sexta-feira, março 31, 2006

Lei da Rolha

A propósito das crescentes reportagens em jornais e estações de televisão, sobre condições e edifícios de Tribunais, denunciando o estado gravoso, indigno e perigoso para quem neles desempenha funções e para os cidadãos em geral, de que são exemplos mais recentes, o de Gaia que no fim de semana passada ficou inundado nos 3.º e 4.º juízos criminais, obrigando os funcionários a secar os processos com um ventilador ... (ver notícia do JN) e o de Valongo a que se refere o post anterior - entre outros a que já fizemos referência neste blog - é interessante observar a forma como o Ministério da Justiça que tem a responsabilidade de gerir e manter o funcionamento dos edifícios e equipamentos dos Tribunais pretende que tais situações sejam ocultadas, evitando a sua denúncia pública, como enuncia o comentador de um post anterior, numa verdadeira «lei da rolha».
Com efeito, a Direcção Geral da Administração da Justiça remeteu a todos os tribunais o Ofício-Circular n.º 22/2006 onde "lembra" ser o serviço responsável pelo apoio ao funcionamento dos tribunais em caso de ocorrência de anomalias (assaltos, inundações, incêndios), determinando o seguinte:
- os senhores secretários de justiça não poderão autorizar a tomada de imagens no interior do tribunal; e
- os pedidos de tomada de declarações a funcionários de justiça sobre matérias de serviço deverão ser reencaminhados, por fax, para o Secretariado da Direcção da Direcção Geral da Administração da Justiça...
Como muito bem diz o citado comentador, a lógica subjacente a este ofício-circular parece ser a de esconder e manter os Tribunais assinalados sem qualquer honra nem dignidade enquanto órgãos de soberania.
No entanto, como o "Direito Circulatório" só vincula a quem dele está numa relação de dependência hierarquica, nada obsta que o Juiz-Presidente de cada Tribunal, atentas as atribuições que lhe estão atribuídas pela LOFTJ, autorize e mesmo convide os órgãos de comunicação social a visitar e extrair imagens do interior de qualquer dependência dos Tribunais.

Galeria dos Horrores: Tribunal de Valongo

[Prima para ampliar. Extraído de Blog Dizpositivo]
«Sem acessos para deficientes, instalações sanitárias e uma cela usadas como arquivo, escadas a servir de salas de espera e elevador desactivado. Estas são apenas algumas das anomalias detectadas numa vistoria ao Tribunal de Valongo. A câmara exige soluções ao ministério».
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Uma vistoria realizada no passado dia 2 de Março detectou “anomalias graves” no edifício onde se encontra a funcionar o Tribunal da Comarca de Valongo. Em comunicado, a câmara municipal adianta que nomeadamente o acesso, mobilidade e circulação para indivíduos de mobilidade reduzida não está garantida nos termos da lei. O auto da inspecção aponta ainda como falhas a inexistência de instalações sanitárias para o público e o não funcionamento do elevador também destinado ao público. O documento salienta mais à frente que as ditas casas-de-banho e uma das celas para presos estão a ser usadas como depósito/arquivo. As anormalidades detectadas estendem-se ainda à falta de salas de espera, pelo que as pessoas têm obrigatoriamente de se aglomerar nas escadas e espaços de circulação, obstruindo caminhos destinados a evacuação em caso de emergência como por exemplo de incêndio. No piso da cave e do rés-do-chão, os percursos de circulação e evacuação encontram-se mesmo tapados por processos e bens apreendidos, incluindo veículos motorizados com depósitos com combustível. Ainda no âmbito do cumprimento das normas a propósito de hipotéticas evacuações que venham a ser necessárias, o auto da vistoria alerta que o edifício não está dotado de todos os meios de combate a incêndio, designadamente sinalética, iluminação de emergência e encaminhamento das saídas de emergência.A inspecção foi executada pela Comissão Municipal de Segurança, da qual faz parte uma equipa de peritos composta por uma arquitecta e um técnico profissional, e um representante dos Bombeiros Voluntários de Valongo. Em declarações ao JANEIRO, o vereador Miguel Santos da Câmara de Valongo manifestou-se indignado com as condições do Tribunal, garantindo, porém, que as conclusões da vistoria não constituíram qualquer surpresa.
Provisório há 13 anos
O Tribunal da Comarca de Valongo foi acomodado nas actuais instalações de forma provisória em 1993. Um provisório que o autarca Miguel Santos considera como que definitivo pelo facto de “ao longo destes anos não se ter acompanhado a evolução dos tempos e com a agravante de ter aumentado o trabalho e o público”. “A autarquia tem feito um esforço para promover a construção de um novo Tribunal”, garantiu, avançando que inclusivamente foi já cedido um terreno na Nova Centralidade de Valongo ao Ministério da Justiça para a criação de uma nova infra-estrutura. Miguel Santos afiançou ao JANEIRO que o Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça considerou o terreno inadequado, tendo a câmara se disponibilizado a encontrar uma outra solução. “O Ministério tem andado em avanços e recuos apesar da pressão” da edilidade, concretizou.
Ofícios
O presidente do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça e o juíz-presidente do Tribunal de Valongo foram já contactados pela Câmara de Valongo a propósito dos resultados da vistoria. O vereador Miguel Santos assumiu ter sido enviado um ofício para ambas as entidades juntamente com o auto da inspecção, assegurando que “da parte do referido Instituto chegou uma resposta do seu presidente dizendo não concordar com a vistoria e que o Tribunal tem condições de funcionamento”. A edilidade voltou ontem a enviar nova carta, declarando-se muito preocupada e exigindo que o Ministério da Justiça assuma responsabilidades neste processo. O vereador indicou ainda que no PIDDAC não existe rubrica para o Tribunal, por isso “ainda não é este ano a construção das instalações definitivas”.

quinta-feira, março 30, 2006

Que justiça nos reserva o governo?

Coluna do Leitor d'O Primeiro de Janeiro
Por A. Álvaro de Sousa.
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O projecto de lei do governo sobre política criminal vem dando lugar a muitas e diversas interrogações, quer nos meios políticos, quer nos meios judiciais, não se livrando de preocupantes reservas por parte de analistas destas coisas da justiça.
No seu mais recente escrutínio, o documento foi motivo de aceso debate na Assembleia da República, em cuja discussão se envolveram deputados da oposição, todos eles questionando a bondade da proposta, nela vendo essencialmente preocupações de “suborçamentação consciente”, ouvindo-se que o governo pretende “fazer omoletas sem ovos”.
E como já vai sendo habitual, o ministro da Justiça em resposta à deputada Odete Santos, que na sua intervenção houvera dito que “isto soa a um ajuste de contas [com o Ministério Público] o que corresponde a uma expressão que ouvira na comissão que saiu da boca de um deputado do PS: agora é que isto vai começar a doer”, Alberto Costa melhor não encontrou do que avançar esta coisa mirabolante “o problema é saber quem opta e quem é responsabilizado”, ao que retorquimos: o problema é saber quem suporta as consequências de práticas governamentais que reduzem a segurança das pessoas, que as priva do serviço da justiça, que estimula a actividade criminosa, que, eventualmente, põe a bom recato actividades delituosas de agentes políticos.
Certamente que esta lei receberá o beneplácito da maioria circunstancial existente na Assembleia da República, num exercício de submissão ao governo, e eventualmente com interesse para alguns dos seus membros, que por via dela se sentirão menos “apertados” pelo Ministério Público. Registando-se este triste acontecimento, o actual Presidente da República ou o futuro Supremo Magistrado da Nação, prestará um inestimável serviço à credibilidade da Democracia e à segurança dos portugueses, se usarem o seu direito de veto, devolvendo o documento à Assembleia da República com a mensagem de que não devem legislar no sentido de fomentar a criminalidade em Portugal, nem colocar os portugueses em situações em que, quando vítimas de pequenos crimes, devem avançar para crimes maiores, invertendo a sua posição: passando de vítimas a arguidos, para que agressores e criminosos se riam da angústia dos destinatários dos seus actos.
Este ministro, que já no passado deu provas de não ter jeito para resolver problemas complexos, teima em continuar a dar razão a quantos dele têm essa imagem, não percebendo que a lei deve afirmar que todos os cidadãos têm o direito a que as autoridades assegurem a defesa dos seus bens, físicos e patrimoniais, independentemente da gravidade e do montante em causa, e que os delinquentes ou criminosos, não devem beneficiar de santuários construídos nas leis da República, escorados no frágil substrato de alegada falta de recursos financeiros.
O que se impõe, é que o governo organize a lista de prioridades de forma diferente, assegurando que não faltem os meios financeiros para garantir o respeito pelos direitos dos cidadãos, sacrificando em seu nome, custos em despesas gerais de funcionamento de ministérios, institutos, governos regionais, autarquias locais, obras faraónicas, etc.
O autismo governamental parece impedi-lo de ver e interpretar os sinais recentemente enviados pelos cidadãos, o que se traduzirá numa tragédia democrática.
Com efeito, não precisaremos de uma lei que isente o Ministério Público de cumprir o seu dever de investigar tudo quanto seja crime denunciado ou público. O que faltará, é uma entidade que tome conhecimento e escrutine todos os processos de averiguações que recebam o despacho de “arquive-se” e de todas as participações que, eventualmente, não sejam tratadas atempadamente. Portugal já se confronta com crimes, pequenos e grandes, em quantidade mais que suficiente, não carecendo de medidas legislativas que aumento o seu número e proteja os seus autores.
Quem precisa de se reforçar é o País e a Democracia, não aqueles que das suas leis fazem “tábua rasa”.

