quarta-feira, maio 31, 2006

Quando a Opinião vale mais que a Verdade

1. Ontem, o Senhor jornalista José Vítor Malheiros, no Público (edição impressa, artigo "Índex"), insurgiu-se pelo Tribunal Criminal do Porto ter condenado um político pelo mesmo ter chamado ernegúmeno a outro político. Entende o mesmo jornalista que "nem tudo o que é socialmente criticável, politicamente inadmissível ou indelicado deve ser proibido, pois corremos o risco de deitar fora o bebé (e o bebé aqui é nada menos do que os direitos individuais) com a água do banho. Que os juízes de uma democracia queiram controlar o léxico do debate público é mais do que preocupante: é inaceitável".
Na sua cruzada anti-judicial, este senhor jornalista parece desconhecer que existe uma norma no Código Penal, precisamente o seu artigo 180.º que estatui que "quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias".
Quem continua a legislar é o Parlamento, limitando-se os Tribunais a aplicar as normas que o poder legislativo e executivo fazem publicar no Diário da República.
Os juízes não controlam qualquer léxico. Limitam-se a aplicar o léxico dos outros. Os senhores políticos que revoguem os art.º 180.º e 181.º do Código Penal e a partir desse momento poderão todos os cidadãos passar a chamar "ernegúmeno" (entre outros epítetos) a todo e qualquer que se atravesse no seu caminho sem que sejam objecto de sanção criminal (embora não se livrem de uma indemnização cível...).
Mas porque tal revogação não parece existir no horizonte da reforma penal em curso, suscita-me contudo a perplexidade de saber se porventura alguém - espero que tal nunca aconteça - se dirigir ao senhor jornalista, apelindando-o da palavra supra enunciada, o mesmo aceitará tal inqualificável imputação como fazendo parte integrante do "léxico de debate público".
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2. Na mesma senda, num artigo publicado hoje no Diário de Notícias, o Senhor jornalista Vicente Jorge Silva, empolgando os seus conceitos jornalísticos absolutos e superiores à própria verdade dos factos, posiciona-se simultaneamente como ofendido, acusador e sentenciador da justiça.
O Dr. Paulo Ramos Faria, com a mestria a que já nos habituou, escreveu a este propósito no Dizpositivo:
«Escreve Vicente Jorge Silva, a propósito de um afamado Acórdão: "o Supremo Tribunal de Justiça considerou lícito e adequado o comportamento de uma responsável por um lar de crianças deficientes mentais, acusada de maus tratos a vários menores".
Escreve, ainda, este jornalista, sobre outro caso mediático:
"a Relação do Porto decidia mandar a julgamento uma mulher que roubara quatro queijos de vaca num supermercado. (...) a mulher fora perdoada pelo supermercado (...)".
Talvez não faça grande diferença para o articulista, mas fá-la-á, certamente, para as intervenientes nos casos, esclarecer que a arguida no primeiro processo mencionado cumpre actualmente uma pena de
18 meses de prisão, suspensa por 1 ano, pelo comportamento que Vicente Jorge Silva diz ter o Supremo considerado "lícito e adequado". No segundo processo, não consta do Acórdão da Relação do Porto que tenha havido qualquer desistência de queixa por parte do lesado.
Usurpando o mote da
GLQL, é caso para dizer que Vicente Jorge Silva "não deixa que os factos lhe estraguem um bom artigo de opinião".
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3. De facto, há razão para questionar por que razão alguns jornalistas transformados em opinion makers querem fazer prevalecer a sua opinião sobre a verdade dos factos, repetindo até à exaustão precisamente o oposto ou extraído fora do contexto, as decisões proferidas pelos Tribunais, mas simultaneamente tomando por verdade absoluta a propaganda fictícia emanada por quem tem autonomia financeira para contratar manchetes jornalísticas mas não concede a autonomia administrativa básica para o regular funcionamento de um órgão de sobernia que diariamente resolve problemas de centenas de cidadãos e empresas. O certo é que, os que hoje vendem os seus artigos para certos jornais, já antes tiveram que recorrer aos Tribunais que hoje criticam para verem reconhecidos os seus direitos de personalidade, honra e bom nome. E provavelmente terão também que o fazer no futuro. Só espero que nesse futuro os Tribunais e os Juízes não tenham sucumbido por causa da demagogia, ainda tenham efectiva independência e não sejam simples autómatos aplicadores de leis injustas, como alguns os querem tornar.

Até sucumbir a democracia

Extraído de Blog Defensor Oficioso

Jantar de tributo e reconhecimento

«Vai decorrer no próximo dia 8 de Junho (quinta-feira), em Leiria, um jantar de reconhecimento pelo trabalho, dedicação e empenho que a Direcção Nacional cessante da ASJP, num período adverso e hostil a todos os níveis, pôs na defesa da independência dos Tribunais e na defesa de um sócio-profissional digno do exercício da função jurisdicional do Estado.
O Dr. Baptista Coelho e a demais equipa lideraram a ASJP no que terá sido o pior momento desde o 25 de Abril de 1974, em que os juízes foram alvo dos mais variadíssimos ataques à sua independência, ao seu estatuto, à sua dignidade, o que foi feito com base em calúnias, mentiras e falácias, as quais tiveram grande eco em determinados meios de comunicação social, que, por seu lado, não davam idêntica projecção às opiniões não só dos juízes, mas também de outras pessoas que não alinhavam no coro dos ataques.
Por isso, uma demonstração de reconhecimento pelo trabalho, dedicação e empenho nesse período tão difícil, é merecida.
Para os juízes do Norte, caso haja um número de inscrições suficientes, será considerada a possibilidade de alugar um autocarro com condutor para a viagem.
Para efeitos de reserva no restaurante, solicita-se que as inscrições sejam comunicadas ao Dr. Jorge Esteves (Tribunal de Matosinhos) até ao dia 5 de Junho».

A mediocridade no poder

«(...) Nunca como agora se verificou uma aplicação tão extensiva do “spoil system” americano.
(...) Hoje em dia, pode dizer-se sem receio que na Administração Pública central e nos postos desconcentrados desta até os lugares de simples chefe de secção são ocupados por membros do partido, simpatizantes ou por alguém de que é preciso calar a voz.
(...) Tudo isto passa por laminar, os corpos da administração publica, um por um, apelando a medidas de um populismo ultramontano que até ao momento tem anestesiado a opinião pública.
Foi assim com a magistratura judicial, a quem um ministro medíocre que já dera provas da sua insuportável incompetência num dos últimos governos socialistas tem feito engolir todos os sapos possíveis a propósito das férias judicias. O ministro bem sabe que o remendo a que recorreu vai ter consequências imprevisíveis mas desastrosas na tramitação dos processos. Sabe também que a medida de redução das férias judiciais não trará qualquer benefício aos cidadãos e tornará a vida dos advogados bem mais difícil. E que quando se fizerem as contas o mais provável será a verificação de atrasos acumulados na primeira instância.
Mas isso de pouco o importa tanto mais que enquanto se discutem as férias judiciais, o ministério vai fazendo sair legislação avulsa de medíocre qualidade que passa incólume sem critica visível.
E quando esta porventura se manifestar, já há uma pronta resposta: são os magistrados quem está a entorpecer as reformas urgentes e inadiáveis, cegos pelos privilégios que correm o risco de perder (...)»
Extractos de um post de «dOliveira», in Incursões.

Até quando ?

