quarta-feira, agosto 31, 2005

PR ignora inconstitucionalidades

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O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), em comunicado do dia de hoje, enuncia que «apesar de todos os esforços e negociações levadas a cabo pelos sindicatos e associações sindicais, o Governo persistiu na ideia de alterar o regime de férias e proceder ao congelamento de suplementos remuneratórios, bem como determinar a não contagem de tempo para efeitos de progressão».
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O SMMP elaborou uma nota sintética de levantamento de algumas questões de inconstitucionalidade formal e material dos referidos diplomas, a qual foi oportunamente apresentada ao Presidente da República - que, pelos vistos, as ignorou por completo, promulgando as leis, sem pestanejar ou requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva, evidenciando como funcionam algumas das nossas «instituições» chamadas democráticas e que têm por obrigação fundamental cumprir a Constituição. É que uma coisa é apôr uma assinatura sem que ninguém tenha suscitado nenhuma questão, outra é promulgar inconstitucionalidades antes assinaladas expressamente, com graves repercussões em direitos constitucionalmente consagrados, mas em relação aos quais se fecham os olhos.
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Diz o referido comunicado que «o SMMP irá continuar a estudar eventuais formas de impugnar estas medidas, formas essas que poderão passar pelo recurso aos Tribunais Administrativos» [apoiado].
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A partir desse comunicado, é disponiblizado o texto da referida nota sintética (em formato PDF). Convertemos essa informação para texto, para permitir uma leitura mais fácil, que agora se disponibiliza infra (com ligeiras adaptações, dado que deixou de ser proposta de lei para se tornar «lei da república»).
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1. A Lei 42/2005, que altera o regime de férias judiciais, viola preceitos e princípios constitucionais.
Assim:
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a)inconstitucionalidade formal:
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-A Lei altera o regime de férias judiciais, e por via disso, o regime de férias dos magistrados. Na verdade, até agora os magistrados gozavam o seu direito de férias (quantificado nos termos gerais da função pública) no período de férias judiciais ditas grandes ou de Verão. Dado o período de 60 dias em que os tribunais permaneciam em ritmo atenuado1, aos magistrados era possível gozar as férias a que cada um tinha direito, independentemente do número de dias, mas nunca inferior a 22 dias úteis, segundo a lei geral. - Ora, o governo, através da PP de lei em causa, altera o período de férias judicias, e assim, também o regime de férias dos magistrados.
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-Nos termos da lei 23/98, de 26 de Maio, a alteração ou fixação do regime de férias é matéria sujeita a negociação colectiva (vide artigo 6º).
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-E tal negociação tem de obedecer aos trâmites e calendários que a lei estipula, com vista à obtenção de acordo (artigo 5º, n.º 2).
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-Tal porém não foi observado pelo Governo, a quem compete realizar a negociação (artigo 14º), como bem se pode observar da Acta que ora se junta. -Com efeito, o Governo começou por não observar o prazo prévio mínimo imposto para marcação da reunião, visto o ter feito em período muito inferior a cinco dias úteis (artigo 8º).
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-Seguidamente, o Governo, na primeira e única reunião realizada a esse propósito, limitou-se a expor os seus pontos de vista, tendo o SMMP apresentado então várias contrapropostas que não tiveram qualquer resposta. (artigo 7º, nºs 3 e 4) O Governo limitou-se a registar em Acta que seria enviada nova versão da pp, o que não foi feito, tendo sim aprovado esta no CM seguinte à reunião.
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-Não fez registar qualquer acordo ou desacordo, de forma a permitir que fosse desencadeado um período suplementar de negociações (artigo 9º, nº 1).
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-Não foi assim cumprido o que a Constituição (artigo 56º) e a lei 23/98 determinam a propósito da participação das associações sindicais na contratação colectiva.
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-Tal facto implica inconstitucionalidade por violação do direito das associações sindicais à negociação colectiva, nos termos do artigo 56º da CRP (vide, v.g., Acórdãos do TC, n.º 360/93 e Acórdãos aí referidos (aquele suscitado pelo PR);
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b) Inconstitucionalidade material
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-Até agora os magistrados gozavam o seu direito de férias (quantificado nos termos gerais da função pública) no período de férias judiciais ditas grandes ou de Verão. Dado o período de 60 dias em que os tribunais permaneciam em ritmo atenuado, aos magistrados era possível gozar as férias a que cada um tinha direito, independentemente do número de dias, mas nunca inferior a 22 dias úteis, segundo a lei geral.
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-Se a tal direito se juntarem os dias de turno que era necessário assegurar, pode dizer-se que o sobrante era marginal, na medida em que uma larga maioria ainda aproveitava alguns desses dias para recuperar atrasos e/ou estudar, com tempo, questões mais complexas.
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-Por outro lado, importa ainda recordar que, de todo o modo, o exercício do direito a férias era um exercício condicionado, ao contrário dos trabalhadores em geral, e da função pública, na medida em que as férias eram obrigatoriamente gozadas naquele período.
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-Isto é, os magistrados tinham de se adaptar ao período temporal que o Estado lhe determinava unilateralmente para o exercício do direito a férias. Tinham porém alguma (ainda que reduzida) flexibilidade dentro dos já referidos 60 dias...
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-O Governo impõe agora, novamente de forma unilateral, um período no qual os magistrados têm de obrigatoriamente gozar as suas férias.
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-Registe-se que nem sequer há a possibilidade reconhecida aos trabalhadores em geral ou aos funcionários públicos de tentar um acordo para o referido exercício: o magistrado tem de gozar as suas férias em Agosto! Bem, mas como 30 dias do mês de Agosto não são suficientes para o referido exercício (dado que, desde logo, a maioria terá direito entre 22 a 30 dias úteis de férias!!!) então obrigatoriamente terão de ser gozados de 15 a 31 de Julho!
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-Mas, note-se, em tempo normal de serviço, com prazos processuais a correr e com as dificuldades inerentes à substituição do magistrado.
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-As férias, segundo a Constituição, visam proporcionar descanso e restabelecimento, e constituem inegáveis direitos fundamentais.
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-Verifica-se aqui uma compressão intolerável, em termos de Direito, sobre o exercício de um direito às férias, o qual deve ser visto segundo o interesse de quem
o vai exercer e menos do lado do Estado.
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-Logo, é o próprio interessado que tem o direito a escolher o tempo para o exercício do direito às suas férias e não a vê-lo imposto, de forma desproporcionada, e injustificada, por uma das partes, neste caso o Estado, sem possibilidade de (tentativa) de acordo.
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-Nada há que justifique esta opção, visto haver alternativas mais consentâneas com o Direito (designadamente eliminando o período de paragem dos tribunais e permitindo que os magistrados acordem o período de gozo das suas férias).
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-Na verdade, tratando-se da imposição unilateral do exercício de um direito, da esfera de outrem, restringindo esse mesmo exercício, tal teria de se mostrar “razoavelmente fundado, idóneo e não excessivo em relação a (eventuais) razões de interesse público” - o que se não verifica.
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-Assim, também nesta medida se verifica inconstitucionalidade, de natureza material, por haver compressão intolerável a um direito constitucionalmente reconhecido e valorizado como o das férias, sob pena de apenas haver um direito formal, e ficar em causa a garantia efectiva de um direito fundamental (artigo 2º da CRP), e afectando-se o conteúdo essencial desse direito para lá do necessário à salvaguarda de outros direitos (artigo 18º, nºs 2 e 3 da CRP).
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2.Lei 46/2005
Em relação a esta proposta são feitas as considerações respeitantes à inconstitucionalidade formal feitas a propósito da Lei 45/2005, dado que o procedimento negocial se pautou, genericamente, pelo percurso apontado supra.
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[O texto original constante do SMMP é assinado por Dr. Jorge Costa, da Direcção do SMMP].