terça-feira, março 28, 2006

Lucidez - 2. Eduardo Maia Costa

«SEPARAÇÃO DE PODERES
A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da AR hesitou, hesitou, mas acabou por aceitar o pedido dos jornalistas do 24 Horas para serem ouvidos nessa comissão sobre a sua versão relativamente à busca judicial realizada na redacção daquele jornal. A única dúvida da comissão é se a audição é à porta aberta ou à porta fechada. Apenas um problema de portas, mas que será ultrapassado, mais porta, menos porta.
Trata-se portanto de um inquérito informal sobre um inquérito criminal a decorrer. Não me lembro de uma intromissão assim, em trinta anos de regime constitucional, do poder legislativo no poder judicial. Parece que aquela comissão tem uma concepção expansiva dos poderes parlamentares, ignorando frontalmente o princípio da separação de poderes, que é um pilar do Estado de direito e vem enunciado no art. 2º da nossa Constituição. Numa Comissão de Assuntos Constitucionais é elementar o conhecimento da Constituição
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«SOCRATITE AGUDA
É uma doença de intelectuais. Ataca o órgão da vista e a faculdade do discernimento. Os olhos passam a ver tudo cor-de-rosa e o entendimento é afectado por um atrofiamento do sentido crítico e um empolamento do fascínio pela autoridade.Mas não é muito grave, pois é recuperável e até sem tratamento.É só deixar passar o tempo...»
Ambos os textos em SINE DIE

Lucidez - 1. M.António Pina

"O ministro Alberto Costa ficará na História (resta saber em que género de História) pelo desassombro com que está a pôr em prática, na parte que lhe toca, o sonho inconfessado de todos os políticos um país para eles e outro para o resto dos cidadãos.
Depois da operação "Contra as corporações, marchar, marchar", chegou a vez, com a reforma penal, da operação "Um país, dois sistemas", espécie de orwelliano "Triunfo dos porcos" judiciário: todos os cidadãos são iguais perante a lei, mas uns são mais iguais que outros. Já se sabia que um dos privilégios da corporação dos políticos será o de não ser escutada senão com autorização de um tribunal superior, enquanto para mandar escutar um cidadão comum bastará um comum juiz de 1ª instância. (E se um juiz de 1ª instância autorizar uma escuta a um comum cidadão corruptor e este for apanhado a corromper um político? Servirá a escuta para condenar o corruptor mas não o corrupto?) Soube-se agora - se o leitor não acredita consulte o projecto de novo Código Penal - que, se mesmo assim um político corrupto vier, por milagre, a ser condenado, não será preso. O pior que lhe poderá acontecer é ser demitido. Fátima Felgueiras tinha, como se vê, boas razões para voltar do Brasil.
MANUEL ANTÓNIO PINA, IN JN (27/03)

segunda-feira, março 27, 2006

Os burocratas

A REFORMA DO CAMARTELO
:: O país tem um problema seriíssimo de desertificação do interior e de perda alarmante de vitalidade demográfica, que não se combate fechando as escolas, as maternidades, os correios, os apeadeiros de caminho-de-ferro e da rodoviária nacional e exportando para as cidades o padre, o mestre-escola, o João Semana, o polícia, o notário, o juiz e o presidente da junta de freguesia.
:: O selo do carro passa a ser pago obrigatoriamente pela Internet, neste país onde 80 por cento da população não a tem. Cada um fica obrigado a fazê-lo no mês da matrícula do respectivo veículo (direito à diferença em versão rosa). Depois, espera que lhe chegue uma série de números (não sei se pelo computador do vizinho mais próximo). Quando os receber vai, obrigatoriamente, ao Multibanco e paga. Volta a aguardar. O selito chegará pelo correio. Simples! Cómodo! Eficaz! Parece que da Finlândia já pediram o projecto! O primeiro anunciou 400 medidas para combater a burocracia, mas esqueceu-se dos burocratas.
SANTANA CASTILHO, IN PÚBLICO (ED.IMPRESSA)

A visão do anterior ministro

José Pedro Aguiar-Branco «chumba» alteração das férias judiciais
O ex-ministro da Justiça, Aguiar-Branco faz um balanço negativo no que confere à actuação governativa no campo da Justiça. A alteração das férias judiciais constituíram a pior medida do Executivo de José Sócrates, segundo o advogado, que apela a um consenso alargado a bem do sector.
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Como advogado e ex-ministro da Justiça como vê o actual panorama do sector?
Algumas das medidas realizadas no campo da Justiça, que é o que conheço melhor, são positivas, nomeadamente aquelas que se traduzem na concretização de alguns projectos que já vinham até do anterior governo. Faço notar que uma das bandeiras que é a da empresa na hora foi toda ela preparada e trabalhada ainda no anterior executivo e ainda bem que este Governo a concretizou, porque significa um bom contributo. Já não direi o mesmo no que se refere às férias judiciais que foi tida como uma bandeira, mas originou uma crispação no sector e que inclusivamente trouxe desprestígio para os agentes judiciais, e no caso das magistraturas. É sempre mau quando se descredibiliza um sector fundamental num Estado de direito democrático. Em resumo, aquilo que se esperava que acontecesse não aconteceu, aquilo que se prometeu fazer não se realizou e com isto os portugueses têm revelado alguma insatisfação.
Como classifica a acção deste Governo e do seu líder?
O que se tem revelado mais no Governo, nomeadamente no seu Primeiro-ministro é a teimosia na afirmação de algumas medidas e menos a questão da firmeza e da coerência, porque aquilo que é muitas vezes o sentido meramente estético não corresponde depois na prática aquilo que se passa. Este Governo tem revelado muitas vezes virtudes públicas mas também vícios privados.
Pode exemplificar?
Voltando à Justiça, relembro que é muito mais difícil fazer a revisão do mapa judiciário, adequando os meios que são necessários e que a Justiça tem, aquilo que é a procura, do que fazer um decreto de lei que altere as férias judiciais, mesmo parecendo que seja um gesto de grande firmeza, mas que é mau para o sector. As medidas de fundo devem acontecer, as pessoas devem acreditar que os sacrifícios são em prol de alguma coisa. Portanto, os portugueses apenas têm visto o lado do sacrifício mas não vêem o lado da esperança.
Texto Integral in JUSTIÇA & CIDADANIA (OPJ)

