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O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), em comunicado do dia de hoje, enuncia que «apesar de todos os esforços e negociações levadas a cabo pelos sindicatos e associações sindicais, o Governo persistiu na ideia de alterar o regime de férias e proceder ao congelamento de suplementos remuneratórios, bem como determinar a não contagem de tempo para efeitos de progressão».
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O SMMP elaborou uma nota sintética de levantamento de algumas questões de inconstitucionalidade formal e material dos referidos diplomas, a qual foi oportunamente apresentada ao Presidente da República - que, pelos vistos, as ignorou por completo, promulgando as leis, sem pestanejar ou requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva, evidenciando como funcionam algumas das nossas «instituições» chamadas democráticas e que têm por obrigação fundamental cumprir a Constituição. É que uma coisa é apôr uma assinatura sem que ninguém tenha suscitado nenhuma questão, outra é promulgar inconstitucionalidades antes assinaladas expressamente, com graves repercussões em direitos constitucionalmente consagrados, mas em relação aos quais se fecham os olhos.
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Diz o referido comunicado que «o SMMP irá continuar a estudar eventuais formas de impugnar estas medidas, formas essas que poderão passar pelo recurso aos Tribunais Administrativos» [apoiado].
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A partir desse comunicado, é disponiblizado o texto da referida nota sintética (em formato PDF). Convertemos essa informação para texto, para permitir uma leitura mais fácil, que agora se disponibiliza infra (com ligeiras adaptações, dado que deixou de ser proposta de lei para se tornar «lei da república»).
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1. A Lei 42/2005, que altera o regime de férias judiciais, viola preceitos e princípios constitucionais.
Assim:
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a)inconstitucionalidade formal:
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-A Lei altera o regime de férias judiciais, e por via disso, o regime de férias dos magistrados. Na verdade, até agora os magistrados gozavam o seu direito de férias (quantificado nos termos gerais da função pública) no período de férias judiciais ditas grandes ou de Verão. Dado o período de 60 dias em que os tribunais permaneciam em ritmo atenuado1, aos magistrados era possível gozar as férias a que cada um tinha direito, independentemente do número de dias, mas nunca inferior a 22 dias úteis, segundo a lei geral. - Ora, o governo, através da PP de lei em causa, altera o período de férias judicias, e assim, também o regime de férias dos magistrados.
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-Nos termos da lei 23/98, de 26 de Maio, a alteração ou fixação do regime de férias é matéria sujeita a negociação colectiva (vide artigo 6º).
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-E tal negociação tem de obedecer aos trâmites e calendários que a lei estipula, com vista à obtenção de acordo (artigo 5º, n.º 2).
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-E tal negociação tem de obedecer aos trâmites e calendários que a lei estipula, com vista à obtenção de acordo (artigo 5º, n.º 2).
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-Tal porém não foi observado pelo Governo, a quem compete realizar a negociação (artigo 14º), como bem se pode observar da Acta que ora se junta. -Com efeito, o Governo começou por não observar o prazo prévio mínimo imposto para marcação da reunião, visto o ter feito em período muito inferior a cinco dias úteis (artigo 8º).
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-Seguidamente, o Governo, na primeira e única reunião realizada a esse propósito, limitou-se a expor os seus pontos de vista, tendo o SMMP apresentado então várias contrapropostas que não tiveram qualquer resposta. (artigo 7º, nºs 3 e 4) O Governo limitou-se a registar em Acta que seria enviada nova versão da pp, o que não foi feito, tendo sim aprovado esta no CM seguinte à reunião.
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-Não fez registar qualquer acordo ou desacordo, de forma a permitir que fosse desencadeado um período suplementar de negociações (artigo 9º, nº 1).
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-Não foi assim cumprido o que a Constituição (artigo 56º) e a lei 23/98 determinam a propósito da participação das associações sindicais na contratação colectiva.