«Aponta-se, com acerto, à falta de meios materiais e humanos nos Tribunais - tendo em conta os arquétipos do sistema judicial implementado -.
Muitos utentes apercebem-se, sobretudo, que há processos a mais para gente a menos.Aqueles que conhecem os «bastidores» dos Tribunais têm conhecimento pessoal e fundamentado dessa realidade e muitos conhecem as soluções que viabilizam a resolução de tais problemas - sem mais despesas -.
A história da democracia portuguesa evidencia uma ausência confrangedora de iniciativas legislativas que revelem uma visão estratégica para o sector.Nunca foi concebida a necessária estrutura organizacional - preenchida com os necessários meios materiais e humanos -, baseada num sólido edifício legislativo, eficiente e transparente, que garanta a independência do poder judicial e assegure a boa saúde da democracia e do Estado de Direito.
Infelizmente, o passado recente apenas tem revelado iniciativas avulsas, desgarradas e mal implementadas, de modo a fazer perigar, em aspectos importantes, o próprio Estado de Direito.
Ainda mais recentemente, têm sido anunciadas reformas que vão no mesmo sentido.
Assiste-se, constantemente, à revelação de supostos «estudos», «projectos» e de intenções legislativas sobre matérias importantes para o regime, que não são precedidos da necessária discussão na sociedade portuguesa e no âmbito parlamentar.
Em Espanha encontramos uma perspectiva diferente, que se encontra bem evidenciada no Preâmbulo da Carta de Direitos do Cidadão (trad. do autor):«Em meados do século XXI, a sociedade espanhola procura, com urgência, uma Justiça mais aberta, que seja capaz de servir os cidadãos com maior agilidade, qualidade e eficácia, incorporando métodos de organização e instrumentos processuais mais modernos e avançados.
Um projecto tão ambicioso só pode enfrentado mediante um amplo acordo de todas as forças políticas, que assegure a unidade e continuidade dos esforços e garanta o consenso sobre as bases do funcionamento deste Poder do Estado.
Tal é, precisamente, o objecto e a finalidade do Pacto de Estado para a Reforma da Justiça, assinado em 28 de Maio de 2001.
Entre as prioridades do Pacto de Estado figura a elaboração de uma Carta de Direitos dos Cidadãos perante a Justiça, que atenda aos princípios de transparência, informação e atenção adequada e que estabeleça os direitos dos utentes da Justiça. (...)Com a finalidade de conseguir uma Justiça moderna e aberta a todos os cidadãos, a Carta de Direitos dos Cidadãos perante a Justiça (...) estabelece os direitos dos utentes da Justiça contemplados no Pacto de Estado, destacando a importância de conseguir uma Administração de Justiça responsável perante os cidadãos (...).
A segunda parte da Carta centra-se na necessidade de prestar uma atenção especial e cuidado na relação entre a Administração da Justiça com aqueles cidadãos que se encontrem mais desprotegidos.
Em primeiro lugar, a vítima de delitos, sobretudo aqueles que estão relacionados com a violência doméstica (...).
Em segundo lugar, os menores de idade (...).
Em terceiro lugar, as pessoas que sofram de alguma incapacidade sensorial, física ou psíquica, para superar os problemas de comunicação e de acesso aos edifícios judiciais.Finalmente, os estrangeiros imigrantes em Espanha (...).
A Carta ocupa a sua terceira parte com os direitos que são característicos da relação do cidadão com os Advogados e Procuradores (...).
Finalmente, a Carta de Direitos conclui com uma previsão relativa às condições necessárias para a sua eficácia. (...)»
Contraste:
Em Portugal falta o necessário Pacto de Regime.
Com, uma agravante: o poder legislativo (sobretudo em matéria de Justiça) é comandado, na prática, pelo poder executivo, numa clara inversão dos respectivos papéis constitucionais.
Em vez da procura de consensos, aposta-se na segregação. Em vez de se apostar num discurso público positivo, inovador e motivador, insiste-se em práticas divisionistas da sociedade, mediante a escolha sequencial de "culpados" para arcar com a responsabilidade pelas ineficiências do sistema: Juízes, Ministério Público e Advogados.
Enquanto alguns destes sectores profissionais são estimulados a discutir, por exemplo, as férias judiciais, a altura das cadeiras ou o regime dos honorários... o cidadão continua sem ver discutido aquilo que lhe interessa mais (por exemplo, a excessiva duração dos processos, a falta de conforto dos bancos "medievais" destinados aos utentes dos tribunais e o elevado custo do acesso à Justiça).
Os profissionais do foro sempre manifestaram total disponibilidade para contribuir para uma discussão socialmente relevante e útil das soluções legislativas que se impõem.
As reformas do sector não podem continuar a prescindir do know-how dos profissionais especializados que nele trabalham, nem da motivação destes na implementação de novos regimes legais na área da Justiça, nem de um Pacto de Regime que assegure a unidade e continuidade dos esforços do legislador e garanta o consenso sobre as bases programáticas do sector.
Hasta cuándo?...
Dr. Jorge M. Langweg, in BOLB

terça-feira, maio 30, 2006

Parlamentebol

Deputados alteram agenda parlamentar para assistir ao jogo Portugal-México
«Os partidos decidiram hoje antecipar a sessão plenária de 21 de Junho para não colidir com o horário do último jogo de Portugal na primeira fase do campeonato do mundo de futebol, contra o México.
Na conferência de líderes parlamentares, os partidos decidiram, por consenso, transferir o plenário para a manhã de dia 21 de Junho, às 10h00, e marcar as comissões que habitualmente se realizam de manhã para depois das 17h00, hora a que termina o jogo.»

In Público
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Comentário in Informática do Direito:
«Lamentavelmente, para eles, senhores deputados não foi suficiente a cena triste que ocorreu próximo da Páscoa, com muitos a faltarem à sessão Parlamentar, alguns mesmo, depois de assinarem o livrinho de presenças. É legítimo que se pergunte, por onde anda, e para que serve, a tal comissão de ética?
E, como a falta de vergonha é algo que continua, eis que esses senhores colocam num grau mais importante do que as funções que desempenham, um simples jogo de futebol.Que rico exemplo dão ao País.
Foi para isto que eles foram eleitos?
O que os impulsiona constantemente a fazerem, reíncidentemente, estas tristes figuras?S
erá que é legitimo reconhecer a todos os trabalhadores deste País que procedam da mesma forma (em ambas as ocasiões)?
O que mais se seguirá?
O País necessita urgentemente de uma varridela, para que se evolua, nada mais me ocorre perante esta surpreendente e infeliz sucessão de trapalhadas» (Comentário de Dr. José Pedro Gil)

Juízes vivem na clandestinidade

«O Conselheiro Simas Santos alerta que em Portugal “os juizes vivem na clandestinidade”
“O Governo não pode ser um elemento de descredibilização do sistema judicial”, afirmou o conselheiro Simas Santos, anteontem à noite, numa tertúlia promovida no Café Majestic, no Porto, pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP).
O juiz do Supremo Tribunal de Justiça fez aquele desabafo traduzindo o desagrado dos magistrados judiciais e do Ministério Público, perante a ideia lançada pelo Governo de que são “calaceiros” e “só se preocupam com as férias”. “Nos Estados Unidos os juízes são respeitados e dizem a lei, mas aqui os juízes vivem na clandestinidade”.
Preocupado com o facto de o poder executivo propor alterações atrás de alterações “sem discutir o modelo”, Simas Santos acentuou: “Se é o modelo que está mal, então mude-se o modelo, mas não se descredibilize o sistema judicial”.
O conselheiro realçou que a morosidade não é um fenómeno que afecte todos os graus de jurisdição, lembrando que nas relações e no STJ as decisões dos recursos são expeditas. Mas também admitiu a necessidade de os juízes do tribunal dos tribunais redigirem as suas decisões com clareza, para evitarem juízos injustos quanto ao sentido dos acórdãos.
Simas Santos desmentiu com a sua experiência pessoal uma crítica feita pelo presidente do conselho distrital do Porto da Ordem dos Advogados (OA), que preconizou o fim das audiências nos tribunais superiores. “Quando lá vou, alego e passadas duas/três horas, o acórdão é depositado na secretaria”, assegurou Silva Leal. “Já elaborei cerca 600 acórdãos e leio-os na semana seguinte à audiência”, garantiu Simas Santos».
Arnaldo Mesquita, in Público (ed. impressa), 28/05

Juiz discriminado pelo Ministério da Justiça

Segundo o Portugal Diário, o Dr. Rui Teixeira - há dois meses a trabalhar em Timor - terá regressado a Portugal, porque o Ministério da Justiça não lhe pagou qualquer vencimento durante o tempo em que exerceu funções naquele território.
Dos quatro magistrados judiciais portugueses destacados em comissão de serviço em Timor, apenas o vencimento do Dr. Rui Teixeira não terá sido pago pelo Ministério da Justiça.
Ainda segundo a mesma notícia, o nosso Colega decidiu não renovar a comissão de serviço por mais seis meses, conforme inicialmente previsto. Tendo interrogado o Ministério da Justiça sobre o não pagamento dos vencimentos, apenas terá recebido como resposta que teria o seu lugar assegurado no Tribunal de Torres Vedras, quando decidisse regressar.
Comentário in BOLB:
«A notícia publicada no Portugal Diário, coloca na ordem do dia, mais uma vez, a separação de poderes. Os juízes não podem continuar a ficar à mercê de caprichos de entidades externas à judicatura, sob pena de perderem a independência necessária à função judicial.
A notícia tem tanto de insólito, como de incompreensivel e preocupante.
Esperamos que a situação seja devidamente esclarecida a curto prazo e, no caso de terem sido cometidos actos ilícitos, sejam assumidas e/ou exigidas todas as consequências legais daí resultantes. (...)»