terça-feira, agosto 30, 2005

Auto-interpretação

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Já só faltava na nossa democracia o instituto da "auto-interpretação" da legislação.
Por isso, este governo - como não podia deixar de ser - lançou um inédito comunicado pelo qual interpreta a lei aprovada na AR sob sua proposta.
Embora lamentável que os considerandos não constassem expressamente do texto legal - ou, pelo menos, da exposição de motivos (assim dispensando a «auto-interpretação»), o comunicado do Gabinete do Ministro de Estado e das Finanças permite entender o elemento histórico e teleológico do diploma, relevante designadamente quando no plano das profissões forenses, a parte significativa da progressão nas carreiras não depende exclusivamente do decurso temporal, mas em conjunção com avaliação de mérito
Além disso, considera associado à dita suspensão de progressão da carreira o aumento da escala salarial, o que não sucede designadamente nos casos de passagem de interinidade para efectividade de funções, em que a escala salarial é precisamente a mesma.
Realça-se, assim, do texto do comunicado do Governo, o seguinte:
«A partir de hoje está em vigor a Lei da Assembleia da República, aprovada a 28 de Julho, que determina a não contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão automática nas carreiras da função pública e congela o montante dos suplementos remuneratórios até 31 de Dezembro de 2006. A este propósito relembra-se que:
a) Ficam congeladas as progressões de natureza automática, associadas ao mero decurso do tempo, e sem qualquer relação com o reconhecimento de mérito no exercício de funções;
b) Não foram congeladas promoções associadas a critérios mais exigentes de avaliação do mérito nem as progressões que não tenham natureza automática;
c) Tais aumentos salariais, devido à sua natureza automática, escapavam a um rigoroso controlo orçamental e, também por esse motivo, verificava-se anualmente um crescimento, muito acima do inicialmente previsto, da massa salarial na Administração Pública (...)»

Férias, ministros e responsabilização

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Do Mar Salgado, transcreve-se com a devida consideração, o post de Vasco Lobo Xavier, a propósito do asnático diploma sobre a redução das «férias judiciais»:
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«No DR de ontem foi publicada a lei que altera as férias judiciais de verão, reduzindo-as em um mês. Para o comum dos mortais, que ignora o funcionamento da máquina mas a quem o ministro se dirigiu para justificar a medida (com argumentos à altura e explorando manifestamente os mais mesquinhos sentimentos), esta é uma opção inteligente e acertada.
Para os que se interessem mesmo e queiram perceber mais uma razão pela qual a medida é imbecil e errada, sugere-se a leitura do diploma, nomeadamente os artigos 3º, 5º e 7º, que criam [...] uma enorme complicação burocrática com a elaboração dos mapas de férias para os magistrados judiciais, do ministério público e funcionários judiciais.
Atenta a necessidade de harmonização das férias dos diversos intervenientes, os pareceres que terão de ser elaborados pelos juízes presidentes e procuradores-gerais distritais dos diversos tribunais, a aprovação pelo CSM, a definição do regime de substituição de magistrados, etc., etc., fica-se com a impressão de que os magistrados e funcionários andarão o ano todo numa azáfama enorme para elaborar e conciliar os ditos mapas, despendendo neles imenso tempo e esforço. Se a isto se acrescentar os defeitos naturais de um regime de substituição de magistrados, como é proposto, facilmente se retira que a medida não tem qualquer relevo prático nem melhorará em nada a vida das pessoas ou a celeridade dos tribunais.
Dir-se-á que o governo cumpriu enfim uma sua promessa; mas esta reduz-se apenas a uma medida popularucha irrelevante que tem custos de tempo e de dinheiro para todos.
Numa altura em que se fala tanto em responsabilidade, mais acertado teria sido aprovar legislação que responsabilizasse os ministros pelos erros grosseiros das suas medidas. Isso sim, melhoraria a vida de todos os portugueses».

Corrupções et alia

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Daniel Kaufmann, director dos Programas Globais do Instituto do Banco Mundial, em artigo publicado na revista Finance and Development (ver artigo em inglês), afirma que "controlo da corrupção" poderia, por exemplo, colocar em termos de desenvolvimento a Guiné Equatorial ao nível do Uganda, o Uganda a par da Lituânia, a Lituânia no patamar de Portugal e Portugal ao nível da Finlândia.
A corrupção em Portugal ainda está por ser descoberta, pois em regra, o agente que aceita a corrupção se confessar acaba por ser o único condenado, face à grande dificuldade de prova de actos praticados pelo agente corrupto.
Mas além da corrupção nos negócios ou nos interesses, há que considerar a corrupção pela omissão da declaração real de rendimentos. Os servidores do Estado não podem fugir a um único cêntimo, pois o Estado desconta imediatamente os impostos correspondentes. Já os trabalhadores por conta de outrem, por acordo com entidades empregadoras privadas, assim como os trabalhadores independentes podem empreender esquemas que permitam declarar e contribuir o mínimo possível.
É muito estranho - e a máquina fiscal bem o sabe - que quem declare auferir o SMN ou pouco mais tenha capacidade financeira para ser proprietário ou adquirir em leasing veículos topo de gama e ser detentor dos telemóveis da mais recente tecnologia, muito periodicamente substituídos por veículos, telemóveis e outros bens de grande valor pecuniário.
Numa altura em que algum «povo» rejubila pela retirada de alegados «privilégios» a alguns servidores do Estado (que, ignoram, são efectivas garantias dos direitos dos cidadãos), é urgente questionar onde residem os verdadeiros privilégios próprios de esquemas de corrupção e de fuga ao fisco. Questiono se a atribuição de um veículo com combustível pago, cartão de crédito, telemóvel ou senhas de alimentação aos quadros médios ou superiores de uma empresa, constitui ou não um privilégio. É que, por exemplo, à excepção dos Presidentes dos Tribunais Superiores (e só esses pelas funções institucionais que desempenham), nenhum magistrado tem direito a veículo. Muito menos nenhum magistrado tem direito a combustível pago, cartão de crédito, telemóvel ou senhas de alimentação. Onde, afinal, residem os privilégios ?
Bom seria se a máquina do Estado atacasse em primeiro lugar as fontes de efectiva corrupção e fuga ao imposto. Mas parece que se preocupa apenas com a aparência para demagogicamente ser alvo de notícias bombásticas agradáveis a quem só parece desejar o mal dos outros.

segunda-feira, agosto 29, 2005

Malfadados diplomas

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O Diário da República está hoje repleto de diplomas asnáticos, produzidos por um legislador que aproveitou da posição provisória de maioria absoluta, conquistada à custasde promessas que de imediato violou e com um programa no qual não fazia qualquer referência às matérias que agora se apressou por plasmar como «leis da república» (intencionalmente digitadas em letra minúscula):
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Lei n.º 42/2005 - Sexta alteração à Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), oitava alteração à Lei n.º 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais), quinta alteração à Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro (Estatuto do Ministério Público), e quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto (Estatuto dos Funcionários de Justiça), diminuindo o período de férias judiciais no Verão.
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Lei n.º 43/2005 - Determina a não contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão nas carreiras e o congelamento do montante de todos os suplementos remuneratórios de todos os funcionários, agentes e demais servidores do Estado até 31 de Dezembro de 2006
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Lei n.º 48/2005 - Procede à quarta alteração ao regime jurídico do cheque sem provisão, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro.
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Por enquanto não vou estudar esta legislação, porque estou em período de férias. Vou relegar a sua leitura integral e o seu estudo sistemático, processual e substancial para o período do horário de serviço de expediente, já que a actualização profissional e funcional, fazendo parte integrante do exercício das suas funções, deve passar a ser efectivada durante esse período, já que é essa a única prestação profissional o Estado paga a correspondente remuneração e o Estado (e os cidadãos que rejubilam com a demagogia) não merece, pelo injusto aviltamento que lhes tem feito, qualquer serviço adicional não remunerado da parte dos servidores do Estado.

sábado, agosto 27, 2005

Olhem para o que digo ...