Ecos pós-eleitorais

NOVO PRESIDENTE EXIGE RESPEITO DO GOVERNO
O juiz desembargador António Martins, vencedor das eleições para a Associação Sindical dos Juízes (ASJP), espera do Governo uma "atitude de respeito e verdade" nas relações institucionais que irá manter com o ministro da Justiça, Alberto Costa.
(...) Para além da mera contabilidade dos votos, o resultado destas eleições representa ainda uma vitória do Movimento Justiça e Democracia que apoiou a candidatura de António Martins. Pela primeira vez, este movimento conseguiu chegar presidência e aos corpos directivos da ASJP.
(...) Em declarações ao DN, António Martins garantiu que irá colocar em prática o programa apresentado aos 1900 juízes inscritos no sindicato. "Vamos dar cumprimento a um programa que, em síntese, traça duas linhas mestras: através da acção e da palavra, pretendemos reabilitar a imagem e o prestígio do juiz e dar o nosso contributo para a melhoria do sistema de justiça."
Para o juiz desembargador, actualmente colocado no Tribunal da Relação de Coimbra, a justiça deve ser "eficaz, credível e dar ao cidadão uma resposta em tempo útil". Daí que, escudando-se nas palavras do anterior Presidente da República Jorge Sampaio, o magistrado afirme que os juízes "devem ser ouvidos em relação a todas as matérias dos sistema judicial".
E, da mesma forma que garante a Alberto Costa uma atitude de "respeito e verdade", declara esperar o mesmo do ministro da Justiça. "Queremos que as nossas audições tenham um conteúdo substantivo e não apenas formal, só para dar cumprimento à lei", explicou.
Entre as propostas que apresentou aos sócios da AJP, inscritas no seu programa com o lema "Rumo, Estratégia e Atitude", António Martins comprometeu-se a defender um novo mapa dos tribunais, a existência de um número limite (contingentação) de processos por juiz, regras claras de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça e uma bolsa de juízes.
O novo presidente da ASJP, que já passou pela direcção da Polícia Judiciária, considera ainda que tem havido algumas intervenções do poder político para "deslegitimar e desprestigiar a actuação dos juízes, criando condições para atacar o poder judicial e torná-lo dependente".
António Martins insurgiu-se também recentemente contra as anunciadas propostas do poder político sobre as escutas telefónicas a deputados e ministros. E também se manifestou contra a criação de uma comissão para acompanhamento das escutas telefónicas, chegando, num registo irónico, a equacionar a hipótese de uma comissão para as buscas na sequência de uma busca efectuada à casa do dirigente socialista, Jorge Coelho.
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IDENTIFICAR DEFICIÊNCIAS
O juiz desembargador António Martins, eleito sábado à noite presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), afirmou hoje à agência Lusa que vai criar um gabinete de estudo para diagnosticar "as deficiências" do sistema judicial.
Em declarações à Lusa, o juiz desembargador António Martins explicou que este gabinete irá desenvolver "um trabalho de diagnóstico das deficiências conjunturais e estruturais", bem como tentar encontrar "soluções para o estrangulamento" do sistema judicial.
O gabinete, que será coordenado por um membro da nova direcção, propõe-se apresentar publicamente as suas conclusões.
"Queremos um poder judicial mais forte, um poder judicial que funcione bem e que responda às necessidades dos cidadãos. Que tenha qualidade e credibilidade", salientou António Martins, sublinhando que é essencial que os cidadãos tenham mais confiança no sistema e nos juízes como figuras imparciais.
"Queremos devolver a dignidade, a credibilidade e o prestígio à profissão", reforçou António Martins.
IN LUSA

domingo, março 26, 2006

António Martins vence as eleições

POR APENAS 16 VOTOS (*)
«O juiz do Tribunal da Relação de Coimbra António Martins, que lidera a lista A, venceu as eleições de ontem para a presidência da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), avança a rádio TSF. António Martins sucede assim a Baptista Coelho, que se recandidatou.
De acordo com a rádio, António Martins venceu com um total de 541 votos e por apenas 26 votos de vantagem. A lista B, liderada pelo presidente cessante da associação, juiz desembargador Alexandre Baptista Coelho, obteve 515 votos (*).
Mais de mil magistrados votaram mas as eleições terão de ser repetidas no círculo do Sul da ASJP, dado que nesta se verificou um empate - 290 votos para cada juiz candidato - acrescentou a TSF.
Em declarações à TSF, juiz desembargador promete agora cumprir o seu programa e trabalhar para devolver aos cidadãos a confiança nas instituições judiciais. "Vou dar cumprimento ao programa que apresentámos aos eleitores", afiançou, sublinhando a sua vontade de "intervir para melhorar o sistema de justiça e apresentar propostas concretas para isso". António Martins referiu ainda que deseja que "os cidadãos confiem no sistema de justiça" e que "vejam nos juízes a personificaão do poder judicial independente".
A lista A tinha como mote "Rumo, Estratégia e Atitude" e frisava a necessidade de "devolver a dignidade à profissão", alegando que "o prestígio e a imagem dos juízes estão mais degradados" a cada dia que passa. Defende um novo mapa dos tribunais, a existência de um número limite (contingentação) de processos por juiz, regras claras de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça e uma Bolsa de Juízes.
António Martins foi responsável do Departamento Central de Investigação ao Tráfico de Estupefacientes (DCITE) da PJ e é actualmente juiz desembargador no Tribunal da Relação de Coimbra».
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Nota: A lista B venceu para a Regional Norte. A lista A venceu para a Regional Centro. Verificou-se um empate de 290 votos para cada lista da Regional Sul (as eleições terão que ser repetidas para a Regional Sul).
(*) Ver comentário inserto por um leitor quanto aos números da votação:
Lista A = 541 votos
Lista B = 525 votos

sexta-feira, março 24, 2006

Baptista Coelho ao DN

«Alexandre Baptista Coelho dirigiu a associação nos últimos três anos. Foi a voz visível da contestação dos juízes contra o Governo, que culminou numa greve. O recandidato acusa alguns sectores da classe política de quererem domesticar a magistratura e avisa que a independência dos juízes está a ser posta em causa. E não exclui recorrer às instâncias internacionais.
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DN - O que o leva a recandidatar-se?
BC - O apoio que recebi de muitos colegas, e não posso defraudar expectativas.
O seu mandato ficou marcado por uma grande confrontação com o Governo. Voltaria a optar pelo caminho da greve?
Na generalidade, não me arrependo de nada do que foi feito. A grande adesão que a greve teve é a melhor resposta para o acerto da decisão que foi tomada.
Mas a lista adversária acusa-o de se limitar a meras reivindicações, sem ter um rumo...
É sempre mais fácil criticar que fazer. Só quem não foi ao congresso depois da greve é que pode fazer essa crítica sem sentido.
Admitem parar de novo se o Governo mantiver a ofensiva de que se dizem alvo?
A greve é uma arma que não pode ser banalizada e não está no nosso horizonte, existem outros meios ao alcance dos juízes para defender a sua independência.
Quais? Até onde admite ir?
Poderemos recorrer às instâncias internacionais, denunciando eventuais violação da regra da separação de poderes.
A independência dos juízes está em risco?
Se houver desejo de politizar os tribunais superiores, de instituir as carreiras planas e de impedir que os juízes se assumam como titulares de um órgão de soberania, então a independência do poder judicial está em causa.
E é isso que está a acontecer?
Neste momento, sim.
A classe política quer abafar o poder judicial?
Há sectores da classe política que têm apetência por controlar ou domesticar a magistratura. Quem convive bem com um poder judicial fraco é quem não convive bem com a legalidade.
O que pode fazer a associação para inverter esta situação?
Defender a independência dos juízes e reforçar o prestígio da magistratura . Continuaremos a denunciar as disfunções do sistema e a passar a mensagem de que os juízes quando levantam a voz não é por interesses pessoais, mas para que exista uma justiça de qualidade.
De que forma deve reorganizar-se o mapa judiciário?
Deve passar pela reorganização do País em termos de comarcas e deve sempre ser compatibilizada com a organização administrativa do País. E deve passar por uma aposta da especialização dos tribunais de grandes dimensões.
Como está a correr a marcação de férias?
É a confusão total. Os mapas já deviam estar afixados a 9 de Março e ainda não existe nada. O Governo devia ter a coragem de uma vez por todas de dizer que vai acabar com as férias judiciais.
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Nota: O texto supra era o único disponível na edição on-line do Diário de Notícias. Entretanto, o VexataQuaestio publicou o texto integral das duas entrevistas - incluindo a efectivada ao Juiz Desembargador Dr. António Martins.
Aqui se deixa o link para o aludido post, transcrevendo-se do mesmo as "três metas" dos dois candidatos:
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Metas da candidatura de Dr. Baptista Coelho:
- Gabinete do juiz: Baptista Coelho promete lutar pela criação deste organismo, que teria um funcionário em exclusividade. A ideia é dar apoio técnico ao juiz em várias áreas.
- Melhores salários: A revisão do estatuto remuneratório dos magistrados judiciais, na linha do protocolo assinado em 2003, será outra batalha, se for eleito.
- Magna Carta: Consiste na criação de uma lei-quadro da magistratura, com força paraconstitucional, e à qual se subordinariam estatutos e leis orgânicas. A defesa da independência do juiz face ao poder político é assumida como uma prioridade.
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Metas da candidatura de Dr. António Martins:
- Observatório dos tribunais: Criar, na dependência da direcção da associação, um organismo para colocar os juízes na linha da frente pela melhoria do sistema de justiça.
- Livro branco do poder judicial: Que vai condensar o diagnóstico de todos os confestionamentos no funcionamento dos tribunais, apresentando várias soluções.
-Devolver dignidade: António Martins promete defender de forma intransigente a independência dos magistrados judiciais e devolver ao juiz o patamar de dignidade imposto pelo seu estatuto político-social e profissional.