Corrupção em Portugal

Foi publicado o mais recente relatório de avaliação das medidas anti-corrupção portuguesas, pelo Conselho da Europa (Grupo de Estados contra a Corrupção / GRECO).
O mesmo evidencia uma falta de estratégia preventiva mais estruturada, não havendo em Portugal uma abordagem integrada dos riscos de corrupção nos diversos departamentos da administração pública central, regional e local.
O relatório salienta a necessidade de melhorias no regime que regula os conflitos de interesse, de modo a impedir a passagem de pessoas que desempenharam cargos públicos, para o sector privado, como recompensa por actuação "favorável" nas primeiras funções. Finalmente, ainda é recomendada a criação de mecanismos adequados de controle e responsabilização das pessoas colectivas, bem como de medidas que impeçam pessoas condenadas por crime de corrupção de gerir empresas comerciais.
In BOLB

Mais trabalho burocrático

«Aqui há uns anos, discutiu-se a possibilidade de se vir a obrigar os senhores deputados que se deslocassem ao estrangeiro em missão parlamentar a elaborarem um relatório da sua viagem. Entre outras razões invocadas, falava-se, então, da necessidade de evitar a instrumentalização lúdica de tais viagens e de, por este meio, se permitir aos senhores deputados que não tiveram a mesma oportunidade de partilharem os conhecimentos adquiridos.Já não me recordo no que deu esta discussão.
Recentemente, falou-se bastante no facto de bastar a palavra de um deputado para se considerar justificada a sua falta com fundamento em trabalho político partidário.
A desnecessidade de apresentação de qualquer elemento de prova - com a qual eu estou de acordo - assenta, sobretudo, na dignidade da Assembleia da República e dos seus membros, bem como, e sobretudo, na circunstância de tal exigência de prova redundar certamente numa "caça às bruxas" que nenhum benefício traria.
Vieram-me estes dois exemplos à memória a propósito da leitura da Circular n.º 70/2006 do Conselho Superior da Magistratura, a qual reza o seguinte:
"(... ) Mais foi deliberado determinar (dando conhecimento aos visados por CIRCULAR) que os magistrados judiciais, autorizados por este Conselho a participar em eventos (Seminários, Conferências) ou a frequentar Cursos ou Acções de Formação (com excepção das Acções de Formação Permanente do CEJ), deverão apresentar ao CSM relatório dessa participação ou frequência".
Não constando da Circular os fundamentos desta deliberação - situação demasiado normal - , ocorre-me perguntar se obrigatoriedade de apresentação de "relatórios de participação" se destina, com a sua ulterior divulgação pública, à partilha de saberes adquiridos com os demais juízes».
Dr. Paulo Ramos de Faria, in Dizpositivo
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Comentário de Dra. Raquel Prata, no mesmo blogue:
«Se o juiz vai à acção de formação, é certo que a "dispensa " de serviço se limita a, única e exclusivamente, permitir-lhe fazer depois o que não pôde fazer durante o tempo que durou a referida acção de formação. Se, ainda por cima, tem que redigir um relatório, já se sabe qual vai o resultado: o número ínfimo de juízes que frequentam acções de formação vai diminuir ainda mais. Será que a Justiça tem algo a ganhar com esta Circular? Será útil que os juízes gastem algum do seu tempo a fazer relatórios de acções de formação? Já bem basta o absurdo dos relatórios das sentenças....?»

Entrevista a Justiça e Cidadania

Foi publicada mais uma edição de «Justiça e Cidadania». O Juiz Dr. António Ramos analisa situações que estão na origem da morosidade da Justiça. Destacamos alguns excertos.
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Já cá chegou o choque tecnológico?
Não sei muito bem o que isso é. Temos o mínimo para trabalhar. Aliás, basta olhar para o computador que utilizo para perceber os anos que tem. Tenho um processo de acusação que não cabe num CD, e não possuo gravador de CD. Ou trabalho em casa com as minhas coisas pessoais, ou não consigo trabalhar. Recentemente, pedi que me arranjassem um gravador de CD e foi negado por falta de verba (aproximadamente 60 euros). Portanto, nem sequer é necessário um choque tecnológico, basta que se vá actualizando. Sabemos que as coisas não se conseguem fazer de um dia para o outro. Acredito que existe o mínimo para se trabalhar. Comparativamente com o que seria desejável, é evidente que ficamos um bocado afastados. Mas, também penso que não é por aí que se podem assacar responsabilidades aos atrasos. Seria injusto...
Apesar de tudo, os tribunais vão funcionando!
Acho importante que, antes de se mexer num tribunal, seja na sua estrutura ou no funcionamento, se tente perceber como funciona no terreno. Depois de se auscultar as pessoas e de se perceber as várias vertentes, nomeadamente a carolice dos que lá trabalham se percebe o funcionamento de um tribunal. E por isso é que a questão das férias é um mito e, na prática, vai dar à mesma coisa. Não se ganha nada com isso, antes pelo contrário. Em grande parte dos sítios, as pessoas cumprem horários, o que não acontecia connosco. Os funcionários saíam das salas de audiência, muitas vezes, às nove e meia, dez da noite, como sucedeu também comigo. E tal não acontece actualmente, ao menos em grande parte dos tribunais.
Já consegue chegar a casa e desligar-se dos processos?
Actualmente, por regra, não trabalho fora do meu horário. Posso é sair mais cedo e ir trabalhar para casa. As pessoas não perderam o sentido de responsabilidade e é impossível, nesta matéria, desligarmo-nos disso. Mesmo quando não estamos a trabalhar, sabemos o que temos para fazer e o que está em curso. Mesmo que não se esteja directamente debruçado sobre um processo ou uma sentença é impossível desligarmo-nos das coisas.Sobretudo, porque estão em causa pessoas...Não querendo prejudicar as pessoas, tentamos racionalizar os nossos horários. Esta posição foi deliberada e está a ser seguida. A agenda de um tribunal é muito difícil de se gerir. Tentamos perceber um processo concreto, mediante o grau de dificuldade e sua demora previsível. E, por regra, aproximamo-nos dessa realidade. Só que, às vezes, uma coisa que parece mais simples acaba por se complicar e demora muito mais. (...)
As pessoas estão descontentes?
Neste momento, ao que julgo saber, a maior parte dos «agentes judiciários» trabalha menos que antes. Por regra, levavam-se processos para casa, incluindo os funcionários e trabalhava-se também ao fim-de-semana. Recordo-me até do caso de uma funcionária que andava no seu próprio carro, de manhã à noite, ao fim-de-semana, para notificar pessoas, o que não conseguia durante a semana, uma vez que as pessoas saíam para trabalhar. Era a tal carolice que fazia as coisas funcionar. Contudo, agora, não se pode falar em mau funcionamento, porque penso que a maior parte das situações são bem decididas. As decisões finais têm de assentar em regras e acontece que num julgamento mediático fazem-se dois julgamentos paralelos: um sem regras processuais, que é o da Comunicação Social, e outro com aquelas impostas regras. Como se sabe, as decisões são feitas por convicção, pois, por via de regra, temos o princípio da livre apreciação da prova (só a prova técnica ou pericial é que é vinculativa, em tese). Isto significa que em algumas situações estou a absolver alguém por razões de técnica processual, estando, no fundo, perfeitamente convencido de que aquela pessoa não é inocente. Mas, como não tenho provas, que possam ser valoradas, para lá chegar, tenho de decidir em conformidade com isso.
Em termos de opinião pública, a morosidade da justiça é uma das causas que contribui para a crise do sector. Será que decisão de reduzir as férias judiciais apenas para um mês vai contribuir para contrariar esta situação?
A redução das férias judiciais não vai resolver muito, porque a forma como este processo foi conduzido, acentuo a forma e não a redução em si, resolveu negativamente. Aliás, tenho a sensação que agora ainda vou ter mais férias que antes. Temos direito a 27 dias úteis de férias. Antes, cheguei a ler sentenças a 31 de Julho e tive de estar 15 dias em casa a trabalhar 16 horas diárias para preparar o acórdão. Nos princípios de Setembro, vínhamos buscar trabalho ao tribunal, ou aqui ficando para resolver as situações. Portanto, onde havia atrasos, as coisas mais complicadas eram feitas nesta altura. Claro que, hoje, as coisas são capazes de não se passarem assim e, só isto, é uma perda que não tem medida. Portanto, não se trabalhar nas férias é uma perda irrecuperável. Por outro lado, cumprir os horários, em termos de agenda, vai implicar que já daqui a um ano haja tribunais que vão ficar com atrasos irrecuperáveis.
O panorama parece então complicado!
Há pouco tempo trabalhei em Famalicão e já havia julgamentos agendados para todo o ano de 2007. Se os colegas estiverem a cumprir horário, vão seguramente marcar, a curto prazo, audiências para 2009. E isto não se recupera, nunca mais. Por outro lado, o mecanismo das férias, considerando o número de dias a que cada pessoa tem direito, não é praticável. Fizemos mapas e houve que fazer algumas cedências, caso contrário não era possível organizá-los. Isto porque não perdemos o sentido de responsabilidade e temos de perceber quem somos e o que se espera de nós. Não podemos, só porque não gostamos de algumas coisas, ter atitudes revanchistas. Temos de ser prudentes, responsáveis e assumir as coisas, independentemente de certas situações que nos sejam mais desfavoráveis. Mas, por causa dos turnos, e porque esta medida foi imposta sem conversações anteriores – situação que os juízes não gostaram e disso deram contra através da sua estrutura sindical –, ninguém abdica dos 22 dias úteis seguidos. No caso deste tribunal, quem estiver de turno nas duas primeiras semanas de Agosto terá de prolongar as férias por Setembro dentro, para cumprir os 22 dias úteis. Portanto, a redução das férias judiciais não resolve nada. Ao invés, acabou com os insubstituíveis benefícios da referida «carolice».
Mas, para a opinião pública, esta situação não é mais do que uma reacção à perda de determinados privilégios...
As pessoas que não conhecem os tribunais, certamente. De resto, há uma (falsa) imagem de que no Estado não se trabalha e ninguém é responsável por nada. De resto, esta imagem foi recentemente deixada no ar por pessoas com responsabilidades políticas. E as pessoas têm de acreditar em quem está «por cima», na sociedade. Portanto, contando com a imagem que se passa e com o hábito que as pessoas têm de normalmente tentar equiparar-se, é fácil sustentar uma opinião pública desfavorável. Lamentável é que as pessoas, em vez de tentarem reclamar e lutar pela obtenção das mesmas regalias, ou equiparadas, pelo menos, se contentem em criticar, limitando-se a reclamar o fim dos direitos legais dos outros, sem que isso nada lhes resolva ou as beneficie. Esta é um bocado a nossa mentalidade em termos gerais.
Sendo os magistrados parte integrante dos órgãos de soberania, é legítimo que recorram a formas de luta como a greve?
Somos titulares de órgãos de soberania, mas não somos órgãos de soberania. E temos um estatuto de acordo com isso e as responsabilidades são as que daí decorrem. Parece existir muitos poderes e privilégios, mas trata-se de uma tarefa árdua, com maior penosidade do que benefícios. Nesta matéria devemos lutar por condições melhores, mas em tudo o que fazemos devemos ter bom senso. É um ponto principal para qualquer magistrado. Temos de ter bom senso no comportamento, nas nossas opiniões. É uma solução para tudo, mas também explica as coisas. Somos titulares dos órgãos de soberania e exercemos o poder em nome do povo à luz da Constituição. Portanto, indirectamente, representamos o povo. Em relação aos outros poderes, a diferença assenta no facto de não sermos eleitos e termos uma carreira que em muitos aspectos é equiparada à dos funcionários. Não temos autonomia financeira, apenas alguma administrativa. No fundo, somos uma espécie de «assalariados», não somos patrões de nós próprios. E, se ainda assim, não podemos lutar, quem o fará por nós??? (...)»