... e não para o que faço...
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As palavras de altivez dos governantes viram-se contra si próprios.
Hoje, mais uma tragédia, desta vez mais ambiental, deflagrou na Mata Nacional do Urso, com um incêndio que chegou a estar a ser combatido por 10 aeronaves, coordenadas por um helicóptero Alouette da Força Aérea Portuguesa, além de 203 bombeiros e 55 veículos.
Nunca tantos recursos foram canalizados para um só ponto, designadamente quando nas três semanas transactas, as chamas ameaçaram e atingiram efectivamente populações, que perderam os seus bens, as suas habitações, o seu modo de vida.
Mas existe uma justificação: trata-se de uma mata do Estado, que este também não limpou como lhe era exigível.
Não existe sentido de Estado. «Que moral tem o Estado que não limpa o que é seu ?», pergunta o Presidente da CM de Pombal. De facto, o Estado não dá o exemplo. E se ouvimos ministros a exortar os privados a limparem os seus terrenos, dizendo que se ainda o não tinham feito, ainda estavam em tempo de o fazerem, esqueceram-se os ditos de fazer o mesmo nas matas nacionais.
A lição já não é de hoje. E a propósito, porque entramos em período dominical, nada melhor que terminar este post com uma citação bíblica, proferida por Jesus Cristo:
«E por que vês o argueiro no olho do teu irmão, e não reparas na trave que está no teu olho? Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu? Hipócrita! tira primeiro a trave do teu olho; e então verás bem para tirar o argueiro do olho do teu irmão» (Bíblia, Evangelho de S.Mateus, cap. 7, vers. 3-5).

sexta-feira, agosto 26, 2005

Insatisfação na PJ

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Não são só os Magistrados, os Funcionários Judiciais, os Notários e Conservadores, pessoal não técnico do IRS e outros até aqui contribuintes e beneficiários dos Serviços Sociais do Ministério da Justiça que consideram que a conduta do Governo, ao pretender retirar unilateralmente um direito social básico (de saúde), com violação absoluta do direito constitucional de negociação colectiva e que a sua "consulta" aprazada para o próximo dia 7 de Setembro, não passa de uma ignóbil manobra de fachada, típica de regimes ditatoriais que fazem tudo o que lhes apraz independentemente dos direitos fundamentais e legislação constitucional e legal vigente.
Os técnicos da Polícia Judiciária, que não pertencem à carreira de inspecção, representados pela A Associação Sindical dos Funcionários Técnicos, Administrativos, Auxiliares e Operários da Polícia Judiciária (ASFTAO/PJ) ameaça fazer greve por três dias consecutivos em Setembro, caso o Governo os exclua dos Serviços de Saúde do Ministério da Justiça.
As notícias a este propósito (ver Jornal de Notícias / O Primeiro de Janeiro / Diário de Notícias) são elucidativas. Apesar da audiência com o ministro, prevista para dia 7 de Setembro, os responsáveis sindicais acreditam que esta será “de fachada”, e só para cumprir os requisitos legais que prevêem que sejam ouvidos os sindicatos em matérias como esta.
A ASFTAO/PJ congrega cerca de metade do Corpo Especial da PJ (1.200 pessoas), e inclui os técnicos do Laboratório de Polícia Científica, os departamentos de Perícia Financeira e Contabilística e de Telecomunicações e Informática, os funcionários da área de lofoscopia (que recolhem e tratam as impressões digitais) e o pessoal do registo e tratamento da informação criminal.

terça-feira, agosto 23, 2005

Festa prevalece sobre Lei

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Portugal precisa de uma revolução cultural de choque, que deve atingir não apenas o povo festeiro, mas também os autarcas e políticos em geral. Uma revolução que acentue o imperioso respeito da Lei, a submissão efectiva às normas de um Estado de Direito democrático e não, como tem acontecido [vê-se no sector do ministério da justiça] em que esse conceito de «estado de direito» mais não é do que um grande incómodo facilmente ultrapassável com a vontade unilateral de certos governantes para quem uma maioria é suficiente para, mesmo que não tenham sufragado o povo com as suas medidas, estas sejam estabelecidas a todo o custo.
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A este propósito, é relevante a leitura do artigo «Foguetes animam festas enquanto fogos alastram», do jornal Público on-line, de hoje, de que transcrevemos os seguintes extractos:
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«Uma festa popular em S. Gens, Gondomar, com lançamento de fogo-de-artíficio à mistura, acabou por provocar um incêndio, anteontem de manhã, que demorou mais de 12 horas a ser combatido.
Uma situação que continua a verificar-se com regularidade - o lançamento de foguetes ou fogo-de-artíficio -, numa altura em que o país se vê confrontado com centenas de incêndios, com as consequências conhecidas."Em Gondomar, o presidente da câmara estava na festa. Foi lançado o fogo-de-artifício e, minutos depois, deflagrou um incêndio nas proximidades. Estivemos lá mais de 12 horas, o fogo só foi circunscrito pelas 22h, e depois ainda demorou até ter sido extinto. É uma vergonha que continuem a brincar com a vida de todos nós", disse ao PÚBLICO um bombeiro que esteve no combate ao incêndio, que chegou a obrigar ao corte da marginal na Foz do Douro.
Este, no entanto, não é caso único. No passado fim-de-semana, também cerca de 15 minutos de fogo-de-artifício fizeram a delícia de centenas de pessoas em Angeja, a poucos quilómetros de Aveiro. Numa altura, claro, em que o distrito permanecia em alerta máximo e onde o risco de incêndio era elevado.
Outro exemplo paradigmático aconteceu a semana passada, em Vila Real. O violento incêndio que desde domingo à noite lavrava no Parque Natural do Alvão estava no seu auge - havia inclusive aldeias ameaçadas -, quando a escassos quilómetros, em Lordelo, disparou um pomposo fogo-de-artifício. Durante largos minutos, os foliões deliciaram-se com a beleza do espectáculo pirotécnico, quando, não muito longe, muitos bombeiros lutavam, no limiar das forças, tentando desviar as chamas das povoações. O espectáculo pirotécnico de Lordelo constitui ainda um exemplo emblemático: chegou a estar programado para o dia anterior, mas, nesse dia, lavrava um incêndio nas proximidades e todos os meios de combate a fogos do distrito transmontano, bombeiros e viaturas, estavam ocupados com inúmeros fogos que deflagraram um pouco por todo o lado."Como é que se podia autorizar a deslocação de um carro de bombeiros para um arraial, quando tínhamos o distrito a arder?! O povo não iria perdoar uma coisa dessas. No distrito de Vila Real já tivemos a morte de dois cidadãos, um dos quais bombeiro, inúmeras casas ardidas, pessoas que ficaram sem nada... Não podemos andar a brincar aos incêndios. Bem basta a malvadez de quem os ateia!", sustenta António Martinho, governador civil de Vila Real.
Na terça-feira, contudo, a comissão de festas de Lordelo conseguiu finalmente fazer vingar o seu intuito, apesar de a escassos quilómetros estar a lavrar o fogo do Alvão que rapidamente se transformou no pior incêndio de todos os tempos da história de Vila Real. (...)
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O lançamento de fogo-de-artifício encontra-se regulamentado através do Decreto-Lei nº 156/2004 de 30 de Junho, que estipula que, em todos os espaços rurais, durante o período crítico - leia-se época oficial de fogos -, o "lançamento de foguetes, de balões com mecha acesa e qualquer tipo de fogo-de-artifício ou outros artefactos pirotécnicos não são permitidos, excepto quando não produzam recaída incandescente".
Estas restrições mantêm-se fora do período crítico, desde que se verifique o índice de risco de incêndio de níveis muito elevado e máximo.
A competência para a concessão da licença para o lançamento de foguetes pertence à PSP ou à GNR dos respectivos municípios e "depende do prévio conhecimento das corporações de bombeiros locais, com vista à tomada de indispensáveis medidas de prevenção contra incêndio".
Ainda de acordo com a legislação em vigor (DL nº 376/84), o lançamento ou a queima de foguetes ou quaisquer outros fogos-de-artifício "só poderá ser efectuado por pessoas tecnicamente habilitadas, mediante licença concedida pela autoridade policial de cada município".