quinta-feira, março 23, 2006

Leituras

RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
Texto da Proposta do Ministério da Justiça
» Texto integral (site do MJ)
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10 DEPUTADOS GASTAM 267 MIL
«Em 2005, os dez deputados que mais viajaram em nome da Assembleia da República gastaram cerca de 12 por cento do Orçamento previsto para as ‘deslocações ao estrangeiro’ de um total de dois milhões de euros dotados para o efeito. Entre passagens, alojamento e ajudas de custo, contabilizaram-se 267 mil euros.
No ano anterior, os parlamentares com maior número de saídas do País fizeram despesas na ordem dos 392 mil euros, correspondentes a 17 por cento das contas num universo de 2,2 milhões.O actual presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, e o seu antecessor, Mota Amaral, bem como o presidente da Comissão de Defesa, Miranda Calha, integram a lista de parlamentares com mais viagens oficiais, por motivos de representação do órgão legislativo do Estado no estrangeiro.
(...) Em 2004, os deputados que mais viajaram em nome do Parlamento gastaram 85 mil euros em alojamentos e 84 mil em ajudas de custo. Comparando com o total de deslocações ao estrangeiro para o mesmo ano (2,2 milhões de euros), os hóteis representaram 16,9%, ao passo que as despesas de representação foram de 21,2% do universo total de gastos. Em 2005, a verba gasta com hóteis não chegou a 70 mil euros: 13,6% de 2,2 milhões de euros. As ajudas de custos cifraram-se em 52 mil euros».
» Ler mais (in Correio da Manhã)
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CRIME MAIS VIOLENTO
«Há sinais preocupantes de que o crime está mais violento para as vítimas. O acesso a armas de fogo é cada vez mais fácil e os criminosos não hesitam em agredir ou abrir fogo. As autoridades preparam respostas e ontem polícias e Ministério Público discutiram o fenómeno num encontro em Lisboa.
O nível de violência associado aos crimes praticados na Grande Lisboa está a aumentar. Contra as estatísticas policiais, que traduzem uma descida da ‘criminalidade violenta’, a percepção dos polícias é a de que os criminosos, muitas vezes jovens com fácil acesso a armas de fogo, não hesitam em recorrer à violência. Ontem, Polícia Judiciária, PSP, GNR e Ministério Público estiveram lado a lado, numa conferência, em Lisboa, à procura de soluções para um fenómeno cada vez mais preocupante. Algumas respostas vão surgir a curto prazo».

» Ler mais.
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MAGISTRADOS COMBATEM CRIME ORGANIZADO
O Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, do Ministério Público (MP), está a dar corpo a uma estrutura específica de magistrados especialmente vocacionada para o combate ao crime violento e organizado, seguindo o caminho da especialização no combate a um fenómeno que é talvez a causa mais importante do sentimento de insegurança. A opção não será, para já, implementada no DIAP do Porto, uma vez que este departamento do MP já tem, em termos operacionais, um magistrado especializado em crime violento.
» Ler mais (JN)
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DA JUSTIÇA
«Lenta e pesadona, presa de movimentos pelos excessos garantísticos do Processo, as possibilidades infindáveis de recurso, de arguição de nulidades, impedimentos, reclamações e incidentes de toda a ordem e a propósito de tudo e de nada logo desde a fase de instrução, e depois por aí adiante até ao julgamento (nos casos em que, por milagre, os processos chegam a julgamento), a Justiça, particularmente a Justiça penal, é facilmente "levada ao engano" por arguidos ágeis de imaginação e de escrúpulos e com meios para pagar a advogados que espiolhem o CPP à cata de empecilhos capazes de fazer tropeçar o bicho. "Chapeau!" (...)»
ANTÓNIO PINA, IN JN.
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CONCURSO AO STJ
O Conselho Superior da Magistratura (CSM) avalia hoje os currículos de cerca de 70 desembargadores, 12 magistrados do Ministério Público e uma jurista de mérito que concorrem para juízes do Supremo Tribunal de Justiça (STJ).Fonte do CSM adiantou à Lusa que esta reunião extraordinária se destina, nos termos da lei, a avaliar o currículo e o trabalho desempenhado por estes candidatos, alguns dos quais irão preencher os lugares vagos para juízes do STJ nos próximos dois anos.A reunião, que terá a participação dos 17 membros do CSM, do Procurador-Geral da República, Souto Moura, e do bastonário da Ordem dos Advogados, Rogério Alves, irá, no fundo, fazer uma «lista de acesso ao STJ», que integra juízes desembargadores, procuradores-gerais-adjuntos e juristas de reconhecido mérito.

terça-feira, março 21, 2006

Edifícios de Soberania ? Onde ?

PROCESSOS DO TRIBUNAL SECOS COM VENTILADOR
Um fim-de-semana sobremaneira chuvoso bastou para que o 6.º piso do Tribunal de Vila Nova de Gaia deixasse perceber falhas de isolamento várias, as quais contribuíram para que inúmeros processos do 3.º e 4.º juízos criminais conheçam, desde ontem, novo poiso.
Aliás, os compactos amontoados de papel tiveram, inclusivamente, direito a ventilador. Para os secar e, assim, evitar o que Adélia Alves, escrivã adjunta, receava "Que alguns processos fiquem de tal forma danificados que seja preciso reconstruí-los. Vamos ver se nenhum caso é irremediável"."Para já, bastante encharcados estão".
A interlocutora do JN segura uma cadeira atafulhada de papelada, alguma dela para ser a nova locatária do 5.º piso e outra para um mais abaixo."Até a portaria ficou inundada! Não reparou?", lança. Uns baldes defendiam a verdade da observação.
Os funcionários deram conta de que poderiam estar na iminência de uma jornada de trabalho diferente mal entraram, às 9 horas. O tecto do 6.º piso - o último do edifício - apresentava diversas manchas, cuja dimensão explicava a celeridade com que a tarefa de desalojamento de processos e mobiliário estava a ser desempenhada.Cadeiras nos corredores, baldes azuis e vermelhos, rodeados de fitas encarnadas - o verde não deu sinal de si -, coloriam o tradicional cinzento.
Os utentes observavam as viagens regulares de vários funcionários, elevador acima, elevador abaixo. Escadas abaixo, escadas acima. Para variar, viajavam pelos corredores mais processos do que pessoas.Na sala do 3.º e 4.º juízos criminais, o chão estava parcialmente levantado. Bem, de qualquer forma, a madeira flutua, dir-se-á.
Os balcões de atendimento ostentavam tudo menos o característico alinhamento, estando, agora, virados para onde desse mais jeito.
Apesar das diligências e de o Sol ter andado, ontem, à vista mais tempo do que no passado fim-de-semana, gordas pingas mantinham a cadência... Do tecto para o chão. Quanto ao regresso dos processos à base, provavelmente, será como a justiça. Tarda mas não falha

