sexta-feira, setembro 30, 2005

Recortes do dia [30.09.2005]

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VASCO LOBO XAVIER RESPONDE A MIGUEL SOUSA TAVARES
«I. De tempos a tempos, MST tem um ataque de Vasco Pulido Valente e produz textos de forte pendor crítico bastante interessantes, que leio com agrado. Pena é que por vezes o faça de forma negligente ou leviana, como aconteceu com o artigo de hoje, no Público, através do qual pretendeu atacar as magistraturas judiciais e do MP.
Independentemente das críticas que lhes queira fazer, não se compreende que MST, qual vulgar homem da rua ou o Ministro da Justiça, se refira por duas vezes a "férias", dizendo que os juízes reclamam por férias (coisa que nunca ouvi falar) e que têm mais de dois meses de férias, o que uma pessoa informada e culta como MST deveria saber que não é verdade.
Mas se MST ainda confunde férias judiciais com férias dos magistrados - o que nele, repito, é indesculpável -, devia ao menos estar atento e saber que os magistrados sugeriram até ao governo que se acabasse por completo e de vez com as chamadas férias judiciais. Devia ainda perceber a razão de ser da existência das ditas férias judiciais e não embarcar neste medida populista e imbecil do governo.
Sugiro-lhe que leia com atenção o disparate pegado que é a L. 42/05 de 29/8 para perceber a enorme confusão que o governo resolveu criar e que não vai resolver nada nos tribunais nem melhorar em nada a situação daqueles que se servem ou necessitam da justiça. Muito pelo contrário, aquele diploma é uma tolice feita em cima do joelho.
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II. MST insurge-se também contra as magistraturas porque as pessoas têm de aguardar bastante para ter uma decisão e porque, "a pretexto de formalismos processuais e bizantinices jurídicas que ninguém de boa-fé consegue reconhecer como justiça", por vezes é-lhes negada razão (ou concedida, acrescento eu). Neste último ponto concordo com MST mas os formalismos e as bizantinices não são criadas pelas magistraturas e sim pelo poder político.
As magistraturas não têm nada a ver com isso, limitam-se a aplicar a lei, umas vezes bem, outras mal, mas não são elas que inventam as regras ou os prazos e isso não pode deixar de ser do conhecimento de MST, pelo que a crítica falhou completamente o alvo. Na verdade, todos nos espantamos com o sucedido em Felgueiras mas não foi aplicada nenhuma norma que não tivesse tido origem no poder político.
Do mesmo modo, MST falha o alvo quando compara a situação portuguesa com a de outros países porque naquilo a que se refere, o mal também não tem origem nas magistraturas mas sim na decisão política de ter este ou aquele tribunal aberto em comarcas que não o justificam.MST está há muito longe disto mas posso-lhe garantir que as confusões que têm sido inventadas pelos sucessivos governos, os tribunais especiais, os processos especiais, as variadíssimas formas de processo, este disparate das execuções, têm apenas dificultado a vida aos profissionais que lidam com a justiça e aos particulares que a ela recorrem, a preços cada vez mais caros.
E as demoras na produção de sentenças não podem ser medidas sem ter em consideração o número de processos que tem quem as produz, o que me parece óbvio e MST certamente concordará. Portanto, uma vez mais a questão é política e a sua resolução depende de se colocarem mais ou menos magistrados nos locais críticos, só que isso custa dinheiro que o governo não quer gastar, não depende dos magistrados (com excepção dos mandriões, claro). E custa-me ver uma pessoa como MST a misturar tudo no mesmo saco, como se a culpa de tudo fosse apenas das magistraturas.
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III. Insurge-se por fim MST contra aquilo que ele chama de "regalias" concedidas a quem escolha este "emprego". Fico surpreendido com MST. Julgava que ele tivesse consciência de que, muito particularmente neste país miserável, a liberdade e a democracia só se garantem com um poder judicial forte, que tenha os meios necessários para agir rapidamente em defesa das pessoas. E que os magistrados, por todos os motivos, devem ser bem pagos - coisa que, de resto, nem acontece - para exercerem a sua função (não confundir com "emprego").
Ou prefere MST que para as magistraturas vão os piores, os menos dotados ou dedicados, porque os melhores não estão para se sujeitar ao pacote que lhes é proposto? Queixa-se MST das magistraturas e quer piorar as coisas?
Julgo que MST não duvida que por esse país fora existam inúmeros magistrados a trabalhar em condições de meter nojo, fora de horas, com sacrifícios vários, sem receber mais por isso, sem poder receber mais de qualquer lado, sujeitando-se a coisas como - repare MST no absurdo - não poderem ausentar-se das comarcas a que estão ligados (no limite, não podem ir jantar ao concelho vizinho) ou a não poderem fazer férias quando bem lhes apetece. Não lhe parece agradável, pois não?
Uma última palavra, MST, sobre a independência e aquilo que chama irresponsabilidade dos magistrados face às decisões proferidas. MST não ignora que esta tentativa de responsabilizar os juízes no que diz respeito às decisões relativas à prisão preventiva tem um rosto e uma justificação.
Mas no dia em que o juiz proferir a sua decisão - não em função do que entende mas sim - em função do que lhe possa acontecer a ele próprio, a sua necessária independência desaparece de imediato, ao mesmo tempo que se esfumará qualquer ideia de justiça neste país.Do que conheço de MST, não é certamente isto que pretende».
In MAR SALGADO (LINK)
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«O DIREITO AO DESPERDÍCIO DE UM CRONISTA PRIVILEGIADO»
«Um tipo que escreve crónicas nos jornais e cronica na tv, escreveu hoje no Público uma série de aleivosias sobre justiça:
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Uma greve na justiça não incomoda ninguém: para aqueles que esperam um ano por um simples despacho e dez anos por uma simples sentença, uma semana de greve de juízes, magistrados do Ministério Público e funcionários não incomoda rigorosamente nada.
Hoje, os juízes e o Ministério Público podem gritar aos quatro ventos que estão a ser maltratados e desconsiderados que ninguém mexerá uma palha para os defender. Para quê defender quem não nos defende?
Nunca os incomodou o facto de o objectivo essencial da sua actividade - que é o serviço público - servir para tudo menos para cumprir a sua função.
(os juízes) são independentes, isto é, não respondem perante ninguém(…)
O que resta, então, para nos comovermos com as dores dos juízes e magistrados do Ministério Público? O muito que o país lhes deve por, simplesmente, existirem?
Miguel Sousa Tavares, in Público.