domingo, agosto 21, 2005

Classe média

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Eu já sabia que qualquer jornalista «médio», gestor «médio» ou encarregado «superior» ganhava muito mais que qualquer Juiz ou magistrado do Ministério Público (ainda que as declarações de rendimentos possam não coincidir com a realidade).
Mas não sabia que os níveis em que hoje se considera balizada a classe média eram ... tão elevados, logo excluindo-me.
Agradeço ao editor do «Expresso» por me ter elucidado que "qualquer português de classe média pode fazer um safari ao Quénia".
Segundo as contas do Bicho Carpinteiro, «um safari (dos mais baratinhos) ao Quénia custa cerca de 3 mil euros por pessoa. Uma família de quatro elementos pagaria, assim, cerca 10 mil euros = 2.000 contos, fora alimentação e tudo o que aí acrescer.
Gostava de saber quantos magistrados e cidadãos de Portugal podem dispender 2.000 contos nas suas férias.
No que se refere aos primeiors, adianto logo com o número zero.
Quanto aos segundos, por haver muitos que declaram auferir o SMN mas efectivamente auferem o dobro do que qualquer magistrado, é possível que existam muitos.
O Eng. Sanitário José Carvalho Pinto Sousa [indevidamente conhecido pelo nome de um grande filósofo grego], promovido a PM, deve saber melhor que ninguém. E, pelos vistos, alguns magnatas da comunicação social também.

Subscrevo

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"Os justiceiros".
Título suficientemente contundente para um fundado e sábio texto, publicado no Diário de Notícias de hoje, da autoria do [ex-]Bastonário da OA, A.Pires de Lima, que aqui, com a devida consideração, se transcreve, porque merece ser lido e reflectido.
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«Cumprem-se dois anos sobre a reforma do processo executivo.
Os que a produziram foram alertados, atempadamente, para o insucesso que se adivinhava. A resposta que deram resulta de uma autoridade cega, inexperiente e, sobretudo, irresponsável que não, que estava tudo programado, que se adivinhava um êxito, que a justiça sairia prestigiada pela eficácia do sistema que ia ser instituído.
Os factos, passado todo este tempo, dão razão aos "pessimistas" milhares de processos parados ou porque nos "canos" das famosas vias electrónicas, ou porque aguardam informações ou porque estão esquecidos.
Os caloteiros são os únicos beneficiados da situação ganharam tempo, para ocultar o seu património. O prejuízo é da economia nacional, que viu multiplicadas as falências de muitos que ficaram privados do que lhes pertence e que, por isso, e só por isso, não podem cumprir as suas obrigações.A ânsia de cometer erros não se ficou com o anterior Executivo.
Recentemente, o Senhor Presidente da República promulgou (Decreto-Lei 107/05, de 1 de Julho) um visto e aprovado em Conselho de Ministros que, resumidamente, dita o seguinte:
Se és credor e não te pagam, podes recorrer aos Tribunais. Mas para tanto tens de começar por pagar a taxa de justiça.
És devedor e não queres pagar? Deixa que o teu credor vai para Tribunal e inventa uma defesa, qualquer que ela seja, porque não pagas taxa de justiça. Afinal, se fores condenado, sê-lo-ás em encargos pesados mas não te preocupes porque, entretanto ganhaste o tempo suficiente para fazer desaparecer o teu património, se é que não tiveste a prudência de o fazer antecipadamente!!!
Esta, é a imagem da Justiça de quem é irresponsável.
O folhetim das férias judiciais ainda não terminou.
Mas pelos episódios transmitidos já se revelou muito útil.
Desde logo, e em primeiro lugar, o manifesto desprezo de quem pode mandar, tanto mais quanto é certo que dispõe da disciplina obediente de uma maioria parlamentar.
Depois, o desconhecimento de muitos que se pronunciaram sobre a matéria, ora confundindo férias judiciais com férias dos magistrados e funcionários, ora surpreendendo-se com o facto de os magistrados e os advogados, afinal, serem solidários, ora - pasme-se - admitindo que, se uns e outros aproveitam as férias judiciais para se actualizarem, é porque não necessitam delas!!!
Tal como no caso da acção executiva, sugere-se-me um caminho.
Esperar para ver. E adivinhar que daqui por dois anos dir-se-á das férias o que se diz do processo executivo.
Mas com uma advertência os processos vão diminuir nas estatísticas. É que, segundo o senhor ministro, o Supremo Tribunal de Justiça vai deixar de apreciar matérias que nunca lhe estiveram submetidas, as contravenções vão passar a ter sentença administrativa, o cheque sem cobertura sai do criminal sem pas- sar ao cível.... etc., etc., sem esquecer que os Tribunais vão ter processos desmaterializados.
Há dias, o DR revelou um sem-número de neo-reformados. Entre eles, algumas dezenas de funcionários judiciais em que reconheci muitos nomes de profissionais prestigiados, dedicados e briosos.
Estavam fartos. Fartos dos "inventores" de processos de justiça.
A eliminação de capital humano é um passo decisivo para a prometida desmaterialização.
Agora foram os funcionários.
A seguir os magistrados.
E para quando o ministro?»

