1. Ontem, o Senhor jornalista José Vítor Malheiros, no Público (edição impressa, artigo "Índex"), insurgiu-se pelo Tribunal Criminal do Porto ter condenado um político pelo mesmo ter chamado ernegúmeno a outro político. Entende o mesmo jornalista que "nem tudo o que é socialmente criticável, politicamente inadmissível ou indelicado deve ser proibido, pois corremos o risco de deitar fora o bebé (e o bebé aqui é nada menos do que os direitos individuais) com a água do banho. Que os juízes de uma democracia queiram controlar o léxico do debate público é mais do que preocupante: é inaceitável".
Na sua cruzada anti-judicial, este senhor jornalista parece desconhecer que existe uma norma no Código Penal, precisamente o seu artigo 180.º que estatui que "quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias".
Quem continua a legislar é o Parlamento, limitando-se os Tribunais a aplicar as normas que o poder legislativo e executivo fazem publicar no Diário da República.
Os juízes não controlam qualquer léxico. Limitam-se a aplicar o léxico dos outros. Os senhores políticos que revoguem os art.º 180.º e 181.º do Código Penal e a partir desse momento poderão todos os cidadãos passar a chamar "ernegúmeno" (entre outros epítetos) a todo e qualquer que se atravesse no seu caminho sem que sejam objecto de sanção criminal (embora não se livrem de uma indemnização cível...).
Mas porque tal revogação não parece existir no horizonte da reforma penal em curso, suscita-me contudo a perplexidade de saber se porventura alguém - espero que tal nunca aconteça - se dirigir ao senhor jornalista, apelindando-o da palavra supra enunciada, o mesmo aceitará tal inqualificável imputação como fazendo parte integrante do "léxico de debate público".
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2. Na mesma senda, num artigo publicado hoje no Diário de Notícias, o Senhor jornalista Vicente Jorge Silva, empolgando os seus conceitos jornalísticos absolutos e superiores à própria verdade dos factos, posiciona-se simultaneamente como ofendido, acusador e sentenciador da justiça.
O Dr. Paulo Ramos Faria, com a mestria a que já nos habituou, escreveu a este propósito no Dizpositivo:
«Escreve Vicente Jorge Silva, a propósito de um afamado Acórdão: "o Supremo Tribunal de Justiça considerou lícito e adequado o comportamento de uma responsável por um lar de crianças deficientes mentais, acusada de maus tratos a vários menores".
Escreve, ainda, este jornalista, sobre outro caso mediático:
"a Relação do Porto decidia mandar a julgamento uma mulher que roubara quatro queijos de vaca num supermercado. (...) a mulher fora perdoada pelo supermercado (...)".
Talvez não faça grande diferença para o articulista, mas fá-la-á, certamente, para as intervenientes nos casos, esclarecer que a arguida no primeiro processo mencionado cumpre actualmente uma pena de 18 meses de prisão, suspensa por 1 ano, pelo comportamento que Vicente Jorge Silva diz ter o Supremo considerado "lícito e adequado". No segundo processo, não consta do Acórdão da Relação do Porto que tenha havido qualquer desistência de queixa por parte do lesado.
Usurpando o mote da GLQL, é caso para dizer que Vicente Jorge Silva "não deixa que os factos lhe estraguem um bom artigo de opinião".
Escreve, ainda, este jornalista, sobre outro caso mediático:
"a Relação do Porto decidia mandar a julgamento uma mulher que roubara quatro queijos de vaca num supermercado. (...) a mulher fora perdoada pelo supermercado (...)".
Talvez não faça grande diferença para o articulista, mas fá-la-á, certamente, para as intervenientes nos casos, esclarecer que a arguida no primeiro processo mencionado cumpre actualmente uma pena de 18 meses de prisão, suspensa por 1 ano, pelo comportamento que Vicente Jorge Silva diz ter o Supremo considerado "lícito e adequado". No segundo processo, não consta do Acórdão da Relação do Porto que tenha havido qualquer desistência de queixa por parte do lesado.
Usurpando o mote da GLQL, é caso para dizer que Vicente Jorge Silva "não deixa que os factos lhe estraguem um bom artigo de opinião".
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3. De facto, há razão para questionar por que razão alguns jornalistas transformados em opinion makers querem fazer prevalecer a sua opinião sobre a verdade dos factos, repetindo até à exaustão precisamente o oposto ou extraído fora do contexto, as decisões proferidas pelos Tribunais, mas simultaneamente tomando por verdade absoluta a propaganda fictícia emanada por quem tem autonomia financeira para contratar manchetes jornalísticas mas não concede a autonomia administrativa básica para o regular funcionamento de um órgão de sobernia que diariamente resolve problemas de centenas de cidadãos e empresas. O certo é que, os que hoje vendem os seus artigos para certos jornais, já antes tiveram que recorrer aos Tribunais que hoje criticam para verem reconhecidos os seus direitos de personalidade, honra e bom nome. E provavelmente terão também que o fazer no futuro. Só espero que nesse futuro os Tribunais e os Juízes não tenham sucumbido por causa da demagogia, ainda tenham efectiva independência e não sejam simples autómatos aplicadores de leis injustas, como alguns os querem tornar.