sexta-feira, maio 26, 2006

Novos conteúdos no Portal Verbo Jurídico

DIREITO DO CONSUMIDOR
•• O Instituto de Seguros de Portugal e a defesa dos consumidores
Por Dr. João Alves, Procurador-Adjunto e Docente no Centro de Estudos Judiciários
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JURISPRUDÊNCIA INÉDITA
•• Primeira Instância
Compra de telemóvel - consumidor - lei aplicável - resolução de contrato ou substituição de aparelho - indemnização.
Sentença do 3.º Juízo Cível de Oeiras
Texto integral em PDF
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OPINIÃO FORENSE
•• A "diversificação" do acesso ao CEJ
Por Dr. António Ferreira Ramos, Advogado
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PROMOÇÃO «FEIRA DO LIVRO»
De 25 de Maio a 13 de Junho de 2006 (período das feiras do livro de Lisboa e Porto), as encomendas efectuadas através do verbojuridico gozam de 10% de desconto e oferta de portes para todo o território português.
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Aceda ao Portal em

Ensino de Português, precisa-se

(Premir na figura para ampliar)
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Ao cuidado da equipa do Ministério da Justiça, responsável pelo Habilus, para aprimorar o português, corrigindo estes (e outros que existem) erros de português. Um contributo remetido pelo Dr. Ricardo Monteiro.

quinta-feira, maio 25, 2006

Tribunais: dinheiro só até Julho

Disposição das salas de audiência

GOVERNO QUER AFASTAR MP DO LUGAR DO JUIZ
"Fará sentido que o representante do Ministério Público esteja sentado junto do juiz na sala de audiências? Fará sentido que entre pela mesma porta do juiz?" Estas questões retóricas foram colocadas ontem pelo ministro da Justiça no colóquio "A imagem da Justiça", onde esteve em debate o novo modelo arquitectónico dos tribunais do século XXI.
Alberto Costa disse que o futuro figurino das salas de julgamento ainda não está definido (o debate está ainda a decorrer), mas deixou claro que "um critério deve estar na base" do futuro modelo: o da adaptação da sala de julgamento à igualdade entre os sujeitos processuais".
O que indicia que o Ministério Público (MP) deverá perder o seu lugar ao lado do juiz, passando a estar mais ao nível do advogado.
"É preciso que não se provoque confusão sobre quem é quem, que ninguém faça confusão sobre quem vai acusar e quem vai julgar", avisou o ministro. Actualmente, na maioria dos tribunais, o juiz está sentado num plano superior, com o representante do MP imediatamente ao lado. Os advogados estão a um nível mais baixo e afastados. "O novo tribunal deve ser mais ajustado ao quadro jurídico e social actual", defendeu Alberto Costa.
Posição que foi corroborada pelo presidente da Associação Sindical dos Juízes Presidentes (ASJP). António Francisco Martins, também presente no colóquio, defendeu que deve "ser distinto o posicionamento do tribunal (representado pelo juiz) e o posicionamento de todos os outros intervenientes processuais", onde se inclui o MP.
Para António Martins, o juiz "deve estar sentado num plano destacado e isolado em relação aos outros intervenientes". Ou seja, com o representante do MP bem longe dele, "a um nível de igualdade" com os advogados. Mais. O presidente da ASJP defende também que o MP não deve entrar na sala de audiências pela porta usada pelo juiz. Aqui, mais uma vez, o MP deve estar em pé de igualdade com os advogados.
Alberto Costa entende, ainda, que nos tribunais de família e menores devia existir um espaço próprio para as crianças, enquanto aguardam as sessões, e afiançou que está a ser estudado um plano de multiplicação de salas de audiência, aproveitando-se outros espaços dos tribunais ou subdividindo-se as salas já existentes que sejam mais amplas.