sexta-feira, agosto 19, 2005

Jornalismo de isenção precisa-se

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Não é de agora, mas o fenómeno está a acentuar-se. A grande parte do jornalismo que trata de questões ou eventos relacionados com o Direito em geral e com os Tribunais em especial não tem qualquer conhecimento, nem teórico, nem prático, nem inclusivamente do mínimo de conceitos exigível para se tratar destas matérias.
Cresce valorativamente ainda um jornalismo subjectivo. O jornalismo que agora é premiado não é aquele que relata objectivamente factos, mas aquele que comenta tendenciosamente factos e meras conjecturas.
O jornalismo objectivo, cujo desiderato é informar com rigor e isenção está a desaparecer. Grupos económicos e políticos dominam por completo este sector que usa do seu poder de massas para convencer incautos cidadãos ou desinformá-los.
Apenas três exemplos, sabendo que muitos mais poderiam ser citados.
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1) No Semanário Expresso, de 30 de Julho, o jornalista Fernando Madrinha, na sua coluna "Preto no Branco" escreveu um artigo de opinião intitulado "As férias dos juízes", surgindo, em destaque, o seguinte excerto do dito artigo: "O melhor argumento dos juízes é, afinal, um péssimo argumento". Conforme consta deste link, "a argumentação desenvolvida por Madrinha, reveladora de um profundo desconhecimento da questão e de uma confrangedora confusão de conceitos e de ideias, levou-me a escrever um artigo de resposta, salientando precisamente os equívocos do jornalista, que se aventurou por caminhos que ignora, sem ter feito, como seria prudente, o prévio estudo e reconhecimento do percurso".
Na sua qualidade de Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, o Juiz Conselheiro Santos Bernardino remeteu àquele jornal um artigo, que ao abrigo do direito de resposta, deveria ter sido publicado na íntegra, mas que mereceu apenas uma publicação parcial, desvirtuada, com eliminação de palavras integradas em frases, quebra de raciocínio e de forma truncada, tornando um texto claramente esclarecedor num texto obtusamente criado pela equipa editorial daquele jornal.
Veja-se o texto integral do artigo (estando a negrito as partes deliberadamente omitidas) no site da ASJP (ver link, de «leitura obrigatória»).
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2) Conforme amplamente discutido no Blog Incursões (ver link) e Cum Grano Salis (ver link) no jornal Público de 13 de Agosto apareceu com manchete de 1.ª página uma notícia com o título «Procuradoria demorou 16 anos a decidir situação de um inspector da PJ» e, no interior, Procuradoria-Geral da República demora mais de 16 anos para qualificar "risco agravado" de polícia», responsabilizando a Procuradoria-Geral da República por uma “decisão” que não passa de um mero “parecer”, e imputou-lhe um atraso (de 16 anos) que não existe e de que não pode ser culpada, levando o PGR, na qualidade de presidente do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República a emitir um esclarecimento, publicado no mesmo jornal de 18/08 e que pode ser lido em texto integral neste link (do Blog Incursões).
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3) Finalmente, na Revista Focus desta semana (edição 305) conta na página 11, no habitual barómetro, o elogio do ministro da justiça Alberto Costa, porque no entender do pseudo-jornalista (que não assina), o dito cujo «está a conseguir pôr os magistrados na ordem. É um esforço quase dantesco, uma vez que a classe que combate tem tiques corporativos. Mas cortar-lhes nas férias e, ainda por cima, responsabilizá-los por erros judiciais grosseiros, obrigando-os a pagar, é de quem sabe o que quer fazer, ou pelo menos, parece que sabe» (sic).
O pseudo-jornalista demonstra desconhecer tudo de tudo.
Primeiro, os magistrados judiciais são titulares do órgão de soberania Tribunal. Qualquer referência a colocá-los «na ordem» por opções políticas, ainda para cúmulo que não foram objecto de programa eleitoral, logo não votado pelo povo soberano, é um dos maiores atentados terroristas ao sistema constitucional e, sobretudo -- é isso que o pseudo-jornalista esquece -- aos direitos dos cidadãos.
Segundo, se os magistrados têm tiques corporativos, não se vêem. Se tivessem, não estariam na situação em que estão, com 14 anos sem qualquer revisão remuneratória (algo que o pseudo-jornalista não deve passar). Esquece-se que o órgão de disciplina dos juízes (o CSM) é composto maioritariamente por membros não juízes (nomeados e eleitos pelo PR e pela AR) e que no órgão de disciplina dos magistrados do Ministério Público (o CSMP) têm assento várias personalidades nomeadas pelo MJ e eleitas pela AR. Além disso, pergunto se os jornalistas também não têm tiques corporativos e se têm algum órgão de disciplina ... não corporativo.
Terceiro, o ministro da justiça não cortou nas férias de nenhum magistrado. Cortou apenas nas férias judiciais. Isto é, cortou nas férias dos ... cidadãos que recorrem aos tribunais. Advogados e partes vão passar a ter mais prazos a observar (mesmo que vão de férias..., os prazos continuam) e as testemunhas vão passar a ter que ir a Tribunal em dias das suas férias, sob pena de injustificação da falta. Os Magistrados vão passar a ter mais férias. Isto, porque apesar de terem direito ao mínimo de dias de férias como qualquer outro cidadão, não as gozavam por sacrifício e «amor cego ao ofício». Eu, pessoalmente, nunca gozei 22 dias úteis de férias. Turnos (que se fazem em férias), recuperação processual, milhares de saneadores, sentenças e despachos diversos (pelos juízes) e de acusações, promoções ou arquivamentos (pelos magistrados do MP), de preparação de citações e notificações (pelos funcionários judiciais) eram efectivadas em «férias judiciais». Ora, isso vai cessar, porque nenhum magistrado ou funcionário vai prescindir de gozar esse mínimo de férias. Ou seja, o senhor ministro da justiça fez um enorme favor aos magistrados, pois a partir de agora «acordaram» e vão cessar os sacrifícios irreconhecidos e nunca pagos, de trabalhar fora das horas de expediente, aos fins de semana, feriados ou férias. Veremos se ocorrerá o aumento (10%) ou decréscimo (50% ou mais...) da produtividade...
Quarto e último. Responsabilização é uma palavra muito engraçada para gestores. Mas é um grande problema quando estão em causa direitos dos cidadãos. O pseudo-jornalista esquece-se que com medo não há decisão justa. Nem a justiça se faz com o braço no ar. Decisões fundadas em medo para não se ser responsabilizado é a negação da justiça. Mas parece que é isto que os cidadãos querem... Ou será que não querem, mas há uma classe de políticos, jornalistas e demais lobbies que apenas têm um intuito de vingança por eventos ocorridos muito recentemente num sistema judicial criado e sustentado por políticos que paulatinamente têm produzido legislação caduca, absurda e obsoleta e que, ao invés de resolver os problemas da justiça, os incrementa ?
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Nota de rodapé: Convém não esquecer da rectificação ao diploma que altera os processos de injunção, hoje publicado em DR. Mas esta não deve ser a última rectificação, outras se seguirão, como prova de como funciona o sistema de legística neste país (nunca responsabilizado...)

Estourar com o poder judicial

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Lido no Patologia Social (de José António Barreiros):
«De acordo com a Resolução do Conselho de Ministros n.o 138/2005 foi criada uma «unidade de missão para a reforma penal». (...) constituída por:
a) Um coordenador;b) Um conselho integrado por um representantede cada um dos seguintes serviços e organismos:i) Um representante da Polícia Judiciária;ii) Um representante do Centro de Estudos Judiciários;iii) Um representante da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais; iv) Um representante do Instituto de Reinserção Social;v) Um representante do Instituto Nacional de Medicina Legal;vi) Um representante do Gabinete de Política Legislativa e Planeamento;vii) Um representante do Gabinete para as Relações Internacionais Europeias e de Cooperação;viii) Um membro do Gabinete do Ministro da Justiça. (...)
Sempre que entenda necessário ou conveniente, o coordenador da UMRP pode propor ao Ministro da Justiça que sejam convidados a participar em reuniões do conselho a que se refere a alínea b) do n.o 2 representantes do Conselho Superior de Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público e da Ordem dos Advogados, bem como professores universitários de áreas científicas consideradas relevantespara a reforma penal. (...)
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O termo usado para designar a nóvel entidade tem o seu quê de evangélico, mas não será por isso que nenhum mal virá ao mundo da reforma penal. Os socialistas adoram estes novo-riquismos terminológicos e os que gostam de não parecer incultos também.
Mas ante a leitura do texto em si, permitam-se os seguintes comentários:
(i) porquê a distinção discriminatória, nele assumida, entre os membros que integram a «unidade de missão» por direito próprio e aqueles que podem vir a ser convidados? Será que se pensa que haverá membros de primeira classe e de segunda e que a reforma tem mais a ver com os primeiros do que com os segundos?
(2) porquê circunscrever o elenco dos que ali se sentam por direito próprio a representantes de organismos dependentes do Ministério da Justiça? Será que se pensa que a reforma penal, com tudo o que ela implica de liberdade de opinião e de iniciativa, se faz com o concurso respeitoso e obediente de funcionários, por mais respeito que eu tenha pelos que têm como ingrata missão sujeitarem-se a ministros?
(3) porquê não se definiram quais as balizas concretas da reforma, sendo que o preâmbulo do diploma praticamente refere todo o Direito Penal, augurando-se que a comissão [perdão, a unidade de missão] possa ir de A a Z, sem que saiba por onde ou para onde?
Eis, para já. Aguardemos confiadamente, após este lançamento. Não se sabe se a nave segue para Marte repressivo se para Saturno ressocializador, nem qual a sua missão. Mas a reforma continua! O próximo ministro também haverá de querer a sua. A propósito, ironia do destino: a resolução sobre a reforma essencial na área do Ministério da Justiça vem assinada pelo ministro da Administração Interna, «posing as» Primeiro-Ministro. É preciso ter azar!»
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Comentários de leitores (no mesmo blog):
«Já agora, uma pergunta básica: Porque carga de água os Magistrados e Advogados não fazem parte dessa "Missão"...? Dá que pensar»
«Se o trabalho a produzir pela «Missão» for na linha do que o Governo fez até agora na área da Justiça, parece-me, antes, uma viagem ao centro da Terra. Objectivo: Provar que é possível descer sempre mais um pouco».
«A Lei, sinto-o mais do que nunca com esta maioria, deixou de ser um instrumento geral e abstracto de regulação. É leviana a forma como a Lei é alterada para acorrer a casos concretos. E também isto caracteriza as ditaduras!»
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Lido na
GLQL:
«"A unidade de missão: o vai-vem espacial" por José António Barreiros. Conveniente para se perceber a dinâmica de Alberto Costa em mais uma das suas tentativas desenfreadas e encapotadas de estourar de vez com o que ainda vai funcionando no sistema judicial.
(...)
O que está em causa é saber se a prazo o sistema judicial vai continuar independente do poder político ou se será só e apenas uma aglomeração de funcionários às ordens de conveniência de quem estiver por cima em determinado momento».

