tribunal que "não tem grande movimento". O de Santa Marta de Penaguião, segundo o relatório entregue anualmente ao Parlamento, "está dimensionado excessivamente e com distâncias agravadas por dificuldades de trânsito" e não tem "rentabilização nem divulgação adequadas". O relator conclui que "há que repensar a estruturação de julgado de paz nesta zona".
Em Tarouca, existe "falta de divulgação, confusão com serviços municipais", pouca colaboração dos advogados e escassa procura. De tal forma que a juíza está a prestar ajuda ao Julgado de Paz do Porto. O relatório refere mesmo "que se justifica o repensamento da estrutura do agrupamento". Também o julgado de Terras do Bouro tem "escassa movimentação". Aqui, avisa o relator, "urge maior divulgação, se é que tem havido alguma". Mas "um dos casos mais preocupantes" é o de Vila Nova de Poiares, onde o julgado está localizado na câmara, levando os cidadãos a confundirem o tribunal com "um departamento municipal". O relatório diz que "necessita de reestruturação completa".
Também o tribunal de Aguiar da Beira "continua a ser uma fonte de preocupação, face à pouca rentabilidade". Este caso, diz o relator, "exige intervenção rápida estrutural". Por fim, surgem os julgados de Trofa, que "revela escassa procura", e de Oliveira do Bairro, onde falta um juiz....
... E de sucesso
Como casos de sucesso, o relatório destaca os julgados de Vila Nova de Gaia, Cantanhede e Sintra. E a funcionar bem, ou com menos problemas, estão os tribunais de Coimbra (o mais recente), Porto, Seixal (apesar de enfrentar "dúvida sobre segurança, que "deverá ser averiguada") e Lisboa. Na capital, João Paulo Chumbinho gosta de realçar que, ao contrário do que aconteceu com Fernando Sousa, a grande maioria dos processos termina com um acordo. Mas este juiz de paz não deixa, contudo, de avisar que, face ao crescente número de processos que têm dado entrada, é necessário criar novas secções em outras freguesias e criar uma nova sala de audiências em Telheiras, onde funciona o julgado. O relatório também refere estas carências e também aponta estas recomendações».
In DN

domingo, outubro 22, 2006

Houve falta de apoio

António Cluny diz que "houve falta de apoio" a Souto Moura
O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Cluny, lamentou ontem a falta de apoio que "nos momentos mais duros" rodeou o antigo procurador-geral da República, Souto Moura. As palavras foram proferidas durante o almoço de homenagem a Souto Moura e Agostinho Homem, antigo vice-procurador, que ontem decorreu num restaurante da Margem Sul do Tejo, e onde estiveram presentes centenas de magistrados, advogados e funcionários judiciais, além de elementos policiais.
As palavras de António Cluny surgiram, aliás, como a pedrada no charco de discursos oficiais de outros magistrados, que directa e indirectamente atribuíram à Comunicação Social as culpas pelos vários incidentes que rodearam os seis anos de Souto Moura à frente da Procuradoria.É que depois de vários anos em que Souto Moura se viu atacado por vários sectores - inclusive judiciais - pela via da comunicação social, ontem, no dia da homenagem, o ambiente era bem diferente, com mais de 600 pessoas presentes no restaurante.
António Cluny, no entanto, acabou por pôr o dedo na ferida, dirigindo-se a Souto Moura e Agostinho Homem "Por isso, todos nós, os muitos procuradores, juízes, advogados e cidadãos, que aqui nos reunimos hoje, queremos dizer tão-só, que nos revemos no vosso exemplo e procuramos esquecer - envergonhados alguns - a falta de apoio que, nos momentos mais duros, terão sentido".
A razão de ser de algumas falhas encontrou-as António Cluny na conduta de Souto Moura e e Agostinho Homem: "Ter sido, assim, procurador-geral da República e vice-procurador-geral como quem é apenas magistrado, acarretou, também, inevitavelmente - como todos sabemos -, incompreensões, ataques, pressões, ameaças e vinganças". Falhas que também foram associadas à condição humana: "Os mais - os desencontros, as faltas, as precipitações, as hesitações, que por certo as houve - são os nossos defeitos próprios, os defeitos de homens e magistrados que não são gestores ou comandantes e, quem nunca os teve ou os sentiu seus, que atire, sereno, a primeira pedra".
Mas ninguém atirou e, bem pelo contrário, se pedras houve foi contra a Comunicação Social, que aliás estava em peso no restaurante para acompanhar a homenagem. Por exemplo, Duarte Soares, presidente do Supremo Tribunal de Justiça, foi dos mais críticos e falou mesmo de "demónios acobertados nalguma comunicação social".
Santos Serra, presidente do Supremo Tribunal de Justiça, referiu que "o tempo e a verdade da justiça não pode ser o tempo dos telejornais", manifestando-se contrário à "total abertura" e mesmo Agostinho Homem não deixou de falar das "setas da Comunicação Social".
No final, Souto Moura comentou a notícia divulgada pelo semanário "Expresso" que dá como certo o reforço de poderes do PGR face à recusa na nomeação do vice-procurador, afirmando que os "poderes são suficientes".
In JN

sábado, outubro 21, 2006

Sacrifícios só para os outros (7)