Perplexidades legislativas

«No dia 25 de Abril de 1975, os portugueses elegeram duas centenas e meia de parlamentares, a quem coube a missão de elaborar e aprovar a Lei Fundamental da recém-nascida democracia.
(...) A verdade, todavia, é que as revisões não ficaram por aí. Multiplicam-se com uma regularidade que dificilmente se entende numa sociedade estabilizada.
(...) A perplexidade não fica por aqui. Quantas e quantas vezes não foram já revistos, nos últimos anos, os mais diversos códigos que definem o ordenamento jurídico do País? E como é possível que aconteçam episódios como o que se soube nos últimos dias, pelo parecer autorizado e insuspeito do prof. Gomes Canotilho, que nos diz ser inconstitucional a lei, aprovada em 1992, que regulamenta a corrupção na actividade desportiva?
Quantos mais casos do género não existirão por aí, com resultados dramáticos para os milhares de horas de trabalho entretanto consumidas nas mais diversas instâncias do aparelho judicial?
O nível de litigação subiu em flecha na sociedade portuguesa nos últimos tempos. É uma consequência natural do desenvolvimento económico que, por sua vez, impulsionou a profissionalização e empresarialização da advocacia para patamares semelhantes aos dos principais parceiros externos de Portugal. Não faltam sequer as filiais e os associados domésticos das grandes multinacionais do sector.
Uma maior consciencialização, por parte dos portugueses, dos seus direitos de cidadania contribui ainda para que se jogue, na celeridade e eficácia da justiça, uma aposta fundamental para o progresso do País.
A complexidade e as constantes alterações do ordenamento jurídico podem representar, conjunturalmente, uma subida das facturações dos escritórios de advogados, mas o facto é que, no fundo, são horas de trabalho a mais, que não servem a ninguém e complicam a vida de muitos milhares. Assim o entendam, de uma vez, e procedam em conformidade, estes juristas que nos governam».
Mário Bettencourt Resendes, in DN

A (des)organização da Justiça Portuguesa

«Como pode um sistema judicial ser eficiente, do ponto de vista organizacional, quando as competências administrativas do sector se encontram dispersas por diversas entidades?
Por outro lado, violando de forma flagrante o princípio da separação de poderes, algumas dessas entidades pertencem a outro órgão de soberania, que domina a gestão da maior parte dos meios materiais, humanos e financeiros dos Tribunais.
Importa concretizar alguns aspectos que explicam, em grande medida, algumas ineficiências do sistema de administração de justiça português:
As entidades acima referidas:
a) têm de satisfazer agendas políticas, optando, sistematicamente, por iniciativas imediatistas, de curto prazo e grande notoriedade;
b) aparentam não ter conhecimento suficiente do modo de funcionamento dos Tribunais – o que resulta indiciado por muitos anos de actuação, em parte, com contornos verdadeiramente absurdos na área da Justiça -;
c) exercem as suas atribuições de forma isolada, desconectada das demais entidades com outras competências e atribuições no sector - gerando conflitos de competência, bem como outras ineficiências sistemáticas de vária ordem - ;
d) não desenvolvem uma política de gestão racional de recursos humanos, materiais e financeiros;
e) não administram formação profissional adequada (quando existe);
f) não tornam os tribunais funcionais;g) dificultam objectivamente a acção dos juízes, do M.P., dos funcionários judiciais... dos advogados e até... dos solicitadores de execução;
h) não apostam, de forma consolidada, na inovação;
Um dos exemplos emblemáticos de todas essas ineficiências tem sido a recente reforma da acção executiva.
As consequências económicas da (des)organização administrativa da Justiça:
Os danos sociais e económicos resultantes da recente reforma da acção executiva são imensos.
Para os credores, no plano estritamente financeiro, os danos globais já devem ascender, entretanto, a largas dezenas de milhões de euros, emergentes das centenas de milhar de execuções que ainda não foram bem sucedidas, devido a erros do Estado-administração.
Muitas empresas já faliram.
Em que termos pode ser accionada, neste domínio, a responsabilidade extra-contratual do Estado?
Como se isso não bastasse, verifica-se que a economia nacional já se ressentiu muito mais:
Aumentou o sentimento generalizado de impunidade pelo incumprimento do pagamento de dívidas.
Constata-se um “princípio de aceleração do aumento do passivo” dos agentes económicos.
Esse fenómeno é potencialmente gerador de inflação.
Tal conjuntura económica ainda provoca, nomeadamente:
a) uma retracção nos investimentos (sobretudo nas pequenas e médias empresas);
b) um aumento das taxas de juro na concessão de empréstimos bancários, bem como noutros sectores da actividade financeira;
c) alterações qualitativas no comércio jurídico em geral;d) práticas anti-concorrenciais e evasão fiscal;
Tudo isto é devido, em certa medida, pela ineficiência do sistema de administração de justiça.
Conclusões:
O grau de eficiência da economia é claramente influenciado pelo grau de eficiência do sistema de administração da justiça.
Se os tribunais tivessem a necessária independência administrativa e financeira, concebida de forma adequada:
- tal solução aumentaria de forma significativa a eficiência do sistema judicial, com repercussões benéficas na economia e na justiça social».
Dr. Jorge Langweg, in BOLB

Reflexão: Independência (Tribunais Lusófonos)

Declaração de Macau, de 29 de Outubro de 2003 (Conferência dos Presidentes dos Supremos Tribunais dos países lusófonos):
Os Presidentes dos Supremos Tribunais aprovaram a declaração, segundo a qual seria útil que a independência financeira dos tribunais "fosse consagrada na norma constitucional, inclusivamente com a previsão de financiamento pelo Orçamento do Estado em montante nunca inferior a uma determinada percentagem desse orçamento".
Por outro lado, defenderam que o poder judicial "deve ter a iniciativa e a competência para elaborar, apresentar e justificar o seu orçamento no órgão legislativo, para que este o aprove".Acrescentaram, ainda, que o poder de execução orçamental dos tribunais deve estar "confiado ao próprio poder judicial, adequadamente descentralizado e apetrechado com os indispensáveis meios humanos e materiais".
Na mesma declaração ainda expressaram que a administração do poder judicial "deve ser realizada com transparência, de modo a permitir à sociedade vislumbrar as necessidades dos tribunais e as providências que são tomadas anualmente visando aumentar a sua eficácia".
Existem vários modelos organizacionais viáveis para Portugal, que podem assegurar a independência política (já existente, em grande medida), administrativa e financeira (ainda em falta) dos Tribunais.
Dr. Jorge Langweg, in BOLB