sábado, agosto 13, 2005

Incêndios e impunidade

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Segundo dados oficiais, dados a conhecer no Público (ver link), as autoridades detectaram na última década perto de 50 mil crimes de incêndio nas florestas portuguesas, mas apenas um por cento dos casos chegaram a julgamento e destes só metade resultou em condenação.
Todavia, de acordo com novos números divulgados pelo Ministério da Justiça (ver link), desde 1999 até 2005 foram condenadas e estão a cumprir pena de prisão efectiva 71 pessoas. Entre 2000 e Maio de 2005 foram libertados das prisões portuguesas cerca de 150 indivíduos que acabaram de cumprir a pena de prisão a que tinham sido condenados.
A pena mais grave de que há notícia neste tipo de crime, divulgada pelos órgãos de comunicação social, foi a aplicada a um incendiário da Sertã, em Junho de 2004. O homem foi condenado a 12 anos de prisão por ter sido considerado culpado dos graves incêndios que destruíram, no Verão de 2003, centenas de hectares de floresta na Sertã, Vila do Rei e Mação.
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O criminalista Barra da Costa numa tentativa de explicação deste fenómeno referencia que:
1) Da prova. O próprio fogo destrói muitas vezes as provas. Os métodos utilizados pelos incendiários dificultam também a descoberta de provas e dos autores dos crimes, chegando mesmo a ser utilizados animais como tochas para atear o fogo.
2) Da prisão efectiva. A não aplicação da prisão efectiva em muitos casos, é encarada pelo criminalista como resultado da máxima adoptada desde há alguns anos pela justiça: "só em último recurso é que se prende alguém", atendendo sempre em primeiro lugar à reintegração dos autores de crimes na sociedade. Mas não só. Segundo o mesmo, "as pessoas não estão a ser presas porque não há mais lugares nas cadeias portuguesas"...
3) Da prisão preventiva. A alguns dos arguidos é aplicada a medida de coacção mais grave, a prisão preventiva, enquanto decorre o inquérito judicial, acabando depois por ser absolvidos (por falta de prova produzida em audiência) ou condenados a penas que não a cadeia. Barra da Costa considera que esta medida é algumas vezes utilizada para "sossegar as populações".
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A maioria das pessoas desconhece que a prova produzida durante o inquérito, incluindo os próprios depoimentos não vale nada no processo se não for produzida de novo na audiência de julgamento. Uma exigência processual da lei penal, desfazada da realidade social, excessivamente garantística e favorecendo a impunidade. É por isso que tantas vezes pessoas que são detidas preventivamente (porque havia indícios claros e suficientes durante o inquérito) são depois absolvidas - não propriamente por estarem inocentes da prática do crime, mas porque a prova que foi obtida durante o inquérito não é produzida em audiência de julgamento.
Enquanto os políticos que desconhecem o que é um Tribunal e como são tramitados os processos com as leis por eles criadas continuarem a formar grupos para comissões de legislação compostos por pessoas que têm muita teoria mas pouco ou nada sabem em termos práticos, o sistema judicial vai continuar a ser o bode expiatório de uma culpa que não tem.
Para quando a alteração do processo penal, por forma a cessar com uma impunidade legisticamente promovida, reformando aquilo que verdadeiramente é essencial e não aquilo que é acessório e que apenas serve para fazer bons títulos de jornais ?

sexta-feira, agosto 12, 2005

Medidas urgentes

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Foi hoje publicado no site do SMMP um comunicado à imprensa que tem um significado especial. Segue a transcrição do mesmo:
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«Face à gravidade da situação criada com o anúncio de diversas medidas que afectam o estatuto sócio-profissional de magistrados e funcionários judiciais os Presidentes da Associação Sindical dos Juízes Portugueses do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e do Sindicato dos Funcionários Judiciais reuniram-se hoje em Lisboa a fim de analisarem o teor e alcance das propostas governamentais e as medidas que a partir de Setembro deverão ser adoptadas pelas diversas associações.
Ficou, também e desde logo, decidido alargar o âmbito destas reuniões a outras associações e organismos sindicais da área do Ministério da Justiça cujos associados serão também por elas afectados.
Ainda durante o mês de Agosto e mês de Setembro serão concretizadas novas reuniões tendo em vista estudar a possibilidade de encontrar respostas comuns, que desde já se começaram a delinear».
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Assim seja. São necessárias medidas urgentes.
Vivi poucos anos no tempo da antiga ditadura. Na altura nem cheguei a ter consciência da mesma. Mas hoje começo a compreender o que é viver numa ditadura, ainda para cúmulo, quando ela se diz democrática, mas atropela todos os valores essenciais de um estado de direito.

quinta-feira, agosto 11, 2005

SSMJ

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Está decidido. O Governo, mais uma vez à revelia dos mais elementares direitos e garantias constitucionais, vai circunscrever o subsistema de saúde do Ministério da Justiça a um grupo reservado, a saber, ao corpo da Guarda Prisional e da carreira de investigação criminal da Polícia Judiciária, ao pessoal da carreira técnico-profissional de reinserção social e auxiliar técnico de educação afecto a Centros Educativos e ao pessoal técnico afecto a Unidades Operativas de Vigilância Electrónica, do Instituto de Reinserção Social.
Os projectos finais dos diplomas já estão elaborados (quem quiser, pode solicitar-me, que remeterei uma cópia).
Aos magistrados e os funcionários judiciais que tanto têm contribuído para o subsistema não lhes é reconhecido qualquer direito ou que as suas carreiras tenham dignidade suficiente para beneficiarem desse subsistema. Apenas poderão beneficiar do sistema de acção social complementar, isto é, descontos tipo «cliente de hipermercado» em organismos do MJ que se dediquem à exploração de equipamentos de restauração e hotelaria, apoio em situações de carência socio-económica, apoio à primeira infância e deficiência, apoio à juventude e ocupação de tempos livres, apoio à terceira idade e dependência, apoio ao tratamento de comportamentos aditivos e de promoção da saúde e bem-estar dos beneficiários, promoção socio-cultural dos beneficiários e apoio psico-social.
De facto e em boa verdade, há que reconhecer que os magistrados e oficiais de justiça, em breve, devem precisar de apoio psico-social e de apoio para a sua situação de carência sócio-económica (escrevo-o sem qualquer carácter jocoso, note-se).
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O que continuo a não compreender é...
a) Porque é que, em sede de custas judiciais, a procuradoria devida pelo arguido é contada a favor dos Serviços Sociais do Ministério da Justiça (art. 40.º, n.º 2 e 95.º, n.º 2 do CCJ), se as custas judiciais emergem de um "serviço" público prestado pelos Tribunais e os seus profissionais (Juízes, Magistrados do Ministério Público e Oficiais de Justiça) para neles trabalham, deixam de ser beneficiários do SSMJ ?
b) Porque é que 40% das taxas de justiça criminal revertem para os Serviços Sociais do Ministério da Justiça e 20% para o Instituto de Reinserção Social (art. 131.º, n.º 1. al. b) e 2 do CCJ), se os SSMJ deixam de ter como seus beneficiários aqueles que prestam o serviço nos Tribunais e de onde emergem as custas judiciais ?
c) Porque é que, com o mesmo fundamento, 80%o das taxas de justiça cível das custas judiciais referentes aos processos que correm termos nos Tribunais, continuam a reverter para os SSMJ [art.º 131.º, n.º 3, al. d) CCJ], assim como 20% das taxas de justiça cobradas nos Tribunais Administrativos e fiscais continuam a reverter para os SSMJ [art.º 131.º, n.º 4 CCJ] que vai beneficiar apenas quem NÃO trabalha nos Tribunais ?
d) Porque é que 56%o das taxas de justiça cíveis -pagas por todos que recorrem aos Tribunais - continua a reverter para um sistema privado de previdência, a saber, a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores [art.º 131.º, n.º 3, al. c) do CCJ] ?
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Urge questionar:
-- Então, quem trabalha nos Tribunais deixa de beneficiar dos SSMJ, para os quais revertem uma grande parte das receitas e as custas judiciais referentes aos processos judiciais passam a beneficiar exclusivamente, em sede de SSMJ e de sistemas privados de previdência, quem não faz parte dos quadros dos Tribunais ?
-- É lícito a um Governo, que não apresentou essas medidas no seu programa eleitoral (logo não sufragado democraticamente pelo povo) violar e revogar unilateralmente os contratos administrativos que o Estado outorgou com os seus servidores, aquando do seu ingresso nas carreiras, extinguindo unilateralmente, sem prévia contratação colectiva, direitos laborais, de assistência, saúde e conexos, com clara violação das legítimas expectativas e direitos contratuais ?
-- Não estará em causa o verdadeiro sentido do Estado de Direito Democrático ?