Soltas

REFORMAS MILIONÁRIAS ??
«No dia em que foi anunciado que os funcionários públicos alemães foram aumentados em 300 € (é isso mesmo, não há engano!) e em que soubemos (ou melhor, que mais uma vez confirmámos) que os funcionários públicos portugueses continuam a perder poder de compra pelo 7º ou 8º ano consecutivo, alguma CS tem referido, em jeito de contraponto, que nos dois últimos anos tem aumentado o número de "reformas milionárias".
Pelo fim do dia percebi que as ditas "reformas milionárias" eram, na maior parte dos casos, as dos juízes, procuradores e médicos que, logo que se aperceberam da "borrasca" que por aí vinha, trataram depressa, e bem, de se reformarem, pois a vida não está para brincadeiras.
Trata-se, na maior parte dos casos, de pessoas que dedicaram pelo menos 36 anos da sua vida (do melhor tempo da sua vida!) à causa pública, com maior ou menor anonimato, muitas das vezes com sacrifícios pessoais e familiares e sujeitos a avaliação do seu desempenho.
É, pois, de elementar justiça que tenham a sua reforma por inteiro, proporcional ao tempo que trabalharam, aos seus vencimentos e aos descontos que fizeram durante décadas.Se estas são "reformas milionárias" (variam entre os 4 000 e os 7 000 €), como se deverá chamar àquelas auferidas por certas pessoas que apenas trabalham meia dúzia de anos, ou até de meses, escolhidos muitas das vezes apenas por critéris de oportunismo político, que no activo ganham milhares de contos por mês, negoceiam tempos de antiguidade e se reformam auferindo desses mesmos milhares, sem que, muitas das vezes, sejam responsabilizados pelas "asneiras " cometidas?»
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ADVOGADOS: SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
O Conselho Geral da Ordem dos Advogados deliberou nos termos do no n.º 1 do artigo 99.º do EOA, fixar em 250.000 € o valor mínimo para o Seguro de Responsabilidade Civil obrigatório do Advogado que pretenda beneficiar do regime de responsabilidade civil limitada, para vigorar para o ano de 2006, e até nova deliberação do Conselho Geral.
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AJUDAS DE CUSTO E ACUMULAÇÃO DE TRIBUNAIS
O Joeiro, no seu blog de apoio (link) publica em texto integral o Parecer n.º 74/2005 do Conselho Consultivo da PGR (DR, II, n.º 54, de 16.03), que concluiu no sentido de:
«1.º As ajudas de custo a que os magistrados têm direito sempre que se desloquem em serviço da sede da comarca onde estão colocados para a sede de outra comarca, onde também exerçam funções em regime de acumulação (artigo 27.º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais e artigo 100.º do Estatuto do Ministério Público), constituem atribuições patrimoniais com uma finalidade compensatória de despesas motivadas por tais deslocações;
2.ª Verificadas as condições enunciadas no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de Abril, os magistrados - juízes de direito, procuradores da República e procuradores-adjuntos - têm direito ao pagamento de ajudas de custo nas deslocações em serviço por acumulação de funções, a acrescer ao suplemento remuneratório previsto nas disposições conjugadas dos artigos 68.º, n.os 5 e 6, e 69.º, n.º 2, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e dos artigos 63.º, n.º 6, e 64.º, n.º 4, do Estatuto do Ministério Público».
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EDIFÍCIOS DE ÓRGÃOS DE SOBERANIA ... OU NÃO
Sobre a gestão do património imobiliário do Estado, o Sílaba Tónica aborda a situação da sede da Delegação da Ordem dos Advogados do Porto, em comparação com as elevadas rendas que o Estado paga para a instalação de Tribunais, em vez de investigar o valor dessas rendas na construção de edifícios adequadamente projectados para Tribunais.

Eleições ASJP

VOTO POR CORRESPONDÊNCIA
Hoje é o dia recomendado para o envio do voto por correspondência para as eleições dos órgãos sociais da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, na medida em que o voto deve ser recepcionado pela Comissão Eleitoral até sexta, 24. O voto presencial pode ser exercido no sábado, dia 25.
As listas concorrentes já disponibilizaram os últimos conteúdos, nos respectivos websites:
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Lista A (Des. António Martins):
- Mensagem final do candidato a Presidente da Direcção;
- Mensagem do candidato a Secretário da Regional Norte
- Artigo do candidato a Secretário da Regional Centro
- Carta do candidato a Secretário da Regional Sul
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Lista B (Des. Baptista Coelho):
- Mensagem final do candidato a Presidente da Direcção
- Mensagem do candidato a Vice-Presidente da Direcção
- Carta dos candidatos à Direcção Regional Norte
- Carta dos candidatos à Direcção Regional Sul.

segunda-feira, março 20, 2006

STJ: Gestão processual e Internet

Publicado no DR, II, n.º 56, de 20.03.2006 :

Comentário:
A iniciativa é de louvar, não apenas porque permitirá uma gestão processual no âmbito da própria decisão por parte dos Juízes Conselheiros, mas também porque permitirá uma melhor e mais transparente disponibilização da jurisprudência do mais Alto Tribunal ao público em geral e aos juristas em particular.
A tomada de decisão neste moldes só é possível porque o Supremo Tribunal de Justiça goza de autonomia administrativa e financeira. Razão por que seria de valorar esta grande virtude, estendendo a autonomia administrativa e financeira tantas vezes reclamada, não apenas ao Conselho Superior da Magistratura, mas também aos próprios Tribunais Judiciais de Primeira Instância (ainda que essa autonomia pudesse ser apreciada conforme a natureza dos Tribunais, designadamente, no mínimo, sendo aplicada ao nível dos Círculos Judiciais).

Escutas telefónicas - a voz aos Juízes

O Conselho Superior da Magistratura, na sessão do Conselho Permanente de 21.02.2006 tomou uma importante deliberação (hoje dada a conhecer através da Circular n.º 41/2006, remetida para os Tribunais), relativamente à qual os juízes portugueses afectos ou em funções no âmbito da Instrução Criminal não devem perder a oportunidade de denunciar as dificuldades e sugerir soluções.
A aludida deliberação é do seguinte teor:
"Na apreciação da proposta apresentada pelo Exmº Vogal Dr. Edgar Lopes,atento o teor do debate público que está em curso na sociedade portuguesa ede forma a habilitar o CSM a melhor decidir sobre a questão, foi deliberado CIRCULAR pelos Exmos Juízes de direito colocados nos Tribunais de Instrução Criminal ou afectos à Instrução Criminal, solicitando um levantamento das dificuldades reais e efectivas que têm sentido na aplicação do regime das escutas telefónicas, e a indicação das sugestões que tiverem por convenientes para tornar o sistema mais eficaz, sobretudo no que concerne à sua autorização, validação e controlo".

República do medo

"(...) As desigualdades aumentam, as tensões sociais registam-se por toda a parte, e as soluções radicais emergem, contra uma ofensiva horrorosa que está a causar muitos maiores malefícios do que benefícios. Este autoritarismo económico, que tem pulverizado as mais moderadas tentativas dissuasoras, conduz, por outro lado, à unificação de movimentos e de tendências políticas, destinada a reproduzir a implicação social que ela mesma representa.
(...) De facto, o medo instalou-se no dia-a-dia das pessoas. Poderosas forças económicas e financeiras determinam as orientações e os programas dos Governos, inculcam a ideia de que, para haver progresso, é necessário existir o desemprego, a miséria e a desintegração social. Quem recalcitre é ameaçado. Quem se lhes oponha está em perigo.
No problema das representações, as tendências são cada vez mais antagónicas. E os representados não vêem as suas urgências e os seus direitos defendidos pelos representantes. A descredibilização da política advém do facto de os políticos estarem na política para organizar as suas vidinhas.
«Não me parece que toda a gente esteja preocupada com a democracia. Mas, se olharmos hoje o Mundo e, em especial, os novos países industriais e as economias emergentes, vemos que, tal como no final do século XIX, no caso da Alemanha e do Japão, estão combinados o liberalismo económico, o autoritarismo político e o nacionalismo cultural».
(...) A maioria absoluta legaliza decisões; porém, não legitima TODAS as decisões. E numerosas foram tomadas em contravenção às promessas feitas, base essencial da vitória do PS. O desagrado da sociedade portuguesa é notório. O medo aí está. Mas o medo nunca foi bom conselheiro e jamais deu bons resultados».
BAPTISTA BASTOS, in JORNAL DE NEGÓCIOS

Na extrema cauda da Europa

PORTUGUESES SÃO OS QUE MAIS PERDEM
«Os funcionários públicos portugueses são os que estão a ser mais penalizados no seu poder de compra, quando comparados com os seus pares de sete países comunitários. Quer se considerem os que estão com défices excessivos quer os países da Coesão. Embora não sejam os únicos a sofrer as agruras da contenção orçamental, contando com a companhia de franceses e espanhóis, os servidores do Estado português não só tiveram a maior erosão salarial em 2005 - dois pontos percentuais - como são os que sofrem esse embate há mais tempo, desde há seis anos. Um panorama que se repete este ano, pois perderão 0,8 pontos.
Num conjunto de oito países analisados pelo DN (Portugal, Espanha, Itália, França, Reino Unido, Alemanha, Irlanda e Grécia), os britânicos e os irlandeses são os que mais se destacam pela positiva. Tal como em 2005, este ano os funcionários ingleses verão os seus salários aumentar 3,54%, em média, quando a inflação prevista não irá além dos 1,75%, o que reflecte um ganho real de 1,8 pontos. É o reflexo de níveis de crescimento folgados na economia, sem o espartilho do Pacto de Estabilidade e Crescimento (...)

domingo, março 19, 2006

A árdua caminhada...