Reflexão: Independência e comissões de serviço

1. ALERTA PARA O PERIGO
«Para assegurar a independência dos juízes, a Constituição da República Portuguesa prevê, designadamente, a seguinte incompatibilidade:«Os juízes em exercício não podem ser nomeados para comissões de serviço estranhas à actividade dos tribunais sem autorização do conselho superior (...).» (art. 216º, 4, da C.R.P.)
Uma das formas mais evidentes de fragilização da imagem dos juízes consiste, precisamente, pela integração de alguns em gabinete ministerial – ou em organismos dependentes de algum Ministério -.
O cidadão que, até então, era considerado independente, fica na dependência hierárquica, funcional ou política de um membro do Governo.
O cidadão que, até então, não tinha qualquer conotação político-partidária, passa a ser referenciado com certa área política.
Independentemente do mérito do desempenho concreto do magistrado judicial, em comissão de serviço, a população passa a confundir os juízes com os políticos – com prejuízo para os primeiros, atento o seu estatuto de independentes -.
Mais grave: em certas circunstâncias, certamente excepcionais, condicionadas por certa conjuntura política, a nomeação de magistrados judiciais para organismos dependentes do Ministério da Justiça poderá aparentar (para alguns), ou consubstanciar (para outros) um modo de colocação de «comissários políticos» insuspeitos, em lugares-chave.
A Bem da Justiça, que depende da credibilidade dos magistrados judiciais:Tais perigos aconselham que não seja permitida, efectivamente, a nomeação de magistrados judiciais para comissões de serviço estranhas à actividade dos tribunais.
Sobretudo em certos contextos sociais e políticos».
Dr. Jorge Langweg, in BOLB
.
2. PROMISCUIDADE MAGISTRADOS / PODER POLÍTICO
«(...) Nada justifica que se mantenham actualmente as práticas que já vêm do anterior regime político; durante a ditadura era normal que certos lugares (alguns directores-gerais e chefes de departamentos ligados à justiça) fossem preenchidos por magistrados; evidentemente que tais magistrados ficavam conotados com o regime, o que na altura não tinha o significado que tem hoje, pois não havia liberdade política e o Estado de Direito era uma ficção mal amanhada.
A ideia de existirem Juízes ligados ao poder político não provocava grande escândalo público, na medida em que o próprio poder político, designadamente a forma como era exercido, era em si mesmo um escândalo para qualquer cidadão desafecto ao regime.
Hoje, que vivemos (pretensamente) num Estado de Direito democrático, a questão tem que colocar-se de forma diferente: não é aceitável que um Juiz, seja ele qual for, seja conotado com um Governo ou uma maioria parlamentar – por isso mesmo é que no Estatuto dos Magistrados Judiciais consta uma norma que lhes veda o acesso a actividades partidárias de carácter público (artº 11º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei nº 21/85).
Não se compreende que essa proibição, que é consensual e não sofre contestações, seja torneada com a nomeação de Juízes para altos cargos da administração na dependência hierárquica de um Ministro ou de um Secretário de Estado, o que é negativo para todos os envolvidos (para o Estado, porque ganha um “funcionário” que não está preparado para o ser, estando rotinado para actuações independentes e não hierarquizadas, para o magistrado em causa, porque a sua independência fica para sempre posta em causa relativamente ao partido ou à maioria parlamentar com os quais se deixou envolver, e para a magistratura em geral, porque a sua imagem de rigorosa independência perante os outros poderes sai apoucada e menorizada publicamente, com evidentes consequências negativas na credibilidade da justiça).
Se se entender que certos cargos exigem a preparação e a isenção de um Juiz para o seu cabal exercício, então que se tenha a coragem de legislar nesse sentido, garantindo-se legalmente que este ou aquele cargo tem que ser obrigatoriamente exercido por um magistrado – pode ser o sr. A ou o sr. B, mas terá que ser um magistrado.
Isso faria toda a diferença.
No estado actual da democracia portuguesa (asseguro que não estou a ser irónico, mas apenas a tentar ser descritivo) – no estado actual da democracia portuguesa, dizia, a existência de magistrados em cargos da administração dependentes do poder político é inaceitável devido às enormes conotações negativas que inevitavelmente acaba sempre por implicar».
Dr. Francisco Bruto da Costa, in Informática do Direito
.
3. OUTRA REFLEXÃO
«Não discordando, no essencial, desta opinião [a do Dr. Jorge Langweg], parece-me ser evidente que a autorização do exercício de funções em Comissão de Serviço por parte dos magistrados judiciais não pode assentar, casuisticamente, apenas em juízos de oportunidade. Deve ela estribar-se num conjunto de critérios predefinidos.
Ora, estes critérios existem. Foram eles fixados pelo Conselho Superior da Magistratura na Acta n.º 5/2005 (Sessão Plenária), ponto prévio n.º 7, com o seguinte conteúdo (além do mais):
«1.º - (...) [adequação ao estatuto]
2.º - Na apreciação dos casos, deve ser ponderado o interesse público (...), em especial os interesses ligados à administração da justiça que ao CSM compete preservar (...);
3.º - Na área da Justiça, poderão ser autorizadas comissões de serviço para cargos cuja importância seja susceptível de ser considerada suficientemente relevante para justificar o desempenho por magistrado judicial. Poderão considerar-se como tal, designadamente, os lugares de Director da Polícia Judiciária, de Director-adjunto da Polícia Judiciária, de Chefe de Gabinete do Presidente do STJ, de vogal do Conselho Consultivo da PGR, de Director-geral da Administração Judiciária, de Director dos Serviços Prisionais, de Secretário-geral do Ministério da Justiça ou de Presidente do Instituto de Reinserção Social e de chefe de gabinete de membros do Governo no âmbito do Ministério da Justiça.
4.º - Só em casos excepcionais serão permitidas comissões de serviço de magistrados judiciais em funções não directamente ligadas à área da Justiça. (...)
5.º - (...) [organismos internacionais]
6.º - Em princípio, os pedidos de autorização para o exercício em comissão de serviço dos lugares de adjuntos e assessores de membros do Governo não deverão ser autorizados pelo CSM (...).
7.º - (...) deverão ser, em princípio, concedidas autorizações para que magistrados judiciais possam integrar, em regime de comissão de serviço, os Gabinetes do Presidente da República, do Presidente da Assembleia da República e do Primeiro-ministro.
8.º - (...) [CEJ]
9.º - (...) [instrução dos pedidos]».
Embora tenha causado alguma perplexidade a recente autorização concedida a um juiz para desempenhar funções de Director-adjunto da Polícia Judiciária, tal decisão foi, como se pode ver, conforme às regras estabelecidas. O que significa que, para muitos observadores, os critérios fixados pelo Conselho Superior da Magistratura não passaram no crivo da última crise de direcção da Polícia Judiciária.A seu tempo, com a devida ponderação, dever-se-á ajuizar da bondade da decisão do Conselho Superior da Magistratura e, sendo caso disso, caberá a este órgão de Estado identificar novos critérios que devam presidir à autorização do exercício de funções em comissão de serviço».
Dr. Paulo Ramos de Faria, in Dizpositivo

Reflexão: Independência dos Tribunais vs. Juízes

«A independência dos Tribunais não se confunde com a independência dos Juízes.
A primeira diz respeito à relação entre os poderes da República, enquanto a segunda se refere à actividade jurisdicional.
As garantias da independência da judicatura são constituídas:
a) pelos princípios constitucionais que asseguram a sua imparcialidade; e
b) pelos meios destinados a protegê-la de eventuais retaliações ou manipulações que a actividade judicial possa ocasionar.
O exercício da judicatura, por vezes, contraria interesses político-económicos poder(osos) que, naturalmente, poderão voltar-se contra a pessoa do juiz. Num certo contexto político, tais interesses político-económicos - pela sua dimensão e implantação social - poderão retaliar contra toda a magistratura judicial.
Nesse caso, depois de fragilizar a imagem desta, continuarão a exercer a sua acção, num esforço de diminuição do grau de independência dos Tribunais e das garantias de independência dos juízes.
Quem não conhece o pensamento político de alguns, que ambicionam a subalternização dos Tribunais ao poder político?
Quem não conhece os pensadores que defendem publicamente que os juízes são "demasiado independentes"?
Quem não conhece os políticos, pensadores e editorialistas que confundem as garantias de independência dos juízes com privilégios?
Aqueles serão todos ingénuos?
Seria excessiva coincidência.»
Dr. Jorge Langweg, in BOLB

Dos ruídos extraprocessuais

«Paulo Pereira Gouveia não se refere explicitamente a "gangs" e a "ayatolas" mas ficaram os recados. Por se revelar pertinente citamos, na íntegra, a parte da sentença intitulada «Dos "ruídos" extraprocessuais»:
Aqui vai: «Ora, aqui chegados e porque a existência desta acção popular sob a forma de processo cautelar tem sido pretexto para "ruídos" exagerados por parte de algumas autoridades políticas e por algumas das aqui partes processuais (como se o mais importante não fosse o processo principal), devo aqui e agora relembrar o que é óbvio:
a) A Justiça nos Tribunais é feita através de um processo legal, com regras, público e equitativo, sendo a judicatura um dos sectores mais fidedignos deste país improdutivo da U.E.;
b) A actividade empresarial privada, a função legislativa ou executiva, a função administrativa e a função jurisdicional não se confundem minimamente numa sociedade democrática como a nossa; esta verdade muito simples em democracia séria parece ainda pouco apreendida por vários sectores da política e da comunicação social;
c) O actual CPTA, que consagra amplamente o mecanismo da acção popular, está em vigor desde 1.1.2004 e foi aprovado por unanimidade no parlamento nacional.
d) Apesar da falta de respeito do órgão de soberania Governo para com os órgãos de soberania Tribunais e seus juízes, esta decisão cautelar de mais de 60 páginas foi preparada e elaborada em 2 dias, como é habitual pelos "privilegiados" juízes portugueses; no entanto, as empresas como a ora contra-interesada e outras deveriam ter sempre em conta que uma Justiça lenta como a que a Assembleia da República e os Governos portugueses têm imposto aos Tribunais é muito prejudicial à economia, mesmo que, às vezes, possa ser uma lentidão que pontualmente beneficia quem amanhã poderá precisar de celeridade judicial».

terça-feira, maio 23, 2006

Magistrados e futebol (II)

O Conselho Superior da Magistratura deixou claro, por deliberação de 17 Março de 2005, que "os juízes em exercício podem desempenhar outras actividades, desde que de natureza não profissional e não remuneradas". Mais precisamente, deixou claro que os juízes podem integrar, como árbitros, a Comissão Arbitral Paritária da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e do Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol, desde que não sejam remunerados para o efeito - podendo ser reembolsados das despesas que comprovadamente efectuem.
Esclarece, ainda, o Conselho Superior da Magistratura que esta faculdade de livre desempenho de outras funções de natureza não profissional - desde que, obviamente, não sejam genericamente ilegais - não implica que os actos praticados no exercício dessas funções deixem de ser disciplinarmente apreciados. Pelo contrário, mesmo no exercício destas funções, o juiz continua a estar sujeito aos deveres que decorrem do seu estatuto.
Ver texto integral da excelente análise da questão, no Dizpositivo, da autoria de Dr. Paulo Ramos Faria.