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«Nestas frases se resume a crónica de hoje, no Público, de um cronista que costuma assinar com nome feito e que assim leva a vida. São frases assassinas. Não para os visados, mas para os leitores que assim satisfazem frustrações. São frases avulsas onde perpassam ideias simplistas e do mais perfeito e acabado populismo que o próprio cronista muitas vezes diz execrar, mas cultiva com afinco naquilo que repudia, numa carambola aldrabona. São ideias que procuram capar a inteligência de quem lê e como o público leitor espera sangue na escrita, o cronista põe-lhe o alguidar na frente, também sedento e porventura satisfeito da proeza.
O resultado é o mais comum e mais corriqueiro efeito populista: acirrar ânimos contra detentores de poder, numa tendência justiceira de garrote já posto e poste ao alto. Judicial, neste caso. Noutros, político. Noutros ainda, poder de facto, seja ele qual for.
É um discurso para um antigo mercado no campo das cebolas, feito de gritos primários e atidos ao singelo dos sentidos: veja aqui, freguês! Olhe aqui estas nabiças! Ou um apelo ao apurado sentido de feira do leitor que estaca ao ouvir o pregão que vende dois cobertores pelo preço de meio. E ainda oferece um penico e um par de ceroulas. Quem lê estas afirmações, fica a pensar que a classe de magistrados é uma classe de malandros, nos dois sentidos da expressão: calaceiros e trapaceiros - ao mesmo tempo. Privilegiados também e que não merecem o que ganham, ganhando muito mais do que deviam.
Noções como poder independente de outros poderes, e que garantem direitos liberdades e garantias de cidadãos, confundem-se com “não respondem perante ninguém”, numa noção alarve mais populista do que a que se poderia ouvir na rua Escura do Porto em dia de campanha eleitoral.
A noção essencial de tribunal como órgão de soberania que aplica justiça em nome do povo, sindicaliza-se numa popularucha e apelativa reivindicação de “para quê defender quem não nos defende?”/ A afirmação gratuita de que o serviço público que os magistrados exercem, é sempre um exercício em proveito de algo excepto do bem público é o corolário desta crónica maledicente em tonalidade despeitada e sem ponta por onde se pegue para dar a ideia precisa do problema da Justiça.
É uma crónica rasteira nas intenções que aparecem como honestas mas ludibriam o próprio cronista. Bastar-lhe-ia reflectir uns segundos na carga das afirmações feitas e no vazio de sentido que transportam, para além do efeito garantidamente popularucho. Bastar-lhe-ia atentar que ao dizer que “uma greve na justiça não incomoda ninguém”, está a deslegitimar e a pôr a nu a chico-espertice de um governo que requisita civilmente funcionários judiciais em greve, para “serviços mínimos”!
Não é a primeira vez que o cronista procura arrasar tribunais, justiça, magistrados e outros profissionais, em crónicas de vão de escada. Em certa altura da croniqueta aleivosa, refere-se ao estatuto profissional do juiz, para deixar implícito que ganha fortunas para aquilo que faz. É altura de alguém lhe perguntar quanto ganha por escrever estas aldrabices! E se merece o que ganha…»
In GRANDE LOJA DO QUEIJO LIMIANO (LINK)
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ASSOCIAÇÃO EUROPEIA DE MAGISTRADOS PREOCUPADA COM SITUAÇÃO DA JUSTIÇA PORTUGUESA
«A Associação dos Magistrados Europeus para a Democracia e Liberdades (MEDEL), reunida hoje na Polónia, manifestou-se preocupada com a situação da Justiça em Portugal e com o risco de o equilíbrio estatutário dos magistrados ser posto em causa.
Na reunião da MEDEL, que agrupa associações de magistrados de dez países europeus, Portugal foi representado pelo presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), António Cluny, que relatou a situação actual da Justiça portuguesa, com greves dos magistrados e funcionários públicos em protesto contra medidas governamentais para o sector.
Numa declaração sobre a situação portuguesa, a MEDEL sublinhou que o estatuto dos juízes e magistrados do Ministério Público portugueses consagra princípios avançados de independência e de autonomia que constituem uma referência na Europa. "Esses estatutos instituem igualmente um equilíbrio essencial entre direitos e deveres profissionais", refere a MEDEL em comunicado.
A associação sublinha que para "garantir esta independência e autonomia numerosas declarações internacionais proclamam a necessidade de estabelecer um conjunto de direitos estatutários que garantam, no seio de cada Estado e de cada sociedade, a dignidade da função de magistrado".
"A MEDEL constata que existe um greve risco de ver este equilíbrio estatutário posto em risco em Portugal", refere a estrutura europeia em comunicado.
Em consequência, a MEDEL manifesta a sua "inquietação perante a evolução da situação portuguesa e insiste sobre a necessidade de manter a coerência dos estatutos dos juízes e magistrados do Ministério Público, designadamente cuidando de preservar os direitos de que beneficiam"».
In PÚBLICO ON-LINE (LINK)
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Nota: Segue texto original da resolução divulgado pela MEDEL (em francês)
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MEDEL - MAGISTRADOS EUROPEUS PARA A DEMOCRACIA E LIBERDADE - RESOLUÇÃO A PROPÓSITO DA ACTUAL SITUAÇÃO DA JUSTIÇA EM PORTUGAL
«DECLARATION DE MEDEL AU SUJET DE LA SITUATION PORTUGAISE
Le Conseil d’administration de MEDEL (Magistrats Européens pour la démocratie et les Libertés), réuni à Cracovie le 30 septembre 2005, informé de la situation actuelle de la justice portugaise a adopté la résolution suivante .
1. Les statuts des juges et des membres du Parquet portugais consacrent des principes avancés d’indépendance et d’autonomie qui constituent une référence en Europe.
2 . Ces statuts instituent également un équilibre essentiel entre droits et devoirs professionnels.
3. Pour garantir cette indépendance et cette autonomie, de nombreuses déclarations internationales proclament la nécessité d’établir un ensemble de droits statutaires et garantissent au sein de chaque Etat et de chaque société la dignité de la fonction de magistrat.
4. MEDEL constate qu’un grave risque existe de voir cet équilibre statutaire mis en cause aujourd’hui au Portugal.
5. MEDEL manifeste en conséquence, son inquiétude devant l’évolution de la situation portugaise et insiste sur la nécessité de maintenir la cohérence des statuts des juges et des magistrats du parquet et plus particulièrement de veiller à préserver les droits dont ceux-ci bénéficient.
* MEDEL regroupe des associations de magistrats (juges et ministère public) de Allemagne, Belgique, Chypre, Espagne, France, Grèce, Italie, Pologne, Portugal et République Tchèque. MEDEL est dotée du statut consultatif auprès du Conseil de l’Europe. LINK
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A RAZÃO DO LADO DOS OFICIAIS DE JUSTIÇA
«COMUNICADO DO SFJ:
Depois da enorme adesão à greve de ontem, em que mais de 90% dos funcionários aderiram, o Ministério da Justiça e o Conselho de Ministros, de forma inaceitável, lançaram mão de um conjunto de medidas com a intenção objectiva de criar um clima de confusão e coacção nos tribunais, porque constataram que, afinal, a nossa indignação é legítima, tem motivos e estamos unidos e determinados.
Despacho Conjunto de 2005.09.23, dos Ministérios da Justiça e do Trabalho e da Solidariedade Social.
1.1 Desproporcionalidade na designação dos recursos humanos para assegurar os serviços mínimos estabelecidos – um por cada secção/juízo. Significa isto que em alguns Tribunais tinham que estar presentes sete, oito ou mais funcionários quando nos turnos de sábado a lei apenas designa dois para assegurar os mesmos serviços.
1.2 O despacho vai ainda mais longe: atribui aos magistrados a possibilidade de poderem designar mais funcionários, sem limite, se o entenderem!! Trata-se de uma competência ilegítima e que é propícia a criar conflitualidade desnecessária entre oficiais de justiça e magistrados.
Ofício-Circular nº. 43/2005 da Direcção-Geral da Administração da Justiça.
2.1 Reforça aqui a desproporcionalidade dos recursos humanos em relação aos serviços mínimos a assegurar, num claro afrontamento à classe dos oficiais de justiça, ferindo seriamente a sua dignidade – ponto nº. 3, 1º.
2.2 Também aqui foram chamados os Srs. Magistrados a usar o seu poder discricionário sobre os oficiais de justiça e sobre os serviços a assegurar, novamente, numa clara postura divisionista.
Ofício-Circular nº. 44/2005 da Direcção-Geral da Administração da Justiça.
3.1 Refira-se aqui a estranha coincidência da publicação de um movimento de oficiais de justiça, do mês de Fevereiro, precisamente na data em que se iniciou a greve decretada.
3.2 Tal facto serviu apenas para criar grande pressão dada a extrema complexidade jurídica relativa à data limite para as respectivas tomadas de posse.
Some-se a tudo isto, uma série de mensagens electrónicas e telefonemas da Administração da Justiça a coagir os oficiais de justiça de forma a amedrontar e com implícita ameaça de procedimentos disciplinares.
Finalmente a requisição civil decretada ontem pelo Conselho de Ministros, que mais não veio confirmar e corroborar todo o histórico atrás descrito. De facto o despacho da referida requisição civil mais não é do que a reposição de uma série de ilegalidades e pressões e coações, mais pretendendo impor que em vez de serviços mínimos sejam, sim, cumpridos “serviços máximos”.
Todas estas situações criaram e continuam a criar enorme confusão e um clima de difíceis relações de trabalho a que urge pôr termo. São inúmeras as informações que vamos recebendo dos Tribunais sobre a dificuldade na articulação e cumprimento da respectiva requisição civil que em muitos casos apenas cria conflitualidade entre colegas.
É importante limpar o caminho que, lamentavelmente, a Administração da Justiça e o Conselho de Ministros enlamearam.
O Sindicato reuniu com o Gabinete Jurídico, no sentido de avaliar eventuais implicações decorrentes da autêntica confusão instalada nos tribunais e eventuais situações disciplinares decorrentes dessa mesma confusão, tendo também sido analisada a questão jurídica subjacente às posses relativas ao movimento ontem publicado.
Assim, em reunião extraordinária do Secretariado Nacional do SFJ, deliberou-se o seguinte:
Considerando que os principais objectivos desta greve eram
· a denúncia pública das deficiente condições de trabalho em que desempenhamos as nossas funções diariamente nos tribunais;
· o esclarecimento da opinião publica de que é mentira a permanente acusação deste Governo de que temos privilégios injustificados;
· a denúncia de que este Governo nada fez até agora para resolver os verdadeiros problemas da Justiça: a falta de funcionários, a formação, as alterações legislativas, etc., mas continua a adoptar medidas que apenas pretendem afrontar e desconsiderar uma classe que trabalha com empenho e dedicação;
· a demonstração inequívoca de que os funcionários judiciais estão unidos e conscientes das suas razões e por isso aderiram de forma inequívoca à greve e à manifestação;
· que a continuação desta greve nos próximos dias 3 e 4 de Outubro, sob a coação e pressão de requisição civil já referida, e atentos os seus termos, apenas serviria, agora, para criar um clima de confusão e divisão na nossa classe, como temos constatado durante o dia de hoje;
O Secretariado Nacional do S.F.J. reunido extraordinariamente decidiu:
1. Impugnar contenciosamente o respectivo despacho da requisição civil, tendo já solicitado para o efeito a colaboração de ilustre advogado;
2. Desconvocar a greve de 3 e 4 /10, sem prejuízo do apelo a todos os associados para que, em articulação com o sindicato divulguem nesses dias, o mais amplamente possível, e em particular junto dos cidadãos as justas razoes da nossa luta.
3. Reafirmar a disposição de continuar uma luta que é mais do que justa e assim, desde já marcar greve para o próximo dia 26/10, fazendo coincidir o dia com a greve já marcada pela Associação Sindical dos Juízes e pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, e apelando a que adesão à mesma seja ainda mais maciça do que esta alcançou.
Não se trata de nenhuma cedência, mas apenas uma alteração de estratégia deixando o Sr. Ministro “com a requisição civil” na mão”!!
Se o governo não demonstra clarividência para gerir a instabilidade por ele próprio criada, assumimos nós essa responsabilidade no sentido de estabilizar os serviços da justiça».
In site do SFJ
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PRIVILÉGIOS DOS JUÍZES OU O REINO DA IGNORÂNCIA
«O sector da justiça tem sido alvo de sucessivos ataques.
Na melhor das hipóteses, tudo não passa de um completo desconhecimento do que realmente significa o poder judicial e em que consiste a função dos juizes.
Na pior, trata-se do mais primitivo desejo de subjugar tudo o que nos é contrário.
Neste momento histórico em que vivemos, as fronteiras entre o real e o virtual quebraram-se, dando lugar a um mundo onde o bom senso e os valores adquiridos deixaram de reinar.
Para inverter esta tendência, dou conta do dia-a-dia não virtual de um juiz, a exercer funções num tribunal da periferia de Lisboa.
Trabalha num gabinete, como tantos outros juizes.
Mas a impressora que tinha ao seu dispor deixou de funcionar: recusou-se a trabalhar e suspeita-se que não foi por solidariedade com a greve dos funcionários judiciais.
Comunicada a situação à Direcção Geral da Administração de Justiça não foi obtida ainda qualquer resposta.
Os processos conclusos, numa média diária que ronda os 70 a 80, não são, porém, solidários e têm vindo a ser despachados, há já quatro dias, pelo próprio punho do juiz.Em desespero de causa, o juiz quis trazer a sua impressora pessoal, mas logo desistiu, porque não havia verba para comprar tinteiros...
A ignorância, enfim, útil!
in BLOG IDEALISTA (LINK)