A ÁRDUA CAMINHADA DE UM CANDIDATO A JUIZ
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Posso dizer que a partir da minha entrada no Centro de Estudos Judiciários só confraternizei na altura do Natal e da passagem de ano. A nossa família é postergada e as saídas à noite acabaram".
Joana não se chama Joana. Pede que ocultemos o seu nome verdadeiro e o seu rosto. Está a fazer a caminhada até à magistratura e prefere, nesta fase, o anonimato. Tem 28 anos, um filho de três, e o tempo contado ao milímetro. Conseguiu passar nas concorridas provas de aptidão para ingresso no Centro de Estudos Judiciários (CEJ), a escola que forma magistrados judiciais e do Ministério Público, foi nomeada auditora de justiça e está agora num tribunal do Ribatejo a receber formação prática.
Para trás ficaram seis meses de formação teórica no CEJ e pela frente tem mais 75 dias de aulas. Só depois, se for aprovada, é que passará à fase de estágio, já como juíza de direito. Para Joana, a caminhada vai ainda a meio. Para outros, a corrida está quase a começar.
Mais de dois mil licenciados em direito concorreram para o curso que se inicia em Setembro. A lista (ainda provisória) foi recentemente divulgada em Diário da República e feita uma observação minuciosa fica-se a saber que, dos 2082 candidatos, 1527 são mulheres, uma tendência que se verifica há já alguns anos. Só 100 terão entrada no CEJ, porque foi este o número de vagas libertado pelo Governo este ano. Passam os que melhores notas tiverem nas provas de aptidão. Não é fácil. Os exames são duros, as matérias a saber na ponta da língua são muito vastas, os calhamaços a "decorar" são mais que muitos. A competição é renhida. E começa já no dia 1 de Abril, com a prova de direito civil, processo civil e comercial. Segue-se o exame de direito e processo penal, e, depois, os candidatos à magistratura são chamados a dissertar sobre um tema social, político ou cultural, que pode ir desde o ambiente, à religião e civilização ou educação e cidadania.
O sonho de ser magistrada
"Sempre tive o sonho de ir para o Centro de Estudos Judiciários". Claúdia Duarte é uma das 1527 candidatas. Tem 25 anos e não sabe ainda qual a magistratura que vai escolher, caso ultrapasse com sucesso todas as etapas - o auditor de justiça só opta pela magistratura judicial ou do Ministério Público após a fase teórico-prática, a que precede a fase de estágio. Concluído o curso na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Cláudia decidiu fazer o estágio para a advocacia para ocupar os dois anos de interregno que a lei impõe entre a obtenção da licenciatura e a candidatura ao CEJ. Cláudia não foi a única a enveredar por esse caminho naquele compasso de espera. Alguns acabam mesmo por ficar pela advocacia, desistindo da candidatura ao CEJ.
Frederico Munoz Saragoça está inscrito para as provas de ingresso, mas provavelmente, segundo disse ao DN, não vai realizá-las. "A ideia era testar os meus conhecimentos, mas em princípio não vou fazer os testes, vou ficar pela advocacia". O caso de Frederico não é único e por isso alguns agentes da justiça têm exigido a extinção daquele prazo de dois anos, para evitar que "os melhores" acabem por optar por outra profisão jurídica.
Outros há, no entanto, que, embora exercendo advocacia há alguns anos, não desistem de tentar o almejado sonho de ser juiz ou procurador... ou simplesmente de tentar uma profissão que dizem ser mais estável. Rui Tomás candidata-se pela segunda vez. É advogado há dois anos. "Não digo que ser juiz é um sonho. Mas a advocacia está difícil, temos mais dificuldade em impôr-nos e a magistratura é mais segura."
Há também, entre os candidatos, quem não saiba muito bem para o que está a concorrer. "Eu penso que concorri para auditor, não tem nada a ver com juiz." Rui Filipe estava convencido que se candidatava para "aqueles inspectores que fazem auditorias aos juizes". Desconhecia que um auditor é um "juiz" em início de carreira.
De auditor a juiz. Os candidatos que melhores notas obtiverem nas várias etapas do concurso ingressam no CEJ, com o tal estatuto de auditor de justiça. E uma nova "viagem" pelos calhamaços se inicia. A avaliação a que vão estar sujeitos é exigente e contínua. Durante 10 meses (seis na primeira fase, quatro depois de passarem pelo tribunal) recebem formação teória em deontologia, medicina legal ou criminologia, bem como em várias áreas do direito - civil, penal, comunitário, constitucional, administrativo. Mas, porque a formação tem sido criticada por ser excessivamente técnica, afastando os futuros magistrados da realidade social, a direcção do CEJ decidiu abrir as aulas a outros saberes. Por isso, em 2005, os auditores começaram a receber preparação em contabilidade e gestão, sociologia e psicologia judiciária, técnicas de informação e comunicação, direitos fundamentais, línguas e, também, imagine-se, em expressão e voz. Uma abertura que, para muitos, continua a ser insuficiente. Pelo meio, passam um ano num tribunal, para, sob a orientação de um magistrado-formador, tomarem contacto com a prática forense - simulam peças processuais e assistem a actos de inquérito e outras diligências. Joana, a tal auditora que está num tribunal do Ribatejo, encontra-se agora na parte final desta fase.
Chega-se, então, à hora da verdade. Concluída a fase teórico-prática, o conselho pedagógico do CEJ procede à avaliação dos alunos. Os que tiverem mais de 10 são "graduados segundo a respectiva classificação", sendo então nomeados juízes de direito ou procuradores-adjuntos, consoante a escolha que tiverem feito. Mas durante 10 meses, ficam com o estatuto de estagiários. Ou seja, já dirigem julgamentos ou actos de inquérito, bem como todas as diligências próprias da respectiva magistratura, mas ainda sob o olhar atento de um formador. Depois de colocados como efectivos num tribunal, ficam obrigados a ter formação complementar durante dois anos. Joana sabe que tem ainda pela frente muitas horas de estudo: "É uma profissão de esforço e de estudo e sei que vai ser assim o resto da vida. "Pelo menos era assim que devia ser. Porque a lei e a realidade social estão em constante mutação, o CEJ organiza todos os anos acções de formação sobre os mais variados temas. Mas a sua frequênca é facultativa. E esta tem sido uma das principais críticas feitas ao modelo de formação dos magistrados.

Desafio aos políticos

JUÍZA DESAFIA PODER POLÍTICO A ASSUMIR OS SEUS PRIVILÉGIOS
A juíza Fátima Mata Mouros desafiou, ontem, o poder político a assumir como um privilégio de classe a proposta para que os deputados e ministros apenas possam ser julgados por tribunais superiores, assim como a autorização para que as buscas e escutas telefónicas apenas possam emanar de juízes destas instâncias. Para a magistrada, se assim não acontecer, tal proposta é "um mau sinal" porque lança "a desconfiança nos juízes de instrução".
A opinião de Fátima Mata Mouros foi expressa, ontem, durante um debate promovido pela candidatura do juiz desembargador António Martins à Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP). Segundo a juíza, por detrás da propostas "só pode estar uma ideia de privilégio que tem a ver com a diginidade da função" para os casos dos deputados e ministros. Porém, exortou, "devem assumir que é um privilégio". Até porque, admitiu, a ideia lança um "clima de desconfiança" nada salutar para a justiça. "Em que medida é que os tribunais da Relação estão mais bem dotados para controlar as escutas?", questionou, lembrando que as cassetes ou os CD's, antes de chegarem às mãos dos juízes, continuam a passar por vários inspectores da Polícia Judiciária.
Também a criação de uma comissão para o acompanhamento das escutas telefónicas, proposta pelo governo no âmbito da reforma penal, mereceu reparos da magistrada: só irá trazer despesa ao Estado.É que, se o papel da comissão passará por fiscalizar o número de escutas realizadas e os meios, a magistrada considera que ambas as competências estão sob a alçada de duas instituições já existentes: a Inspecção Geral da Justiça e o Ministério Público.
Menos diplomático nas críticas às propostas do governo foi o candidato à ASJP. António Martins, juiz desembargador do Tribunal da Relação de Coimbra, começou por criticar as reformas "a reboque de um caso concreto e tendo em conta uma classe concreta".
Recordando a sua experiência como juiz de instrução, António Martins apontou a falta de meios para ouvir as cassetes das escutas e disse que quando passaram para o formato de CD não havia computadores e software para as ouvir. "É um exemplo concreto de como o poder político nunca se preocupou naquela altura com o juiz de instrução, porque não havia deputados e ministros a serem escutados.
"No que diz respeito à comissão de acompanhamento das escutas telefónicas, o desembargador António Martins ironizou: "Fiquei surpreendido porque não houve uma comissão de acompanhamento das buscas. É que houve uma busca para procurar um tabuleiro de xadrez valioso. Não sei se o senhor era ministro ou deputado", numa alusão a uma busca realizada em Novembro de 2005 à casa do socialista Jorge Coelho, ordenada por uma juíza de Cascais.