A greve nunca esteve tão perto...

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"Juízes ameaçaram avançar para a greve", lê-se no Diário Económico de hoje. A Associação Sindical de Juízes Portugueses avisa o Governo que “da maneira como está a actuar não pode esperar uma atitude passiva” por parte dos magistrados, que admitem recorrer à greve. Em causa está o diploma que prevê que os juízes assumam os custos monetários dos seus erros.
«Revoltados com o Governo desde que José Sócrates anunciou o encurtamento das férias judiciais, os juízes ameaçam agora partir para a greve. A gota de água que po de fazer transbordar o copo está relacionada com a proposta de lei sobre o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e outras Entidades Públicas, que o Executivo se prepara para apresentar na Assembleia».
Venha ela, que já se faz tarde. De preferência, em conjunto com os magistrados do MP e dos oficiais de justiça. E por vários dias consecutivos ou interpolados. Está na altura de deixar cair o sistema que outros criaram, que outros alteram a seu bel prazer para depois imputar as culpas das suas más soluções legislativas a quem se limita a aplicar o que esses outros têm irresponsavelmente criado.

quarta-feira, agosto 10, 2005

Prevenção a posteriori

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«Casa roubada, trancas à porta», diz o adgágio popular.
Depois de uma semana quase sem dormir ou descansar, por ter tido os incêndios a cerca de 150/200 metros da porta de casa, rodeado de terrenos cujos proprietários parece preferirem que sejam limpos pelas chamas e que não são incomodados pelas autoridades fiscalizadoras e mesmo que o fossem, a contraordenação valia a pena (por cem euros ... vale a pena violar a lei - art.º 29.º, n.º 2, al. f) ex vi art.º 16.º, n.º 2 do Dec.-Lei n.º 156/2004) ...
Depois de uma semana em que grande parte da população portuguesa viveu sobressaltada, em pesadelo, com perda dos seus bens mais preciosos, alguns dos quais verdadeiras relíquias de família e da cultura de um povo, por causa dos incêndios que assolaram o país e queimaram 100.000 hectares ...
Eis que hoje, finalmente, percebemos que a política do Governo é prevenir os incêndios do próximo ano, deixando que tudo arda neste ano, pois assim, necessariamente, nada haverá para arder no próximo ano e a sua política será um verdadeiro sucesso.
Bem diz Vasco Lobo Xavier in Mar Salgado: «A Direcção-Geral dos Recursos Florestais anunciou hoje, 10 de Agosto, por entre as cinzas de dezenas de milhares de hectares de floresta ardida, que está a promover uma campanha de prevenção de fogos, com acções a desenvolver entre Agosto e Outubro. Deve estar a gozar connosco. E a natureza goza com a Direcção-Geral, apresentando-se enublada e chuvosa num dia sem incêndios.É caso para dizer: tarde piaste, Inês é morta».
O mesmo blogueur, noutro post, também alvitra acertadamente «como se articula isso com o desejo do Ministro Alberto Costa de responsabilizar os juízes no caso de erro na determinação de prisão preventiva? Ficam safos no caso de incendiários e pagam nos casos de pedofilia?»

segunda-feira, agosto 08, 2005

Medidas de coacção para fogo posto

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Medidas de coacção para fogo posto devem ser iguais às que regulam outros crimes
O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público defendeu hoje que o rigor das medidas de coacção impostas aos suspeitos de fogo posto deve ser igual aos suspeitos de outros crimes.
António Cluny comentava à Lusa declarações do ministro da Administração Interna, que na noite de ontem considerou que os magistrados devem "afinar" o critério das medidas de coacção aplicadas aos presumíveis incendiários.
Em declarações à RTP, ontem à noite, António Costa sublinhou que tem recebido "informações quer da GNR, quer via Ministério da Justiça, provenientes da Polícia Judiciária, que sublinham a necessidade de haver, quanto à aplicação de medidas de coacção (aplicadas pelos magistrados a incendiários), um critério mais afinado".
O presidente do sindicato disse que o rigor que os magistrados devem assumir para requerer as medidas de coacção deve ser o mesmo para qualquer tipo de crime, quer esteja ligado ao fogo posto ou a outros crimes, como por exemplo a pedofilia ou o homicídio.
António Cluny salientou também as dificuldades existentes no que diz respeito à investigação dos crimes de fogo posto. "Parece pouco credível que as pessoas detidas, na sua maioria portadoras de deficiência, possam ser consideradas responsáveis neste tipo de delitos", afirmou." Seria importante que se intensificassem os métodos de investigação das forças policiais para determinar por vezes os verdadeiros mentores do fogo posto", frisou.
António Cluny defendeu ainda que se deveria aprofundar estes processos caso a caso em concreto.
Apesar de considerar justas as preocupações do ministro, António Cluny considerou-as uma forma de "desviar as atenções" por as "medidas adoptadas pelo Governo para a prevenção de fogos florestais não terem tido os resultados esperados". "Não há que desviar a atenção das insuficiências nas medidas adoptadas para a prevenção para outras áreas", salientou.
in PÚBLICO