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-Tal facto implica inconstitucionalidade por violação do direito das associações sindicais à negociação colectiva, nos termos do artigo 56º da CRP (vide, v.g., Acórdãos do TC, n.º 360/93 e Acórdãos aí referidos (aquele suscitado pelo PR);
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b) Inconstitucionalidade material
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-Tal facto implica inconstitucionalidade por violação do direito das associações sindicais à negociação colectiva, nos termos do artigo 56º da CRP (vide, v.g., Acórdãos do TC, n.º 360/93 e Acórdãos aí referidos (aquele suscitado pelo PR);
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b) Inconstitucionalidade material
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-Até agora os magistrados gozavam o seu direito de férias (quantificado nos termos gerais da função pública) no período de férias judiciais ditas grandes ou de Verão. Dado o período de 60 dias em que os tribunais permaneciam em ritmo atenuado, aos magistrados era possível gozar as férias a que cada um tinha direito, independentemente do número de dias, mas nunca inferior a 22 dias úteis, segundo a lei geral.
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-Se a tal direito se juntarem os dias de turno que era necessário assegurar, pode dizer-se que o sobrante era marginal, na medida em que uma larga maioria ainda aproveitava alguns desses dias para recuperar atrasos e/ou estudar, com tempo, questões mais complexas.
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-Por outro lado, importa ainda recordar que, de todo o modo, o exercício do direito a férias era um exercício condicionado, ao contrário dos trabalhadores em geral, e da função pública, na medida em que as férias eram obrigatoriamente gozadas naquele período.
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-Isto é, os magistrados tinham de se adaptar ao período temporal que o Estado lhe determinava unilateralmente para o exercício do direito a férias. Tinham porém alguma (ainda que reduzida) flexibilidade dentro dos já referidos 60 dias...
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-O Governo impõe agora, novamente de forma unilateral, um período no qual os magistrados têm de obrigatoriamente gozar as suas férias.
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-Registe-se que nem sequer há a possibilidade reconhecida aos trabalhadores em geral ou aos funcionários públicos de tentar um acordo para o referido exercício: o magistrado tem de gozar as suas férias em Agosto! Bem, mas como 30 dias do mês de Agosto não são suficientes para o referido exercício (dado que, desde logo, a maioria terá direito entre 22 a 30 dias úteis de férias!!!) então obrigatoriamente terão de ser gozados de 15 a 31 de Julho!
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-Mas, note-se, em tempo normal de serviço, com prazos processuais a correr e com as dificuldades inerentes à substituição do magistrado.
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-As férias, segundo a Constituição, visam proporcionar descanso e restabelecimento, e constituem inegáveis direitos fundamentais.
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-Verifica-se aqui uma compressão intolerável, em termos de Direito, sobre o exercício de um direito às férias, o qual deve ser visto segundo o interesse de quem
o vai exercer e menos do lado do Estado.
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o vai exercer e menos do lado do Estado.
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-Logo, é o próprio interessado que tem o direito a escolher o tempo para o exercício do direito às suas férias e não a vê-lo imposto, de forma desproporcionada, e injustificada, por uma das partes, neste caso o Estado, sem possibilidade de (tentativa) de acordo.
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-Nada há que justifique esta opção, visto haver alternativas mais consentâneas com o Direito (designadamente eliminando o período de paragem dos tribunais e permitindo que os magistrados acordem o período de gozo das suas férias).
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-Na verdade, tratando-se da imposição unilateral do exercício de um direito, da esfera de outrem, restringindo esse mesmo exercício, tal teria de se mostrar “razoavelmente fundado, idóneo e não excessivo em relação a (eventuais) razões de interesse público” - o que se não verifica.
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-Assim, também nesta medida se verifica inconstitucionalidade, de natureza material, por haver compressão intolerável a um direito constitucionalmente reconhecido e valorizado como o das férias, sob pena de apenas haver um direito formal, e ficar em causa a garantia efectiva de um direito fundamental (artigo 2º da CRP), e afectando-se o conteúdo essencial desse direito para lá do necessário à salvaguarda de outros direitos (artigo 18º, nºs 2 e 3 da CRP).
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2.Lei 46/2005
Em relação a esta proposta são feitas as considerações respeitantes à inconstitucionalidade formal feitas a propósito da Lei 45/2005, dado que o procedimento negocial se pautou, genericamente, pelo percurso apontado supra.
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[O texto original constante do SMMP é assinado por Dr. Jorge Costa, da Direcção do SMMP].