Cortando as unhas

ARTIGO DE OPINIÃO DE DR. LUÍS GANHÃO, ADVOGADO
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Enquanto cortava as unhas pensei (sim, porque o acto das unhas cortar, pelo menos, para mim, é um acto, quanto mais não seja, por etiqueta, solitário e se solitário é o acto, propício é, pois, ao pensamento):
- Se o nosso Primeiro-Ministro, numa simples visita de vinte e quatro horas à Finlândia, ficou surpreendido com o que por lá viu, será que se a visita fosse de quarenta e oito ficava sem vontade de cá voltar, desertando, como Durão Barroso um dia o fez, seduzido pelos encantos de Bruxelas?
Mas nesta onda de pensamentos propiciada por um solitário acto de cortar de unhas, dei comigo a mais pensar:
- Com tantas medalhas e comendas distribuídas (algumas vezes, mesmo trocadas, num amigável «toma lá tu uma que sou presidente, dá-me cá tu outra que és do governo» ou «eu dou-te uma agora, que presidente sou, amanhã dás-me tu outra, quando passares a sê-lo»), tudo por relevantes serviços à lusa pátria prestados e por reconhecimento de relevâncias diversas, que o mesmo é dizer e em popular síntese, apresentando-se, oficialmente, a pátria lusa tão rica em «crânios» de diversas matizes, porque raio é que continuamos atrasados, a olhar de boca aberta para o que se passa lá fora (ontem para a Irlanda, hoje para a Finlândia e amanhã, pelo andar da carruagem e como alguém comentava, para o Uzbequistão)?
Pensei, pensei…
E o meu inquieto pensamento só serenamente sossegou quando o meu solitário acto de cortar as unhas foi interrompido pelo foguete que alguém algures na urbe lançou dando a boa nova de que o Benfica, a lembrar os «bons velhos tempos», tinha eliminado o Liverpool. É que, hoje, tal como ontem, a pátria lusa saberia exorcizar os seus fantasmas de atraso económico e de desigualdades sociais em mais um feito futebolístico, lavando, assim, as suas chagas.

sexta-feira, março 17, 2006

Documentos

CÓDIGO DO CONSUMIDOR
- Texto do Anteprojecto
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ACÇÕES INSTAURADAS PELO SMMP:
- Petição inicial (em PDF) da acção administrativa comum instaurada pela Direcção do SMMP contra o Estado, relativa ao congelamento do subsídio de compensação pelo não uso de casa de função (em PDF)
- Petição inicial (em PDF) da acção administrativa comum instaurada pela Direcção do SMMP contra o Estado, para reconhecimento do direito dos magistrados à percepção do montante remuneratório correspondente ao escalão indiciário adequado à respectiva antiguidade e categoria (com referência à Lei n.º 43/2005, de 29 de Agosto, que determina a não contagem de tempo de serviço para efeitos de progressão nas carreiras).
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Contingentação: a opção da responsabilidade

«Penso que é unânime: nos últimos tempos (anos...), tem-se vindo a disseminar na opinião pública o entendimento de que os males da justiça são da responsabilidade dos magistrados.Um desses males: a morosidade.
E um dos factores que contribuem para essa morosidade é ausência de limites para o número de processos a cargo de cada juiz: não estão implantados quaisquer mecanismos de contingentação processual.
E se a contingentação vem sendo matéria abordada em várias frentes, sempre o é no pressuposto de que, ultrapassado o número de processos adequado a um juiz, caberia a outros que não a esse juiz colmatar esse problema.
Actualmente, grande parte dos juízes confronta-se com pendências bem superiores àquelas recomendadas pelos estudos realizados sobre esta matéria (e todos os que conheço resultaram da iniciativa do poder político executivo).
Daqui resultará o incumprimento, por parte desses mesmos juízes, dos prazos processuais previstos na lei para a prática dos actos da sua competência. E a realização de audiências de julgamentos vários anos depois dos factos, com óbvios prejuízos para o apuramento da verdade material. Tal resultado não se pode aceitar, por óbvias razões.
Mesmo invocando-se a razão que lhe subjaz, ou seja, a já referida excessiva pendência.
Se ao juiz não é possível cumprir os prazos processuais, impõe-se-lhe, sob pena de descrédito perante aqueles para quem julga, que crie as condições para que tal aconteça.
Ou seja, e se necessário, que filtre a distribuição dos processos que lhe são remetidos, apenas permitindo que o sejam os de natureza urgente.
Dir-me-ão que, no estado actual das coisas, sempre vão andando, mesmo que tarde e a más horas, todos os processos.As consequências estão à vista: a culpa dos atrasos é dos juízes (ou dos magistrados).
E, enquistando-se tal opinião na sociedade, forçosamente não serão tomadas por aqueles de quem os juízes esperam as medidas destinadas a colmatar tal resultado.
É certo que, a manterem os juízes a postura de sempre, eternizar-se-á a violação do direito do cidadão a uma justiça digna desse nome, por célere.
É esta a opção imposta pelo princípio da responsabilidade? Não.
Aos juízes, aquilo que é seu encargo, ou seja, a tempestiva tramitação de um limitado número de processos.
Ao poder político, a criação das condições para que tal aconteça.
E, na definição do que será uma pendência adequada, reverte a favor dos juízes o facto de os estudos nessa matéria terem sido realizados por iniciativa do Governo. Não serão, quanto a essa opção, passíveis da crítica de corporativismo. Se a responsabilidade que impende sobre os juízes impõe que se filtre a distribuição, então, que se faça, publicitando-se o facto, e os critérios que lhe subjazem, junto dos potenciais utentes, através de painel afixado no Tribunal e na Internet.
Actualmente, ao cidadão nada mais resta do que ir sucessivamente perguntando na secretaria judicial qual é o estado dos autos, e ir adivinhando, pelo número de processos espalhados no chão, quando será a vez de se dar andamento ao seu.
A filtrar-se a distribuição, com publicitação do facto e dos critérios que lhe subjazem, o cidadão sabe se vai ou não ser de imediato distribuído o seu.
Sabe, também, que, se o for, todos os prazos processuais serão cumpridos.
Se não o for, tomará as medidas que entenda adequadas, junto das entidades que entenda competentes.
No imediato, prefiro esta contingentação, racional e transparente, do que a que resulta da paragem dos processos nos armários e chãos dos Tribunais deste país».
DRA. RAQUEL PRATA, IN FPIC (PUBLICADO COM AUTORIZAÇÃO)