Persistência na arrogância

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Alberto Costa recusa voltar a atrás
MINISTRO DA JUSTIÇA AFASTA HIPÓTESE DE RETOMAR NEGOCIAÇÃO COM JUÍZES E MAGISTRADOS
«O Ministro da Justiça disse hoje que o Governo vai cumprir todas as medidas tomadas para o sector da Justiça, afastando a hipótese de regresso à mesa de negociações com os juízes e magistrados, que agendaram greves para o final de Outubro.
Alberto Costa, que falava à margem de uma visita ao Estabelecimento Prisional de Tires, disse que não poderá alterar os objectivos e metas já traçados. "Fizemos 39 reuniões não apenas para dialogar mas também para negociar, e os resultados que atingimos incorporam alguns elementos surgidos na discussão", justificou, garantindo ter dado "o seu melhor nas negociações". "Cumprimos o programa que é do Governo no sentido de racionalizar a assistência na saúde no âmbito da função pública. Cumprimos essas estratégias e não podemos nem queremos alterar porque estamos totalmente identificados com essa agenda legislativa", argumentou ainda Alberto Costa.
Ontem, os juízes e magistrados do Ministério Público admitiram desconvocar as greves marcadas para o final de Outubro se o Governo mostrar abertura para dialogar. Esta possibilidade foi avançada pelos presidentes do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) e da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) no final de duas audiências com o Presidente da República, Jorge Sampaio.
O presidente do SMMP, António Cluny, e o presidente da ASJP, Alexandre Batista Coelho, fizeram depender a realização das greves - marcadas para 25, 26 de Outubro pelo SMMP e para 26 e 27 do mesmo mês pela ASJP - da abertura para o diálogo por parte da tutela».
In PÚBLICO
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Comentário:
Perante a atitude de prepotência própria de um regime de ditadura e poder absoluto, com recusa completa em dialogar - o que sucede em todas as áreas e não apenas na justiça - apenas resta um acto ao Senhor Presidente da República: demitir o Primeiro Ministro e dissolver a Assembleia da República que neste momento está convertida em mão cega de um único partido político. Nesta senda, com a generalidade dos servidores do Estado e mesmo titulares de órgão de soberania completamente aviltados, o país não pode crescer. Por muito menos, mas mesmo muito menos, foi o anterior governo dissolvido.