Ministros agravam gasto com salários - Sobem 6,1 por cento
O orçamento global para os vencimentos do primeiro-ministro e respectivos 16 ministros regista um aumento de 6,1 por cento face ao montante atribuído para 2006. A soma total da verba prevista para despesas com a rubrica ‘titulares de órgãos de soberania e membros de órgãos autárquicos’, pela qual são pagos os salários dos membros do Governo, ascende, em 2007, a 1 027 348 euros, contra os 967 980 euros orçamentados para este ano.
A análise dos orçamentos do gabinete do primeiro-ministro e de cada um dos ministros, conforme a proposta do Orçamento do Estado para 2007, não deixa margem para dúvidas: em 2007, a verba orçamentada para 13 ministros, através daquela rubrica, regista uma subida de 1,5 por cento, igual ao proposto pelo Governo para a actualização salarial dos funcionários públicos em 2007.
In CM
.
Actualização (22/10/06). Segundo o DN, no que se refere a esta matéria, houve apenas um erro na proposta de Orçamento do Estado para 2007 levou a uma mais do que duplicação do vencimento do ministro da Presidência do Conselho de Ministros. «Na rubrica orçamental que previa o ordenado do ministro foi colocada, isso sim, toda a despesa em ordenados do seu gabinete. O Governo não reagiu em uníssono à notícia. Enquanto o Ministério das Finanças emitia um vigoroso desmentido à notícia, o gabinete do primeiro-ministro e do ministro da Presidência do Conselho tentavam explicar o facto assumindo o seu próprio erro, ou seja, o erro nos mapas orçamentais - isso sim responsável pelo erro posterior do jornal».

sexta-feira, outubro 20, 2006

Autonomias e dependências

Os Hospitais - que nem órgãos de soberania são, têm autonomia. Por isso, "numa altura em que as urgências do Hospital Curry Cabral, em Lisboa, estão em risco de fechar, a administração daquela unidade decidiu equipar este serviço com um sistema informático e computadores em todos os gabinetes médicos" (link para artigo completo).
Mas os Tribunais de Primeira Instância - que constitucionalmente são órgãos de soberania - não têm autonomia administrativa e financeira. Para substituir um teclado defeituoso ou para instalar uma placa de memória, estão dependentes da boa vontade dos burocratas e/ou políticos do Ministério da Justiça.
É por isso - para que se veja o grande privilégio concedido aos juízes - que apesar de muitas reclamações, continuam atribuídos a grande maioria dos juízes (entre os quais o signatário) computadores do milénio passado que só para abrir o Word demora cerca de cinco minutos (facto que pode ser comprovado). A resposta é sempre a mesma: "não há verba".
Pois é. Mas para 219.000 euros apenas de comunicações móveis para o Senhor Primeiro Ministro - que dava para comprar 1.000 computadores portáteis da última geração - não há quaisquer restrições orçamentais.
Depois, claro, a justiça ... é lenta. A começar no tempo que demora a ligar e a abrir os programas do computador. E isto sem falar nas muitas vezes que os senhores oficiais de justiça ficam "sem rede" no desábil habilus... Privilégios de pormenor que o povo não precisa de saber.