Marcação de férias de juízes - apreciação do CSM

A propósito do Provimento dos Juízes dos Tribunais de Loures, incidindo sobre a marcação de férias pelos juízes (cfr. este post), o Conselho Superior da Magistratura pronunciou-se sobre tal provimento, pelo que ao abrigo da transparência, impõe-se também a publicação do teor da respectiva apreciação [nota: os destacados a bold constam do teor da deliberação / declaração de voto]:
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CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Na Sessão Plenária Ordinária de 7 de Fevereiro de 2006, do Conselho Superior da Magistratura, (...) foi tomada apreciação:
" I - Os seus nº. 2 e nº. 3, à partida inócuos, tornam-se ilegais, lidos em consonância com o n°. 4 e o n°. 5 (sendo certo que não faz sentido referir o período de 01 a 14/09, quando o que poderia relevar são os períodos que vão além dos de férias judiciais, sejam eles de 15/07 a 31/07, posteriores a 31/08 ou anteriores a 15/07);
II - O seu nº. 4 corresponde a uma determinação dada por provimento aos juizes (cujos poderes de soberania não são limitáveis deste modo), o que é manifestamente ilegal;
III - O seu nº. 5 é ilegal, por determinar que, fora dos períodos de férias judiciais, só sejam tramitados os processos urgentes, transformando materialmente uma situação de substituição legal numa situação de turno.
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Segue declaração de voto do Exmo Vogal Dr. Edgar Taborda Lopes.
«Pese embora a minha concordância com a deliberação aprovada no que respeita à legalidade do concreto provimento elaborado pelos Exmos. Juizes do Tribunal de Loures, entendo que, pelas especiais responsabilidades que cabem ao CSM, deveria constar da deliberação que:
1 - Ao CSM não cabe dizer como os juízes devem organizar em concreto o seu serviço mas cabe dizer como o não podem fazer.
2 - Não é possível transformar por via de provimento e de forma genérica e abstracta, uma substituição legal, numa situação de turno: turnos existem apenas em férias judiciais e, nos períodos fora delas em que haja juizes em férias (sejam eles o de 15/07 a 31/07 ou os necessários antes de 15/07 ou depois de 31/08, para permitir o gozo de 22 dias úteis), há sempre um juiz substituto, que não está de férias e cujos processos lhe terão de ser normalmente conclusos, sendo que os restantes (os das secções cujos juízes se encontrem de férias) serão por si despachados os urgentes e os restantes se possível for.
3 - Não é possível por via de provimento, limitar o proferimento de despachos jurisdicionais, como os de marcação de diligências: o provimento é dirigido à secção e não à actividade jurisdicional dos juizes.
4 - O CSM sempre assinalou quando ouvido sobre a matéria (nomeadamente na Assembleia da República), que o período de 15/07 a 31/07 (espúrio, desligado da realidade, por todos criticado, prejudicando os advogados e os cidadãos que verão os seus prazos a correr, sem benefícios para ninguém), em que - necessariamente - iria estar de férias uma grande parte dos juizes, os substitutos legais com o seu serviço normal a cargo, praticamente apenas poderiam despachar os processos urgentes dos juizes substituídos e, dai, os parcos ganhos de produtividade.
5 - Claro que pode haver Tribunais em que seja possível que todos os processos sejam despachados pelo juiz substituto, mas em Tribunais de grande volume de serviço I em que seja sabido que o número de conclusões diárias é elevado (de trinta, quarenta ou cinquenta, por exemplo) tenho como desrazoável que se permita - sem qualquer ganho de eficácia ou beneficio para quem quer que seja - que se acumulem cegamente em dez dias úteis ou mais (e só porque é um período "normal"), trezentos, quatrocentos ou quinhentos processos que o substituto não logrará despachar (porque tem os seus e os urgentes dos substituídos) e que o substituído terá de despachar quando regressar de férias judiciais, conjuntamente com todos aqueles que as secções normalmente concluem após férias. Isto conduz a um estrangulamento desnecessário e que pode ser objecto de regulação por via de provimento: concluir os processos "porque sim", não me parece um sistema sensato, mais ainda porque não está em causa uma situação imprevista ou inesperada (como ocorre, nas situações de baixa médica por doença» mas perfeitamente previsível por, desde antes da Páscoa, se saber o que vai correr nos períodos em causa,
5 - A partida, a razoabilidade de concluir os processos nestas circunstancias passa pela responsabilidade do Escrivão de Direito de cada Secção e isso poderá - na generalidade das situações - evitar a necessidade de qualquer Provimento, mas os Juizes têm as suas responsabilidades próprias e não têm, nem as devem enjeitar ou empurrar para os funcionários judiciais.
6 - Nada me parece obstar - em abstracto - a que, relativamente às secções cujos juizes se encontrem de férias e de forma a permitir uma gestão eficaz da tramitação dos processos (permitindo um fluxo de despacho / cumprimento bem oleado), que sejam proferidos provimentos no sentido de serem conclusos aos juizes substitutos apenas os processos com natureza urgente, sem prejuízo de os referidos juízes substitutos, em concreto, e face à sua maior ou menor disponibilidade, determinarem de modo distinto ao Escrivão da Secção: um Provimento neste sentido permite uma gestão razoável das conclusões e do funcionamento de uma secção, que apenas beneficiará o melhor andamento potenciará uma melhor administração da Justiça.
Face ao exposto no ponto 6, que antecede, entendo que, quanto ao Provimento proposto pelo Exmo. Juiz das Varas Cíveis de Lisboa, com as pequenas precisões que daquele decorrem, não contém qualquer ilegalidade, podendo mesmo constituir - pela apreciação concreta que o titular da Secção faça no momento adequado - um instrumento positivo para permitir uma melhor gestão do serviço: daí o meu voto de vencido quanto à deliberação do CSM respeitante à proposta de Provimento em causa».

quinta-feira, março 16, 2006

"Experiências" devem ser evitáveis

CLUNY QUER AVALIAÇÃO PRÉVIA DO IMPACTE DAS PROPOSTAS DA REFORMA PENAL
Para o presidente do Sindicato dos Magistrados, há que evitar "experiências" com a justiça.
António Cluny, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), manifestou ontem "preocupação" com algumas medidas anunciadas no âmbito da revisão do Código Penal, designadamente as que visam substituir as penas de prisão por penas como a prisão domiciliária ou o trabalho a favor da comunidade."Pelo que lemos nos jornais, assiste-se a um reacender da criminalidade violenta e organizada, embora por pequenos bandos. Por isso há que estudar muito bem se o sinal que se está a dar com estas medidas não poderá, de certa forma, incentivar este tipo de comportamentos. Há que estudar com muita calma os efeitos que estas mudanças poderão ter no actual contexto criminal e social, e se este é o momento mais acertado para as introduzir", afirmou António Cluny, em declarações ao PÚBLICO.
O presidente do SMMP concretizou algumas das objecções que coloca às inovações propostas pela Unidade de Missão para a Reforma Penal: "A pena de prisão poderá ser substituída por prisão domiciliária, com utilização de pulseira electrónica. Mas isso é mudar de paradigma no que toca à pulseira electrónica, que até agora era usada na substituição da prisão preventiva e passa a substituir penas de prisão. Ao mesmo tempo, surgem notícias de fugas de presos com pulseiras, a coisa já começa a derrapar. É preciso avaliar o que se passa.
"Também no que toca à substituição de penas de prisão por trabalho em favor da comunidade, António Cluny adverte que este tipo de trabalho "é muito difícil de encontrar". E acrescenta: "As reformas legislativas têm que ser pensadas em função das capacidades organizativas que o sistema oferece para poderem ser concretizadas. É preciso ter a certeza de que tudo isto não tem um intuito meramente económico, ou se resulta de um estudo sério abrangendo as consequências destas alterações e dos sinais que podem produzir, neste momento, para a sociedade.
"Para analisar estas questões, o presidente do SMMP defende a realização de um "colóquio parlamentar envolvendo a sociedade em geral, em que intervenham universidades, associações profissionais do sector da justiça, grupos de cidadãos" em que sejam analisadas as propostas para a reforma penal.
"Devia haver um estudo prévio de sociologia criminal ou de crimonologia que avaliasse o impacto das medidas anunciadas. Só assim se poderá evitar que, a nível da justiça suceda o mesmo que aconteceu na educação nas décadas de 70 e 80, em que foram postas em prática experiências variadíssimas, que não tiveram a monitorização necessária e conduziram a educação ao estado em que está", sublinha António Cluny.
IN PÚBLICO (EDIÇÃO IMPRESSA)

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"(...) Os ataques à independência dos juízes existirão sempre que se investiguem responsáveis políticos, mas o que é importante é ultrapassá-los e rechaçá-los. Foi o que tentei quando me pressionaram, denunciaram, recusaram maliciosamente, processaram e me odiaram e desprezaram (...) O excesso de garantias é tão perverso quanto a falta delas, pois conduz irremediavelmente à impunidade. (...) O mais habitual é que o juiz seja neutralizado através dos meios de comunicação afins, mediante campanhas de desprestígio e de descrédito (...)".
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Quem o diz é o juiz espanhol Baltazar Garzón, que se tornou mundialmente conhecido pela sua luta contra a ETA e para levar gente como Pinochet ou Berlusconi a responder pelos seus crimes. No livro "Um mundo sem medo" (Âmbar, 2006), Garzón dá conta, sob a forma de diálogo com os filhos, do que tem sido essa luta, não só contra o terrorismo e a corrupção, mas também contra a impunidade dos poderosos e o modo como a comunicação social é frequentemente usada para desprestigiar a acção da justiça e "sequestrar a lei".
Compare agora o leitor o que Garzón diz com o que se tem passado em Portugal desde que começou o processo Casa Pia, e descubra as diferenças...
Não é o "sudoku", mas é igualmente instrutivo.
ANTÓNIO PINA, IN JN de 13/03/2006