Mais uma resposta não publicada

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Apesar do Juiz Conselheiro Dr. Noronha do Nascimento ter remetido um texto para o jornal Público, ao abrigo do direito de resposta, o jornal não acusou a recepção nem se dignou publicar o artigo, como era sua obrigação legal.
Por isso, aqui fica reproduzido o artigo integralmente censurado.
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«1.º) - No seu editorial de 10/9/2005, no Público, José Manuel Fernandes (JMF), fazendo jus à sua propensão para números (como aliás salienta na mesma edição o ex-reitor da U.P., Alberto Amaral), compara os Tribunais portugueses aos franceses e espanhóis para fazer uma crítica subliminar aos Juízes portugueses que nem sequer se podem queixar de "falta de meios".
Aos números que perfila (Juízes-população, funcionários-população, Tribunais-população), J.M.F. esqueceu-se de outros: entre muitos que se podem citar, falta a capitação advogados-população e Juiz-processos. No início de 1998, Portugal ia quase nos 18.000 advogados (para 10 milhões de habitantes), a Itália tinha cerca de 100.000 advogados para 55 milhões, enquanto a França tinha 37.005 advogados para 60 milhões; o comportamento dos Tribunais portugueses tinha muito a ver com os italianos e pouco com os franceses.
Em 2001, o Ministério da Justiça contratou uma empresa para estudar a contingentação processual criminal em Portugal, empresa que usou para isso uma metodologia americana; o estudo concluiu que todos os Tribunais criminais tinham processos em excesso numa percentagem que ia de 5% a 22%. Idêntico estudo encomendado a seguir sobre a justiça cível nunca mais viu a luz do dia: dá mais jeito assim porque o crescimento exponencial de processos tem sido no cível e sem estudo é mais fácil concluir como se quer e dizer mal de Juízes e funcionários.
Já agora, J.M.F. podia comparar a morosidade dos recursos no Supremo Tribunal de Justiça português (onde a média de decisão é de 4 a 6 meses) e outros Tribunais superiores estrangeiros. Em 1999, no Quebec (Canadá) a Cour d'Appel demorava 3 anos e aqui ao lado em Espanha, o Supremo chega a demorar anos.
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2.º) - A crise dos Tribunais tem um conjunto múltiplo de factores interligados como defendi na minha intervenção na Faculdade de Economia do Porto em 27/06/2005:
- Um regime selvagem de concessão de crédito que leva ao endividamento familiar mas que convém às grandes empresas, que com as suas acções de dívida entopem os Tribunais (por tudo isto é que o Código do Consumidor a ser elaborado há 6 anos nunca mais aparece);
- Uma pluralidade de orgânicas judiciárias independentes entre si que levam à sobreposição de competências com os respectivos conflitos processuais quando o sistema mais barato e mais fluente era o de uma única orgânica; a não administrativização na resolução de conflitos de competência;
- A não institucionalização do Juiz-Presidente a tempo inteiro na Primeira Instância;
- A não alteração completa das leis de processo civil e criminal (a Espanha resolveu a morosidade na 1.ª Instância em grande parte com esta alteração);
- A manutenção do actual mapa judiciário do país que deveria ser pensado a partir dos estudos sobre as movimentações migratórias e demográficas e sobre questões urbanísticas das áreas metropolitanas;
- A não existência de protocolos de distribuição de risco nos casos de responsabilidade extracontratual (até a Roménia tem isto);
- A não alteração profunda do actual sistema de formação de magistrados;
- A manutenção do sistema leonino de transcrições nos recursos.
Tudo o resto (férias e quejando) é para inglês ver, mas tem o especial condão de fazer treatro mediático, preterindo o essencial.
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3.º) - Os Juízes assistem agora à vingança dos deuses da qual, porém, a comunicação social nem sequer fala.
Refiro-me à reforma da acção executiva: enquanto passou pelos Juízes e funcionários, essa acção andava devagar, mas andava e os credores, no geral, recebiam; agora que não passa, há dezenas de milhar de acções paradas, completamente paradas, nenhum credor recebe e Portugal está prestes a ser conhecido lá fora como o país dos caloteiros.
Reformar este processo semi privatizando-o mas exertando nele uma nova profissão liberal que vê aí um novo Eldorado, deu o que deu, porque os cidadãos não estão dispostos a pagar mais.
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4.º) - Mas curiosa é a posição de J.M.F. àcerca dos direitos adquiridos: "numa sociedade em transformação permanente nenhum direito pode ser considerado adquirido antes objecto de uma avaliação constante de custo-benefício" (sic).
Daí que não consigo perceber a reacção dos jornalistas quando se fala em limitar, ou eliminar em certos casos, o sigilo jornalístco das fontes de informação; é que numa sociedade de criminalidade crescentemente violenta, a avaliação custo/benefício justifica certamente aquela limitação.
E não nos digam que as coisas são diferentes; porque então responderei com o chavão do corporativismo de quem quer manter direitos adquiridos.
Luís António Noronha do Nascimento
Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça».
In PORTAL VERBO JURÍDICO

Ensaios com lucidez

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UM CONTRA TODOS
POR LUÍS DELGADO, DN, 29.SET.2005
«O slogan presidencial de Sampaio replicava o dos três mosqueteiros "Um por todos." Adaptado à realidade, e a este Governo, a mensagem inverteu-se: "Um contra todos!" Não há sector, classe profissional, faixa etária e social que não esteja em protesto aberto contra o Executivo, e ele, que não quer ouvir, ver, escutar, mantém-se intransigente, isolado e convencido (extraordinário, como caso de análise psicológica e política) de que tem razão.
Todos discordam, por uma ou outra razão, com ou sem ela, mas o Governo, omnisciente, na glória e nas alturas, nem os ouve e acredita piamente, só por uma questão de fé cega, estar certo, correcto, e que centenas de milhares que se manifestam, e quem não o faz mas pensa do mesmo modo, é que estão manipulados.
Casos emblemáticos:
1) Militares tinham sistema social e médico próprio, que vai ser integrado no geral e são obrigados a reformar-se mais tarde. Razão do Governo: todos são iguais. Erro. A instituição militar é e tem de ser diferente, é opção de vida em nome do País. É treta serem iguais aos outros. Não são e ainda bem. É não perceber nada do que significa um pilar de soberania como este, que exige, em última análise, o sacrifício da vida. Acontece com outras profissões, com excepção da Polícia? Aplica-se a esta a mesma base de pensamento. Não se deve mexer na idade da reforma - era o que nos faltava ser "guardados" por homens e mulheres de 60 anos - e também se exige deles o maior de todos os sacrifícios. Portugal não é diferente de outros países europeus, onde essa distinção existe, e faz todo o sentido.
2) Juízes sendo órgão de soberania independente, têm de ser tratados como tal. Ou aceitamos, como princípio básico, que não estamos num Estado de classe única, sem distinções, como é a democracia, ou então o modelo da Coreia do Norte serve bem. Por muito que se discorde da justiça em Portugal, estes homens e mulheres têm de ser tratados de uma forma diferente - que não significa abusiva ou acima da razoabilidade - porque exercem um magistério único.Outros exemplos poderão ser dados.
O que está mal, na verdade, é a ideia do nivelamento igualitário. A justiça social não é igualizar, mas sim saber distinguir. É, se não se importam, o princípio fundamental de uma democracia».
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QUEM ESTÁ MAL ?
POR LUÍS DELGADO, DIÁRIO DIGITAL, 25.09.2005
«Quando os militares, os magistrados, todas as forças policiais, os funcionários públicos de todas áreas, a classe média, os empresários, os agricultores, os reformados, e tantos e tantos outros portugueses estão contra o Governo, e manifestam-se nas ruas, sem parar, num ciclo que há muitos anos não se via, quem é que está mal? O Governo, sozinho e isolado, e a perder a sua base de apoio, ou estes milhares de portugueses?
A isto chama-se autismo político e, no mínimo, acabará por isolar completamente a maioria e o Governo. Tantos contra tão poucos, e todos a pensar da mesma forma sobre um, é a prova acabada, o sinal perfeito, a marca indelével, de quem está mal, deslocado, obstinado, descentrado, autista e isolado.
O Governo, como todos os que já passaram por isso, e que tiveram a devida lição, acha, no seu saber omnisciente, que ele é que está no caminho certo, e todos os outros são manipulados e não têm razão. É o sintoma que faz parte da doença.
Pena é que este PR já não tenha nenhuma capacidade de decisão em relação ao Executivo. Mas outro chegará e avaliará a situação. Um Governo de maioria não pode agir contra a maioria, e fazer de conta que ela não existe. Se fosse apenas uma corporação, ou duas ou três, ainda vá. Mas são todas, sem distinções, e com o mesmo tipo de queixas. A continuar assim, o PS, a maioria e o Governo vão acabar mal».