Interesses instalados

Prima na imagem para ampliar. Extraído de O Sorumbático

quinta-feira, outubro 19, 2006

Recebido por e-mail

«Exmos Senhores Administradores do Banco... e dos outros bancos
Gostaria de saber se os senhores aceitariam pagar uma taxa, uma pequena taxa mensal, pela existência da padaria na esquina da v/. rua, ou pela existência do posto de gasolina ou da farmácia ou da tabacaria, ou de qualquer outro desses serviços indispensáveis ao nosso dia-a-dia.
Funcionaria desta forma:
Todos os meses os senhores e todos os usuários, pagariam uma pequena taxa para a manutenção dos serviços (padaria, farmácia, mecânico, tabacaria, frutaria, etc.). Uma taxa que não garantiria nenhum direito extraordinário ao utilizador.
Serviria apenas para enriquecer os proprietários sob a alegação de que serviria para manter um serviço de alta qualidade ou para amortizar investimentos.
Por qualquer produto adquirido (um pão, um remédio, uns litros de combustível, etc.) o utilizador pagaria os preços de mercado ou,dependendo do produto, até ligeiramente acima do preço de mercado.
Que tal?
Pois, ontem saí do Banco .... com a certeza que os senhores concordariam com tais taxas. Por uma questão de equidade e de honestidade. A minha certeza deriva de um raciocínio simples.
Vamos imaginar a seguinte situação:
- eu vou à padaria para comprar um pão. O padeiro atende-me muito gentilmente, vende o pão e cobra o serviço de embrulhar ou ensacar o pão, assim como, todo e qualquer outro serviço.
Além disso, impõe-me taxas. Uma "taxa de acesso ao pão", outra "taxa por guardar pão quente" e ainda uma "taxa de abertura da padaria". Tudo com muita cordialidade e muito profissionalismo, claro.
Fazendo uma comparação que talvez os padeiros não concordem, foi o que ocorreu comigo no meu Banco.
Financiei um carro. Ou seja, comprei um produto do negócio bancário.
Os senhores cobraram-me preços de mercado. Assim como o padeiro cobra-me o preço de mercado pelo pão.
Entretanto, de forma diferente do padeiro, os senhores não se satisfazem cobrando-me apenas pelo produto que adquiri. Para ter acesso ao produto do v/. negócio, os senhores cobraram-me uma "taxa de abertura de crédito" - equivalente àquela hipotética "taxa de acesso ao pão", que os senhores certamente achariam um absurdo e se negariam a pagar.
Não satisfeitos, para ter acesso ao pão, digo, ao financiamento, fui obrigado a abrir uma conta corrente no v/. Banco.
Para que isso fosse possível, os senhores cobraram-me uma "taxa de abertura de conta".
Como só é possível fazer negócios com os senhores depois de abrir uma conta, essa "taxa de abertura de conta" se assemelharia a uma "taxa de abertura da padaria", pois, só é possível fazer negócios com o padeiro, depois de abrir a padaria.
Antigamente, os empréstimos bancários eram popularmente conhecidos como "Papagaios".
Para gerir o "papagaio", alguns gerentes sem escrúpulos cobravam "por fora", o que era devido.
Fiquei com a impressão que o Banco resolveu antecipar-se aos gerentes sem escrúpulos.
Agora ao contrário de "por fora" temos muitos "por dentro".
Pedi um extracto da minha conta - um único extracto no mês - os senhores cobraram-me uma taxa de 1 EUR.
Olhando o extracto, descobri uma outra taxa de 5 EUR "para a manutenção da conta" - semelhante àquela "taxa pela existência da padaria na esquina da rua".
A surpresa não acabou: descobri outra taxa de 25 EUR a cada trimestre - uma taxa para manter um limite especial que não me dá nenhum direito. Se eu utilizar o limite especial vou pagar os juros mais altos do mundo. Semelhante àquela "taxa por guardar o pão quente".
Mas, os senhores são insaciáveis.
A prestável funcionária que me atendeu, entregou-me um desdobrável onde sou informado que me cobrarão taxas por todo e qualquer movimento que eu fizer.
Cordialmente, retribuindo tanta gentileza, gostaria de alertar que os Senhores devem ter-se esquecido de cobrar o ar que respirei enquanto estive nas instalações do v/. Banco.
Por favor, esclareçam-me uma dúvida:
- até agora não sei se comprei um financiamento ou se vendi a alma?
Depois de eu pagar as taxas correspondentes, talvez os senhores me respondam informando, muito cordial e profissionalmente, que um serviço bancário é muito diferente de uma padaria. Que a v/. responsabilidade é muito grande, que existem inúmeras exigências legais, que os riscos do negócio são muito elevados, etc, etc, etc. e que, apesar de lamentarem muito, nada podem fazer, pois tudo o que estão a cobrar está devidamente coberto por lei, regulamentado e autorizado pelo Banco de Portugal.
Sei disso.
Como sei, também, que existem seguros e garantias legais que protegem o v/. negócio de todo e qualquer risco. Presumo que os riscos de uma padaria, que não conta com o poder de influência dos senhores, talvez sejam muito mais elevados.
Sei que são legais.
Mas, também, sei que são imorais. Por mais que estejam protegidos pelas leis, tais taxas são uma imoralidade.
O cartel algum dia vai acabar e cá estaremos depois para cobrar da mesma forma.
V.P.»