domingo, agosto 07, 2005

Ataque à independência de julgamento

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Segundo noticia o DN de ontem, o Governo vai avançar com um projecto de diploma que prevê que os magistrados paguem os custos dos erros judiciais, sendo obrigados a devolver o valor de indemnizações pagas pelo Estado às vítimas de decisões dolosas ou grosseiramente negligentes.
O projecto de diploma propõe outras medidas a aplicar no caso de o juiz errar na apreciação dos pressupostos, tais como o ressarcimento dos cidadãos que esperam longo tempo por decisões judiciais e o dever de recompensar quem sofra prisão preventiva injustificada.
Para o Governo, é letra morta o art.º 5.º do EMJ, que é uma concretização do art.º 216.º, n.º 2 da Constituição que consagra que "os juízes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvo as excepções consignadas na lei", estabelecendo-se precisamente no n.º 3 do art.º 5.º do EMJ que "fora dos casos em que a falta constitua crime, a responsabilidade civil apenas pode ser efectivada mediante acção de regresso do Estado contra o respectivo magistrado, com fundamento em dolo ou culpa grave".
Destes preceitos - em vigor - resulta que num Estado de Direito Democrático, o Juiz tem que ter liberdade para decidir, dentro dos limites que a lei lhe define, que o processo lhe exige e que as partes, seus mandatários podem sustentar, inclusivamente em sede de recurso. Todas as garantias são concedidas e se porventura um Juiz decide com dolo ou com culpa grave (isto é, com a intenção de prejudicar alguém), tem necessariamente que ser responsabilizado, inclusivamente criminalmente.
Mas abrir a possibilidade para que um Juiz que tem a seu cargo 3000 processos (quando no máximo, segundo estudos nacionais e comunitários a contingentação deveria cifrar-se no máximo de 500 processos) possa ser responsabilizado por negligência por atrasos derivados a não poder dar andamento a um volume excessivo de processos que nunca lhe deveria estar atribuído é coarctar definitivamente o direito dos cidadãos a um julgamento independente, imparcial e com o necessário tempo para reflexão em consciência. As decisões poderão passar a ser mais formais que substanciais e a verdade material pode deixar de ser procurada em detrimento da justeza da causa. Isto é, poderá ficar tolhido o direito fundamental dos cidadãos a uma justiça independente.
Isso mesmo é hoje afirmado pelo Dr. Baptista Coelho, ao Correio da Manhã, segundo o qual «Os funcionários só devem ser pessoalmente responsabilizados se houver caso de dolo, intenção deliberada de prejudicar alguém. Até devem ser responsabilizados criminalmente”. Revela-se “frontalmente contra” a possibilidade dos magistrados serem responsabilizados pessoalmente por negligência.“O conceito de culpa grave é muito vago e ninguém compreenderá que um juiz passe a estar condicionado pelo receio de poder errar. Condiciona a independência e as decisões”» .
Como comenta - e bem - uma leitora do mesmo jornal, "o que os políticos querem é ficar acima da lei.Há anos que andam a ver se metem a magistratura no bolso. Assim pode haver pedófilos e corruptos que nem sequer vêm a público. É a negação da justiça. Mas não nos deve surpreender. Todos sabemos o que a casa gasta..."
Infelizmente, tenho que concordar com essa leitora.
O Estado de Direito Democrático - fundado na lei, na independência e imparcialidade - está a terminar o seu tempo. Está a aparecer aí o Estado de Interesses Políticos. E muitos cidadãos que pensam que com essas atitudes o poder político está a tirar privilégios a determinadas profissões, enganam-se profusamente. O que sucede é que os cidadãos, eles próprios, estão a perder direitos e garantias, pois uma sociedade sem Tribunais independentes, exclusivamente cumpridores da lei, com garantia de isenção e sem pressões políticas é o fim da democracia e o reinício da ditadura da política.
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Sobre esta questão, cfr. o post de Vasco Lobo Xavier, in Mar Salgado:
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CONCEITOS:
Há alguma dificuldade no tratamento de algumas questões às quais se atrelam determinados conceitos. As "férias dos juizes" é uma delas, como o leitor assíduo deste blog já terá reparado. Agora há uma nova, que é a "irresponsabilidade dos juizes".
Vou tentar explicar, desta vez sem recorrer às modalidades desportivas. Em primeiro lugar, atente-se no seguinte: se um juiz errar (grosseiramente, de forma evidente) na sua decisão, a vítima dela é hoje indemnizada, pelo Estado. O juiz será certamente penalizado pelo órgão fiscalizador (logo, não é irresponsável. Aliás, está já estabelecida a situação de dolo. Daí o problema de se utilizarem alguns conceitos para certas situações ou questões), mas não é ele, naturalmente, quem irá sofrer a obrigação de indemnizar monetariamente o lesado. Com isto, a sociedade organizada garante uma coisa essencial: garante que o juiz decide (bem ou mal, já lá iremos) de forma completamente independente, apenas valorando a prova que diante dele se faz. Repito, se errar, o Estado, a sociedade organizada paga a compensação devida, como acontece agora.
O que este governo socialista pretende neste momento é responsabilizar os juizes no caso de erro destes na avaliação da decisão de prisão preventiva. Serão os juizes - e já não a sociedade organizada - a indemnizar, em última análise, presos preventivamente que se venha a verificar terem sido erradamente detidos.
Por outras palavras, os juizes apreciarão os casos que se lhes depararem não só tendo em consideração a prova que diante deles se produzir mas também o receio de um dia virem a ser processados e obrigados a pagar por terem decidido mal. Não será só uma questão disciplinar, de má nota; o juiz decidirá com medo do que lhe vier a acontecer no futuro.
Passarão, portanto, a decidir sendo partes interessadas no processo.
O resultado é que mais nenhum juiz mandará ninguém para a prisão (Ó-lá-lá, vou-me agora chatear?.... Vem aí uma defesa mais elaborada para o julgamento ou depoimentos diferentes ou alterados ou ainda, justamente, demonstradores - agora! - de que o MP funcionou mal na acusação e eu é que me vou tramar? ? Isso é que era bom!).
Fulano é detido, presente ao juiz, realizam-se as acções necessárias e legais e, segundo todos os critérios, conclui-se que Fulano cumpre as disposições necessárias a uma prisão preventiva por fogo posto (para utilizar um tema actual e incandescente....), de onde resultaram inclusivamente mortes humanas. Pois o juiz irá mandar o suspeito em liberdade com medo de, mais tarde e com mais tempo, se vir a considerar provado que o dito estava noutro país com amigalhaços. Se falo de casos de fogo posto, pensem em casos de pedofilia, vai ser a mesma coisa.Num país de criminosos, esta medida seria naturalmente aplaudida com entusiasmo.
Num país civilizado, esta atitude do governo socialista seria de imediato rechaçada por todos:
-- pela população em geral, porque isto afecta negativamente a sua vida e as decisões que lhe dizem respeito;
-- pela comunidade científica, porque isto afecta aquilo que têm defendido;
-- pela oposição democrática, porque isto afecta a democracia e a independência dos poderes;
-- pelos defensores da nossa Constituição, porque isto a afecta indubitavelmente, na mesma medida que impede a independência dos juizes,por todos, enfim, porque a medida tem a carinha chapada e imberbe da vingança sobre a prisão preventiva que alguns tiveram ou a pressão inadmissível que o Governo quer colocar sobre o poder judicial.
Ora nós gostávamos mais da independência de poderes, ou já não será assim?»
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E ainda, o post de J. António Barreiros, in
Patologia Social:
Permitam-me algumas notas de espanto quanto aos termos da polémica sobre facto de o Governo pretender legislar sobre a responsabilidade civil dos juízes para além dos limites apertados que estão hoje ainda consignados no artigo 5º, n.º 3 do EMJ, onde se diz que «salvo nos casos em que a falta constitua crime, a responsabilidade civil apenas pode ser efectivada mediante acção de regresso do Estado contra o respectivo magistrado, com fundamento em dolo ou culpa grave».
O que se conhece quanto a tal matéria é [ridículo!] o que vem nos jornais.
Com esse limite, permitam-me três notas.
Primeira, o vir a iniciativa divulgada na imprensa assim: «o Governo pretende que o Estado alargue as indemnizações às vítimas de erros judiciais e que os juízes, em casos graves, sejam chamados a comparticipar essa despesa» [sic, DN], como se fosse uma mera questão de intendência financeira o que estivesse em causa.
Segunda, haver quem, do lado dos críticos, trate sindicalmente o problema em causa como se estivéssemos a falar da responsabilidade dos «funcionários», e como se o facto de se tratar de «magistrados» não conferisse ao tema a indispensabilidade de um tratamento especial.
Terceira, a circunstância de ninguém relevar porque é afinal tão fácil ao poder político agendar todo um corpo de medidas contra os magistrados e lograr sempre a simpatia popular para tudo isso: ontem as férias, hoje a responsabilidade, e ainda haverá quem peça mais! Qualquer dia teremos um PGR não magistrado, se não por unanimidade, pelo menos por aclamação. Viva!
P.S. A propósito de responsabailidade civil de quem decide: quantos ministros já foram directamente responsabilizados pelos actos praticados no exercício das funções e, a atentar no que se lê na imprensa e se ouve no Parlamento, é tudo um cortejo de horrores?