quinta-feira, setembro 29, 2005

Greve dos Oficiais de Justiça

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1. Hoje foi o primeiro dia de greve dos Oficiais de Justiça. Uma adesão a quase 95% é bem reveladora do descontentamento desta classe profissional. A adesão não foi maior pelo clima de intimidação que o Governo exerceu sobre estes profissionais, desde logo por no dia de ontem ter remetido ofícios e circulares, de legalidade muito duvidosa, de serviços mínimos para os oficiais de justiça e pretendendo que esse serviços mínimos fossem assegurados por oficiais de justiça de fim de carreira que, no seu estatuto, não têm competência funcional para a prática dos actos correspondentes. A esta situação, foi lançada a confusão sobre o movimento anual (de promoções e transferências) dos oficiais de justiça. Um poder que apenas sabe governar inflingindo medo aos seus cidadãos lembra tempos não muito distantes.
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2. Perante um cenário de adesão maciça dos oficiais de justiça - não tendo os magistrados, nesses casos, em regra, efectivado qualquer julgamento, por não se enquadrar no âmbito dos serviços mínimos -, o Governo foi obrigado a proceder à requisição civil, com base num diploma de 1974 - o Decreto-Lei nº 637/74. Trata-se de um diploma aprovado em Conselho de Ministros, presidido por Vasco Gonçalves, e posteriormente promulgada pelo então Presidente da República Francisco da Costa Gomes. O artigo 3.º do diploma elenca os "serviços públicos que podem ser objecto de requisição civil". Entre os previstos no diploma estão o abastecimento de água, o serviço de correios, o sistema de crédito, as explorações mineiras "essenciais à economia nacional", o sector eléctrico, os portos e a prestação de cuidados hospitalares, médicos e medicamentosos, entre outros - porém não consta o sector da justiça desse elenco.
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3. De acordo com a Portaria que aprovou a requisição civil, comunicada por fax para todos os Tribunais (com grande dispêndio do erário público em comunicações), são requisitados «os escrivães de direito e os técnicos de justiça principais das secretarias dos tribunais de toas as instâncias, bom como dos serviços do Ministério Publico, materialmente competentes» para a execução dos serviços mínimos aí consignados. Porém... os escrivães e os técnicos de justiça principais não são funcionalmente competentes para a prática desses actos, na medida em que do quadro das respectivas competências, constantes dos anexos ao Estatuto dos Funcionários Judiciais, tais tarefas são da incumbência dos escrivães-auxiliares (antigos «escriturários»). Eis a prova como se legisla em cima do joelho e sem qualquer conhecimento da realidade e dos próprios diplomas estatutários.
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4. Além da ignorância da legalidade, é notório que o Governo ao fixar que apenas os escrivães (e apenas quando estes não existam outros funcionários que estão elencados) ficam sujeitos ao regime da requisição civil pretende criar confusão e clivagens entre os oficiais de justiça nos vários graus da referida carreira profissional. Além de que, obrigar os escrivães a permanecer os 4 dias de greve constitui uma grave afronta ao exercício do seu direito constitucional à greve. Razão por que entendemos ser lícito aos escrivães - no âmbito das suas competências materiais e funcionais - delegar a prática desses serviços mínimos - que eles não podem praticar - nos escrivães-auxiliares que têm competência para a sua prática, desde que os mesmos também o aceitem expressamente.
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5. Por outro lado, no n.º 4 da Portaria, "os oficiais de justiça requisitados através da presente portaria serão desobrigados da prestação de serviços mínimos se o magistrado competente tiver considerado, por despacho escrito, que as respectivas funções estão asseguradas por oficiais de justiça não aderentes à greve".
A este propósito, os Juízes da Comarca de Faro proferiram o seguinte despacho:
«Tendo em conta o teor do oficio / circular 43/2005 da DGAJ, designadamente o seu ponto 3.5, com vista a evitar ilegalidades que decorram da sua aplicação e a concretizar aspectos práticos que se prendem com a garantia de execução dos serviços mínimos a que alude aquela circular, os juízes signatários determinam o seguinte:
a) no dia 30 de Setembro de 2005 não há que cumprir quaisquer serviços mínimos, os quais estão já garantidos pelo normal serviço do Tribunal de Turno do dia 1 de Outubro de 2005. Ficando pois todos os funcionários que estejam em greve nesse dia desde já desobrigados de cumprir o que está determinado na referida circular;
b) Os funcionários designados nos termos do oficio acima identificado não necessitam de se deslocar a este Tribunal para o efeito de aferir da necessidade de garantir serviços mínimos desde que se mantenham contactáveis pelo Tribunal e disponíveis para comparecer prontamente logo que solicitados»
Parece-nos uma interpretação correcta das disposições legais aplicáveis, face à existência de um dia de turno no dia de sábado, 1 de Outubro.
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6. Pessoalmente, pelo exercício das minhas funções, contacto diariamente com as Senhoras e os Senhores Oficiais de Justiça. A generalidade dos Oficiais de Justiça são profissionais muito competentes, dedicados, entregando-se com grande sacrifício pessoal à causa pública da justiça, apesar de muitas vezes serem atingidos com palavras menos simpáticas de alguns cidadãos menos conscientes ou conhecedores da realidade do sistema criado e alterado a seu bel-prazer pelo Governo. Razão por que se impõe uma palavra de solidariedade e de concordância absoluta com a greve dos Oficiais de Justiça, os quais não devem desmoralizar, antes intensificar a sua determinação na salvaguarda dos direitos de cidadania, seus e de todos os profissionais forenses. Como diz o SFJ, «por uma verdadeira estratégia para a Justiça que sirva o Pais e os cidadãos» e não como pretende o Governo para a decadência total do sistema.