MP de Lisboa entupido

Mais de 30 mil inquéritos judiciais estão parados há mais de um mês no Ministério Público (MP) do distrito judicial de Lisboa. Cerca de 25 mil tem decisão proferida, de acusação e/ou de arquivamento, mas as partes envolvidas não o sabem. Isto porque não há funcionários para assegurar o envio das notificações."
Várias solicitações foram já dirigidas à Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ), acompanhadas de notas indicativas de atrasos, mas não tiveram a resposta desejada, mantendo-se uma situação inadmissível", afirma o Procurador Geral Distrital (PGD) numa nota de análise sobre a evolução dos inquéritos no 1.º trimestre de 2006, publicada na respectiva página da internet (pgdlisboa.pt).
Segundo Dias Borges, nos serviços de apoio do MP (funcionários), em 31 de Março, eram 25051 os inquéritos a carecerem de cumprimento dos despachos dos magistrados (885 de acusação, 13 609 de arquivamento e 10 557 instrumentais). "Esta é uma situação que perdura há anos", frisa, acrescentando que "todos os círculos judiciais do distrito têm processos com despachos por cumprir nos serviços administrativos, o que é deveras significativo". Trata-se de processos que necessitam apenas de ser enviados às partes envolvidas, notificando-as dos resultados das investigações, ou das diligências requeridas.Aos cerca de 25 mil inquéritos parados nas secretárias dos funcionários, acrescentam-se 4826 que se encontram há mais de um mês nas secretárias dos magistrados à espera que se lhes junte um despacho. "Estamos perante uma situação indesejável", alerta o PGD.
Estes quase cinco mil processos dizem respeito a diligências já realizadas (exames periciais, inquirição de testemunhas, etc.), aguardando-se apenas que o magistrado as oficialize e mande notificar as partes. Porém, sabe-se que, após o despacho, o inquérito vai ficar mais uns tempos nas secretárias dos funcionários - até que chegue às partes.
"Os quadros legais de magistrados do MP são de 1999, sem alterações posteriores", refere Dias Borges, lembrando que, desde então, o numero de inquéritos tem vindo sempre a aumentar. Relativamente aos funcionários do MP a questão é a mesma. "Os quadros legais revelam igual defeito, sendo que em muitas circunscrições nem sequer estão preenchidos", nota o PGD.

Indemnizações a vítimas de crimes violentos

«Há uma falha no sistema de atribuição de indemnizações pelo Estado às vítimas de crimes violentos.
Por isso, apenas dez por cento destas acaba por ser ressarcida dos danos sofridos.Notícia mais desenvolvida no Correio da Manhã .
Comentário: O Estado Português continua a violar o imperativo constitucional que deveria assegurar às vítimas de crimes a necessária tutela efectiva do direito a indemnização por danos emergentes da violação de bens jurídicos (art. 20º, 5, da C.R.P.), no espírito da construção de uma sociedade mais justa e solidária (art. 1º do mesmo texto legal).»
In BOLB

segunda-feira, maio 22, 2006

Magistrados e futebol

"Magistrados não podem nem devem estar ligados às estruturas do futebol"
Por António Arnaldo Mesquita, in Público, 21/05 (ed. impressa)
Procuradores e juízes consideram que os magistrados devem sair dos órgãos jurisdicionais da Liga e da Federação.
A presença de magistrados nos órgãos jurisidicionais da Liga de Clubes e da Federação Portuguesa de Futebol suscita reservas de procuradores e juízes inquiridos pelo PÚBLICO, numa conjuntura em que um desembargador do Tribunal da Relação de Guimarães, António Gomes da Silva, presidente da Comissão Disciplinar da Liga de Clubes, está sujeito a investigação judicial, através de certidão extraída do processo do Apito Dourado. E também, quando esta semana, em Itália, foram tornados públicos os nomes de dois procuradores-adjuntos de Turim, apanhados nas escutas telefónicas que visaram o principal dirigente da Juventus, Luciano Moggi, num processo que está a lançar o caos no futebol transalpino.
Contra também está o presidente da Unidade de Missão da Reforma Penal Rui Pereira "Em geral, sou contra tal participação, devido à projecção pública dessas funções e à possibilidade de o seu exercício afectar, aos olhos dos cidadãos, a isenção e a imparcialidade dos magistrados. Todavia, tal como sustentei num parecer sobre acumulações apresentado ao Conselho Superior do Ministério Público, que foi aprovado por unanimidade, a proibição de acumulação de funções por magistrados acabou por se transformar, paradoxalmente, devido à evolução da legislação, da jurisprudência e da doutrina do Conselho Consultivo da PGR, num regime permissivo em vários aspectos", diz em declarações ao PÚBLICO."
Contra. Absolutamente. É simples: a mistura entre o futebol e os juízes não pode existir, a não ser enquanto espectadores", afirmou António Martins, presidente da Associação Sindical dos Juízes. "Os juízes não podem nem devem estar ligados ao futebol", acentuou.
O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Cluny, não tem uma posição tão radical. "Do ponto de vista legal nada obsta a que qualquer magistrado participe em qualquer órgão dessa natureza". "Mas", acrescentou, "dado o ambiente que se tem criado à volta do futebol profissional, parece avisado que algumas cautelas sejam tomadas antes de qualquer magistrado decidir integrar um órgão desse tipo. Cluny entende que o recebimento de ajudas de custo, de subsídios de refeição e de dormidas grátis em hotéis, gozadas pelos magistrados na sequência de autorização dos conselhos superiores, só deveriam ser usufruídas após um parecer solicitado a esse propósito ao conselho consultivo da PGR".
A juíza Maria de Fátima Mata-Mouros entende que o eventual recebimento de contrapartidas pecuniárias por parte dos magistrados é ilegal e violador da lei fundamental. "No que respeita aos juízes, a resposta está expressa na nossa Constituição desde há trinta anos: " Os juízes em exercício não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada, salvo as funções de docentes ou de investigação científica, não remuneradas, nos termos da lei.""É difícil ser mais claro", realça a antiga titular do Tribunal Central de Instrução Criminal, actualmente em gozo de uma licença sabática. "Não consigo perceber como pode sequer haver alguma dúvida nesta matéria. Uma coisa é o direito de qualquer cidadão (incluindo o juiz) se associar a uma instituição, o que naturalmente não é restringido, outra é o exercício de funções fora dos tribunais, o que é claramente proibido".Esta restrição é, no entender de Maria de Fátima Mata-Mouros, "uma garantia de independência e imparcialidade dos juízes que não deve ser vista como um privilégio destes (incluindo os próprios juízes), mas sim como um direito dos cidadãos a uma justiça isenta". "Uma justiça sem medo, para ser mais clara". E frisa: "Daí que não possa admitir excepções, nem no futebol nem noutra área qualquer, excepto, naturalmente, as de docência que a própria Constituição ressalva. E neste ponto, sim, admito ter algumas dúvidas sobre a adequação da proibição de remuneração à garantia pretendida. Na verdade, ela tem afastado os juízes das faculdades e é pena. Perdem os tribunais e perdem as universidades com o virar de costas entre a doutrina e a jurisprudência".
A magistrada judicial distingue o exercício da investigação e da docência pelos magistrados e o envolvimento dos magistrados nos órgãos de tutela do futebol. "O perigo para a independência do juiz nos casos de exercício de investigação ou docência numa faculdade é mínimo, até pelo princípio também constitucional que impõe a liberdade de ensino, e os institutos do impedimento ou recusa são suficientes para afastar o eventual perigo de imparcialidade. Seja como for, a Constituição proíbe qualquer remuneração. A minha resposta só pode ser no sentido do cumprimento daquela proibição. Sem excepções ou subterfúgios", concluiu. "Pessoalmente tenho dúvidas que, face ao estatuto dos magistrados, essas remunerações possam existir. Mas, mesmo que podessem existir não deveriam ser possíveis", acentuou António Martins. Maria José Morgado, explica, por seu turno, que "o princípio da não remuneração de algumas actividades "particulares" ( isto é, fora dos tribunais), cujo exercício é excepcionalmente permitido aos magistrados, visa proteger a função de vulnerabilidades indesejáveis".