Independência da Magistratura Judicial

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Na sequência de dois posts do Ex-cêntrico (link), fomos à pesquisa do texto integral dos "Princípios Básicos Relativos à Independência da Magistratura", adoptados pelo Séptimo Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado em Milão de 26 de Agosto a 6 de Setembro de 1985 e endossados pela Assembleia Geral das Nações Unidas nas suas resoluções 40/32, de 29 de Novembro de 1985 e 40/146, de 13 de Dezembro de 1985.
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Trata-se de um documento a que o Estado Português está vinculado e que deve observar em conformidade, sobretudo quando outrora não tem tratado os Tribunais como órgãos de soberania, mas agora que criou um conflito aberto, já invoca essa natureza para que, alegadamente, os seus titulares não possam exercer os seus direitos - os quais expressamente estão previstos, além das normas internas portuguesas, também no texto internacional a que agora se alude.
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O texto integral encontra-se disponibilizado no sítio do Gabinete de Documentação e Direito Comparado (cfr. link), passando-se a reproduzi-lo, caso seja do desconhecimento dos carreiristas políticos, boys partidários e demais estadistas e comentadores iluminados deste país mal frequentado (chama-se a especial atenção para os pontos 7, 8 e 9 do anexo):
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O Sétimo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes,
Lembrando a declaração de Caracas 37 adoptada unanimemente pelo Sexto Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes e aprovada pela Resolução 35/171, de 15 de Dezembro de 1980, da Assembleia Geral,
Lembrando igualmente a Resolução 16 adoptada pelo Sexto Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes 38, na qual o Congresso pediu ao Comité para a Prevenção do Crime e a Luta contra a Delinquência que incluísse nas suas prioridades a elaboração de princípios orientadores em matéria de independência dos juízes,
Lembrando ainda a decisão 1984/153, de 25 de Maio de 1984, do Conselho Económico e Social, na qual o Conselho convidou a Reunião Preparatória Inter-regional sobre formulação e aplicação de normas da Organização das Nações Unidas em matéria de justiça penal a finalizar o projecto de princípios orientadores relativos à independência da magistratura, elaborado pelo Comité para a Prevenção do Crime e a Luta contra a Delinquência no seu oitavo período de sessões e convidou o Secretário-Geral a apresentar o texto final ao Sétimo Congresso, para aprovação.
Tomando nota com satisfação do trabalho realizado em cumprimento dos mandatos acima mencionados, pelo Comité para a Prevenção do Crime e a Luta contra a Delinquência e pela Reunião Preparatória Inter-regional para o Sétimo Congresso da Organização das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, celebrada em Varenna (Itália), de 24 a 28 de Setembro de 1984,
Tomando também nota com satisfação das extensas discussões mantidas durante o Sétimo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes referentes ao projecto de princípios orientadores relativos à independência da magistratura39, que conduziram à formulação dos Princípios Básicos Relativos à Independência da Magistratura,
1. Adopta os Princípios Básicos Relativos à Independência da Magistratura que figuram em anexo à presente resolução;
2. Recomenda que os Princípios Básicos sejam adoptados e postos em prática nos planos nacional, regional e inter-regional, tomando em consideração as circunstâncias e tradições políticas, económicas, sociais e culturais de cada país;
3. Convida os Governos a, no âmbito da legislação e prática nacionais, tomarem em consideração e respeitarem os Princípios Básicos;
4. Convida também os Estados membros a chamarem à atenção dos juízes, advogados, membros dos poderes executivo, legislativo e do público em geral para os Princípios Básicos;
5. Incita as comissões regionais, os institutos regionais e inter-regionais no domínio da prevenção do crime e do tratamento dos delinquentes, os organismos especializados e outras entidades do sistema das Nações Unidas, outras organizações intergovernamentais interessadas e organizações não-governamentais dotadas de estatuto consultivo junto do Conselho Económico e Social a participar activamente na aplicação dos Princípios Básicos;
6. Exorta o Comité para a Prevenção do Crime e a Luta contra a Delinquência a examinar, a título prioritário, os meios para assegurar a aplicação efectiva da presente resolução;
7. Solicita ao Secretário-Geral que adopte as medidas apropriadas para assegurar a mais ampla divulgação possível dos Princípios Básicos;
8. Solicita também ao Secretário-Geral que prepare um relatório sobre a aplicação dos Princípios Básicos;
9. Solicita ainda ao Secretário-Geral que ajude os Estados membros, que o requeiram, a aplicar os Princípios Básicos e que informe periodicamente sobre esta questão o Comité para a Prevenção do Crime e a Luta contra a Delinquência;
10. Pede que seja chamada a atenção de todos os órgãos das Nações Unidas interessados para a presente resolução.
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ANEXO
Princípios Básicos Relativos à Independência da Magistratura
Considerando que, na Carta das Nações Unidas, os povos do mundo afirmam, nomeadamente, a sua determinação em criar as condições necessárias para que a justiça possa ser mantida e a cooperação internacional seja efectivada, desenvolvendo-se e encorajando-se o respeito pelos direitos do homem e liberdades fundamentais, sem qualquer discriminação,
Considerando que a Declaração Universal dos Direitos do Homem consagra concretamente os princípios da igualdade perante a lei, da presunção da inocência e do direito que assiste a todas as pessoas a um julgamento justo e público por um tribunal, legalmente estabelecido, competente, independente e imparcial,
Considerando que os Pactos Internacionais sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais e os Direitos Civis e Políticos garantem o exercício desses direitos, e que o Pacto sobre os Direitos Civis e Políticos garante ainda o direito a ser julgado sem demora excessiva,
Considerando, no entanto, que é frequente que a situação real não corresponda aos ideais em que se apoiam esses princípios,
Considerando que a organização e a administração da justiça em cada país devem ser inspiradas por esses princípios, e que devem ser desenvolvidos esforços para os tornar integralmente realidade,
Considerando que as normas que regem o exercício da função judicial devem visar permitir que os juízes possam actuar em conformidade com esses princípios,
Considerando que os juízes se pronunciam em última instância sobre a vida, as liberdades, os direitos, os deveres e os bens dos cidadãos,
Considerando que o Sexto Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, na sua Resolução 16, pediu ao Comité para a Prevenção do Crime e a Luta contra a Delinquência que incluísse nos seus objectivos principais a elaboração dos princípios orientadores relativos à independência dos juízes e à selecção, à formação profissional e ao estatuto dos magistrados judiciais e do Ministério Público,
Considerando que, por conseguinte, é pertinente examinar em primeiro lugar a função dos juízes no sistema judicial e a importância da sua selecção, formação e conduta,
Os seguintes Princípios Básicos, formulados para ajudar os Estados membros na sua tarefa de garantir e promover a independência da magistratura, devem ser tomados em consideração e respeitados pelos Governos no âmbito da sua legislação e prática nacionais e ser levados ao conhecimento dos juízes, advogados, membros do poder executivo e legislativo e do público em geral. Os Princípios foram elaborados pensando sobretudo nos juízes de carreira, mas aplicam-se igualmente, quando seja caso disso, a juízes não profissionais.
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Independência da magistratura
1. A independência da magistratura será garantida pelo Estado e consagrada na Constituição ou na legislação nacional. É dever de todas as instituições, governamentais e outras, respeitar e acatar a independência da magistratura.
2. Os juízes devem decidir todos os casos que lhes sejam submetidos com imparcialidade, baseando-se nos factos e em conformidade com a lei, sem quaisquer restrições e sem quaisquer outras influências, aliciamentos, pressões, ameaças ou intromissões indevidas, sejam directas ou indirectas, de qualquer sector ou por qualquer motivo.
3. A magistratura será competente em todas as questões de índole judicial e terá autoridade exclusiva para decidir se um caso que lhe tenha sido submetido é da sua competência nos termos em que esta é definida pela lei.
4. Não haverá quaisquer interferências indevidas ou injustificadas no processo judicial, nem se submeterão as decisões dos tribunais a revisão. Este princípio é aplicável sem prejuízo da revisão judicial ou da atenuação ou comutação, efectuada por autoridades competentes, de penas impostas pelos magistrados, em conformidade com a lei.
5. Todas as pessoas têm o direito a ser julgadas por tribunais comuns, de acordo com os processos legalmente estabelecidos. Não serão criados tribunais que não apliquem as normas processuais devidamente estabelecidas em conformidade com a lei, para exercer a competência que pertença normalmente aos tribunais ordinários.
6. Em virtude do princípio da independência da magistratura, os magistrados têm o direito e o dever de garantir que os procedimentos judiciais são conduzidos em conformidade com a lei e que os direitos das partes são respeitados.
7. Cada Estado membro tem o dever de proporcionar os recursos necessários para que a magistratura possa desempenhar devidamente as suas funções.
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Liberdade de expressão e de associação
8.
Em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, os magistrados gozam, como os outros cidadãos, das liberdades de expressão, de crença, de associação e de reunião; contudo no exercício destes direitos, eles devem comportar-se sempre de forma a preservar a dignidade do seu cargo e a imparcialidade e a independência da magistratura.
9. Os juízes gozam do direito de constituir ou de se filiarem em associações de juízes, ou outras organizações, para defender os seus interesses, promover a sua formação profissional e proteger a independência da magistratura.
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Qualificações, selecção e formação
10. As pessoas seleccionadas para exercer funções de magistrado devem ser íntegras e competentes e terão a formação ou as qualificações jurídicas adequadas. Qualquer método de selecção de magistrados deve conter garantias contra nomeações abusivas. A selecção dos juízes deve ser efectuada sem qualquer discriminação por motivo de raça, cor, sexo, religião, opinião política ou de outra índole, origem nacional ou social, posição económica, nascimento ou condição; o requisito de que os candidatos a cargos judiciais sejam nacionais do país em questão não se considerará discriminatório.
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Condições de serviço e duração do mandato
11. A duração do mandato dos juízes, a sua independência, segurança, remuneração adequada, condições de serviço, pensões e jubilação serão adequadamente garantidas pela lei.
12. A inamovibilidade dos juízes, quer sejam nomeados ou eleitos, será garantida até que atinjam a idade da jubilação obrigatória ou expire o seu mandato.
13. A promoção dos juízes, onde um tal sistema exista, deve basear-se em factores objectivos, especialmente na capacidade profissional, na integridade e na experiência.
14. A distribuição de processos aos juízes, no âmbito do tribunal a que pertençam, é assunto interno da administração judicial.
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Segredo profissional e imunidade
15. Os juízes estão obrigados a manter segredo profissional relativamente às suas decisões e à informação confidencial que obtenham no desempenho das suas funções, exceptuando em audiências públicas, e não estarão obrigados a prestar declarações sobre essas questões.
16. Sem prejuízo de qualquer procedimento disciplinar ou direito de recurso ou de direito a indemnização por parte do Estado, em conformidade com a legislação nacional, os juízes não poderão ser demandados em acção cível em razão de acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções.
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Medidas disciplinares, suspensão e destituição
17. Toda a acusação ou queixa feita contra um juiz, pelo exercício das suas funções judiciárias e profissionais deve ser tramitada expedita e justamente em conformidade com o processo adequado. O juiz deve ter direito a ser ouvido com imparcialidade. O exame inicial da questão deve ser mantido confidencial, a menos que o juiz solicite o contrário.
18. Um juiz apenas poderá ser suspenso ou destituído por incapacidade ou em virtude de comportamento que o inabilite de continuar a desempenhar as suas funções.
19. Todos os procedimentos para a adopção de medidas disciplinares, de suspensão ou de destituição devem ser tramitados em conformidade com normas de conduta judicial estabelecidas.
20. As decisões adoptadas em procedimentos disciplinares, de suspensão ou de destituição deverão estar sujeitas a uma revisão independente. Este princípio poderá não ser aplicável às decisões proferidas por um tribunal supremo e às do poder legislativo no âmbito de processos quasi judiciários.