A (in)dependência do Poder Judicial

«O art. 203º da Constituição da República Portuguesa afirma, de forma clara, que os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei.
Em que consiste essa independência?
A independência de um órgão de soberania compreende:
a) a sua independência política (ou funcional); e
b) a sua independência a nível administrativo.
A independência política do Poder Judicial está ligada ao exercício da função jurisdicional: «Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo» (art. 202º da C.R.P.).
Nestes termos, incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.
Compete aos tribunais, designadamente, defender a liberdade dos cidadãos contra o arbítrio de toda a espécie de poder - sobretudo do poder político -.
Quanto à independência administrativa – ligada ao “autogoverno da magistratura” – esta consiste na aptidão do poder judicial gerir, com autonomia, os elementos pessoais e os meios materiais e financeiros imprescindíveis para o exercício da função judicial – neste sentido, entre outros, o Professor José de Albuquerque Rocha, in Estudos sobre o Poder Judiciário, São Paulo, Malheiros, 1995 -.
Se a independência política dos Tribunais está assegurada em Portugal, isso já não sucede quanto à independência administrativa.
Os factores de ineficiência da administração da justiça, em Portugal, são imputáveis, em grande medida, a essa falta de independência dos Tribunais».

Soberania em BUS

«Segundo notícia publicada hoje no Jornal de Notícias, o Tribunal Judicial de Esposende passou a funcionar na nova central de camionagem, mediante contrato de arrendamento celebrado entre a Câmara Municipal de Esposende e o Ministério da Justiça.
Essa situação vai durar cerca de 12 meses, devido a obras no edifício do tribunal que se iniciaram no início deste mês.
O presidente da Câmara Municipal de Esposende considerou a propósito "que a mudança não implica qualquer condicionalismo ao funcionamento da central de camionagem, pois os serviços do tribunal irão ocupar apenas os espaços comerciais da infra-estrutura".
Comentário: Quando as pessoas consideram normal um órgão de soberania ser colocado numa central de camionagem, fica tudo dito quanto à noção do prestígio dessa instituição.
Alguém imaginaria que a residência oficial do Presidente da República, a Assembleia da República ou um qualquer Ministério poderiam funcionar, provisoriamente, numa central de camionagem?
Para reflectir».
In BOLB

domingo, maio 21, 2006

A Net do Governo actual

«Agora que todos os nossos governantes nos aconselham, alfabetos e analfabetos, o recurso à salvadora net, nada mais ingrato do que consultar as páginas dos Institutos dependentes do Ministério da Cultura. Será exercício de ironia fina e, por isso mesmo, altamente recomendável.
Consultai o www.iartes.pt e vereis a enorme quantidade - já ilegível - de diplomas anulando-se uns aos outros, correcções, alterações, rectificações que o Instituto, Sísifo institucional, vai produzindo na sua cegueira burocrática.
Mas mais apaixonante é o site www.iplb.pt . O Instituto, diz-se (não gosto da prosa, mas é o que lá está), foi criado em 1997 para "definir e implantar uma política integrada que, desde o criador ao leitor, entendesse que o livro, para além da sua valência cultural, é um bem económico ".
Lede então o que diz respeito ao apoio do Instituto " à publicação de revistas culturais". Não é que lá se diz que a "abertura dos concursos [para 2006] será numa data a anunciar posteriormente" e que a divulgação dos resultados será "no final do primeiro trimestre de cada ano" (e estamos em Maio). E, no que respeita à "edição de obras no domínio da Dramaturgia Portuguesa Contemporânea" , se prevê a abertura dos concursos no "primeiro trimestre de cada ano" ( continuamos em Maio...) com "divulgação dos resultados no final do primeiro semestre de cada ano." (é para o mês que vem...)?
Ironia à parte - para que serve irmos à net se nela não estão as informações que deveriam estar? E para quê estes esquecidos sites melancólicos sobre os quais o tempo parece não passar?»
Jorge Silva Melo, Director de Artistas Unidos, in Público (ed.impressa)

quinta-feira, maio 18, 2006

Eleições ASJP

AINDA HÁ DÚVIDAS ?
«Muito mais que um tema que me não é obviamente indiferente, é para mim primeiro que tudo um imperativo de consciência vir a terreiro pronunciar-me quanto às próximas eleições (repetidas) para a Regional Sul da ASJP.
Não se trata de vir relembrar os méritos pessoais dos candidatos da Lista B, que bem conheço e muito prezo; nem cabe propriamente vir agora aqui recordar as virtudes de um programa eleitoral cujo único propósito é servir a Justiça e os juízes portugueses, à margem de quaisquer outras motivações ou interesses.
Mas não será difícil concluir que a lista B é a melhor opção que se apresenta nesta eleição.
Os candidatos da B têm trabalho feito em prol da ASJP, de que o projecto ‘Tribunal XXI’ é o melhor exemplo, por muito que isso custe a algumas memórias curtas ou mentes distraídas.
Os candidatos da B dão garantias de não virarem a cara ou assobiarem para o lado, como recentemente se viu a propósito do inconcebível inquérito aos juízes promovido pela DGAJ.
Os candidatos da B propõem-se prosseguir uma acção associativa independente e consequente, e não renegam os princípios e os valores traduzidos nos estatutos da ASJP.
Os candidatos da B serão certamente, quer a nível regional, quer no âmbito da DN, e tal como já sucede com os colegas da Regional Norte, a voz corajosa que não teme desafios nem se refugia em lógicas do "politicamente correcto".
É por tudo isto, e por muito mais, que pessoalmente nunca tive dúvidas quanto a esta eleição.
Pelos muitos comentários que ultimamente tenho ouvido, (e lido), acredito que muitos dos nossos colegas, até há pouco indecisos, ou mesmo desmotivados, também têm hoje cada vez menos dúvidas. Porque têm hoje razões acrescidas para optarem com convicção, e para votarem na Lista B.
Por isso, e plagiando o nosso amigo Jorge Langweg, vamos todos votar Bem.
Alexandre Baptista Coelho

quarta-feira, maio 17, 2006

Separação de Poderes

«Numa notícia publicada hoje no jornal (Jornal Região de Leiria) consta que um Senhor Deputado afirmou que «ao avaliarem as providências cautelares interpostas por várias autarquias e movimentos cívicos para impedir o fecho de maternidades pretendido pelo governo, os tribunais não estão a respeitar o princípio constitucional da separação dos poderes de órgãos de soberania.»
Essa afirmação é grave. Muito grave.
Não seria tão grave, se tivesse sido proferida por um Senhor Deputado com formação em engenharia, filosofia, ou mesmo sociologia...
No entanto.., foi produzida por um licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Não seria tão grave se fosse proferida por um Senhor Deputado da Comissão de Orçamento e Finanças.
No entanto... foi manifestada pelo Presidente da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Pela amostra, preocupantemente significativa, ficamos cientes do convencimento dos políticos portugueses: pelo menos a acção do Governo não pode, nem deve ser controlada, quanto à sua legalidade.
Estamos esclarecidos».
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RESPOSTA DA ASJP
Em resposta a Osvaldo de Castro, o presidente da Associação Sindical dos Juízes, António Martins, disse à Antena 1 que os juízes "respeitam a separação de poderes" mas não aceitam "tentativas de interferência de responsáveis políticos sobre o que devia ou não ser alvo de decisão judicial".
António Martins esclareceu que a suspensão de eficácia dos despachos do Governo que determinam o fecho de maternidades "não são uma decisão de fundo", limitam-se a seguir o que está previsto na lei, quando é intentada uma providência cautelar.