Recortes do dia [29.09.2005]

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A IMPORTÂNCIA DA INDEPENDÊNCIA DO PODER JUDICIAL
Segundo a Lusa (28.09.05) o Fórum Económico Mundial classificou Portugal em 22º lugar no "ranking" das economias mais competitivas, à frente da Irlanda (26.º), Espanha (29.º), França (30.º), Bélgica (31.º), Grécia (46.º) e Itália (47.ª), apresentando:
- Como uma das principais vantagens, no sub-índice relativo às instituições públicas a independência judicial (15.º)
- Enquanto que uma das desvantagens no mesmo domínio é o favoritismo nas decisões dos responsáveis da Administração Pública...
in ASJP.PT
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NOVO REGIME DE RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL PELO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO JURISDICIONAL CONFLITUA COM A LIBERDADE DE JULGAMENTO E INDEPENDÊNCIA DO PODER JUDICIAL
«Está na forja a aprovação de um novo regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, por danos resultantes do exercício das funções política e legislativa, jurisdicional e administrativa.
Entre outras não menos importantes inovações, estabelece-se, pela primeira vez em Portugal, um regime geral de responsabilidade pelo exercício da função jurisdicional. Conforme se pode ler no preâmbulo do diploma, avança-se «no sentido do alagamento da responsabilidade civil do Estado por danos resultantes do exercício da função jurisdicional, fazendo, para o efeito, uma opção arrojada: a de estender ao domínio do funcionamento da administração da justiça o regime da responsabilidade da Administração, com as ressalvas que decorrem do regime próprio do erro judiciário e com a restrição que resulta do facto de não se admitir que os magistrados respondam directamente pelos ilícitos que cometam com dolo ou culpa grave, pelo que não se lhes aplica o regime de responsabilidade solidária que vale para os titulares de órgãos, funcionários e agentes administrativos, incluindo os que prestam serviço na administração da justiça.
No que se refere ao regime do erro judiciário, para além da delimitação genérica do instituto, assente num critério de evidência do erro de direito ou na apreciação dos pressupostos de facto, entendeu-se dever limitar a possibilidade de os tribunais administrativos, numa acção de responsabilidade, se pronunciarem sobre a bondade intrínseca das decisões jurisdicionais, exigindo que o pedido de indemnização seja fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.»Neste sentido, começa por alterar-se a redacção do artigo 225.º do Código de Processo Penal, nos seguintes termos:
«1 - Quem tiver sofrido prisão preventiva ou outra medida cautelar de privação, total ou parcial, da liberdade que sejam ilegais ou se venham a revelar injustificadas por erro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependiam, pode requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos.
2 - Ressalva-se o caso de o lesado ter concorrido para o erro com dolo ou culpa grave.»
Se tivermos em conta que «o exercício do direito de regresso, nos casos em que este se encontra previsto no presente diploma, é obrigatório, sem prejuízo do procedimento disciplinar a que haja lugar», e que «quem esteja obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação», pergunta-se:Será que a independência de julgar se mantém incólume?
A proposta de lei pode ser consultada aqui».
in CUM GRANO SALIS [LINK]
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MAGISTRADOS PODEM DESCONVOCAR GREVE
Os juízes e magistrados do Ministério Público admitiram hoje desconvocar as greves marcadas para o final de Outubro se o Governo mostrar abertura para dialogar, como foi dito, para uma "negociação efectiva".
«Esta possibilidade foi avançada pelos presidentes do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) e da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) no final de duas audiências com o Presidente da República, Jorge Sampaio.O presidente do SMMP, António Cluny, e o presidente da ASJP, Alexandre Batista Coelho, fizeram depender a realização das greves - marcadas para 25, 26 de Outubro pelo SMMP e para 26 e 27 do mesmo mês pela ASJP - da abertura para o diálogo por parte do Governo.
"Até ao momento da greve estaremos disponíveis para a repensar", afirmou António Cluny, enquanto Alexandre Batista Coelho garantiu que "os juízes estão dispostos a negociar as medidas propostas pelo Governo", mas lembrou que a paralisação "não foi convocada por capricho, sendo o resultado de um grande descontentamento dos magistrados".
Para Cluny, a greve só poderá ser desconvocada se o Governo mostrar abertura para "uma negociação efectiva". "Não temos interesse nenhum em fazer greve, mas medidas pensadas pelo Governo provocam um desequilíbrio entre os nossos deveres e direitos", acrescentou.
Sobre a audiência com Jorge Sampaio, ambos os responsáveis sindicais disseram que esta serviu para abordar vários temas, como o funcionamento dos tribunais e a situação de crise que se vive actualmente na justiça e o clima de crispação existente entre operadores judiciários e o Governo." O Presidente da República demonstrou natural preocupação com o facto da justiça estar em crise e gostaria que esta fosse ultrapassada. Nós manifestámos abertura, mas essa não depende de nós, mas da postura do Governo", explicou o presidente da ASJP.
Interrogado sobre o cumprimento dos serviços mínimos nos dois dias de greve, Alexandre Batista Coelho lembrou que isso já estava previsto quando a paralisação foi decretada. "Já anunciámos que serão garantidos os serviços mínimos, mas estes devem mesmo ser mínimos", advertiu».
in PÚBLICO ON-LINE
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MAS... PODE HAVER GREVE GERAL DA JUSTIÇA NO DIA 26/10
A plataforma de associações e sindicatos representativos dos trabalhadores do Ministério da Justiça manifestaram, ontem, durante uma reunião que mantiveram ao final da tarde, a intenção de realizar um greve conjunta, no dia 26 de Outubro, data em que os juízes e os magistrados do Ministério Público também deverão paralisar.
Esta plataforma inclui, para além das associações representativas das magistraturas, os funcionários judiciais, os trabalhadores dos registos e notariados, os investigadores da PJ, mas também o pessoal administrativo, afecto a estruturas da Função Pública.
Estas associações e sindicatos têm vindo a reunir com alguma frequência para debater as medidas que o Governo tem tomado, como sejam o congelamento das carreiras ou o fim dos subsistemas de saúde. PR não os demoveu
A intenção de paralisar no dia 26 foi avançada depois das audiências, ontem, do presidente da República com o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) e a Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP). No final dessas reuniões, juízes e magistrados admitiram desconvocar as greves marcadas para o final de Outubro, caso o Governo se mostre disponível para o diálogo.No entanto, António Cluny não se mostrou confiante. "É difícil encontrar soluções quando são apresentados decreto-lei já feitos", afirmou, o presidente do SMMP, cuja greve está marcada para 25 e 26 de Outubro.
Baptista Coelho, da ASJP, vai mais longe, afirmando que "não basta a intenção de diálogo, é necessário saber que diálogo é esse. Claro que a greve que está marcada (26 e 27 de Outubro) pode ser desconvocada, tudo depende do consenso que se possa encontrar", disse ao JN.
"As consequências do que tem vindo a ser feito não são facilmente reparadas", adiantou Baptista Coelho, acrescentando que o "sector da Justiça tem sido instrumentalizado para efeitos partidários. Basta para isso recordar como foi anunciado o fim das férias judiciais, como um acto de coragem contra uma corporação e não como uma boa medida".
O mesmo refere em relação ao subsistema de saúde. "Tudo está a ser feito para hostilizar, porque não tem qualquer justificação. Isto é, o subsistema da Justiça é auto-suficiente e não onera o Orçamento de Estado, no entanto, ao passar para a ADSE, são mais 85 mil inscritos que vão pesar no orçamento", sublinhou Baptista Coelho.
Para António Cluny, do SMMP, os deveres dos "trabalhadores na área da Justiça não são idênticos aos dos restantes funcionários da Administração Pública - obrigam exclusividade, disponibilidade permanente, entre outras -, portanto não se pode falar em privilégios", salientou.
O magistrado recordou ao JN que "em 1988 (Governo de Cavaco Silva), quando se fez uma greve de três dias cada um (magistrados, juízes e funcionários) muita gente que hoje está embaraçada, na altura aplaudiu e não houve uma crise de Estado. Resolveu-se a situação".
in JORNAL DE NOTÍCIAS
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O CEJ TRANSFORMADO EM PALCO POLÍTICO
"O Sr. Ministro da Justiça foi ao CEJ, no passado dia 26 de Setembro, anunciar medidas do Governo para a área da Justiça.
Era de esperar que, desta feita com razão, a Associação Sindical dos Juízes e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público viessem a campo protestar pelo local escolhido e pelo conteúdo de algumas afirmações.
Pelo local escolhido porque o CEJ não é (não devia ser…) uma direcção-geral do ministério da Justiça onde o Ministro vai, quando quer, fazer propaganda do Governo.
Há locais no Ministério da Justiça para o fazer e o CEJ não tem essa tradição nem passado.
Porém, a vontade de agradar desta direcção do CEJ é tanta… que até se esquece que o princípio da separação de poderes lá devia começar…
Igualmente notável é o facto do Sr. Ministro ir anunciar ao CEJ que “a partir de agora os juízes deixavam de ser aplicadores literais da lei”. Para além da notável distracção de 30 anos (pelo menos desde o 25 de Abril que essa noção desapareceu), o Sr. Ministro foi ao CEJ insultar todos os anteriores Directores e docentes daquela casa que supostamente acolheram e ensinaram essa leitura, de acordo provavelmente com a ideia da Sra. Directora do CEJ que apresenta como "reforma curricular" um conjunto de coisas velhas e de coisas novas mais do que questionáveis. "
CASAMAYOR, in INCURSÕES
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O INTERMITENTE ÓRGÃO DE SOBERANIA
Certamente, caso único em todo o mundo.
O órgão de soberania Tribunais, em Portugal, é um órgão com uma natureza intermitente.
Segundo as respectivas conveniências é órgão de soberania (v.g. relativamente à greve dos juízes, para a desqualificar) para logo a seguir já não o ser (v.g. no tratamento acintoso, vexatório, que lhe dá o Governo).
Afinal, em que ficamos?
É que se é órgão de soberania, como por vezes se diz e a Constituição impõe, então que se retire dessa natureza todas as consequências e, nessa medida, e no respeito institucional devido a um órgão de soberania, logo, aos seus titulares, opere-se uma reforma que efectivamente sirva o país, os cidadãos, e se institua a diferença daquilo que é diferente.
Os juízes têm, por via daquela titularidade, não só uma natureza diferente do funcionalismo público, como também a devem ter, por via do especial elemento de autoridade de que se revestem as suas decisões.
Um juiz, sendo também um cidadão, é, neste sentido, um primus inter pares, que, nessa qualidade e no exercício do seu múnus jurisdicional se mostra revestido de uma autoridade que não pode ser abalada, muito menos pelo próprio Governo, sob pena de, a breve trecho, se ver todo o aparelho judicil desautorizado e sem o reconhecimento da autoridade dos seus juízes no exercício da função jurisdicional.
É a própria função judicial, enquanto competência materialmente diferenciada, que é posta em risco pela actuação desastrada do Governo, desvirtuando o sistema de cheks and balances que o artº 111º da CRP consagra.
A actuação do Governo, ao descreditar a própria função judicial e a autoridade dos tribunais, é absolutamente contrário à essência do próprio estado de direito democrático e corrosivo da sua própria estruta interna.

Só demonstra a impreparação das pessoas que ora integram este Governo, oriundas de esquemas e lógicas partidárias, com uma estrutura mental de ganhos e perdas em tabuleiros políticos mas sem a estrutura estadista que se requer e se exige a quem comanda os destinos do país.
Mais não seria preciso para dizer a este Ministro e a este Governo que não estão acima da lei e que, apesar de terem uma maioria absoluta, muito menos estão desobrigados de governar com bom senso e no respeito pela estrutura e pelo modelo de Estado que a Constituição, bem ou mal, consagra.
XAVIER IERI, in EXCÊNTRICO
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AGRADECIMENTO
O blogueur Kamikaze, no Incursões (cfr. link) faz referências ao blog do verbojuridico. Cremos que as boas referências devem-se mais à bondade de quem escreve no Incursões, do que ao mérito deste blawg. Contudo, fica uma palavra de reconhecimento e agradecimento pela amabilidade da boa referência.

quarta-feira, setembro 28, 2005

Manipular as palavras

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1. Mais um título deveras enganador, no Público on-line de hoje: «Noventa e quatro tribunais considerados deficientes ou com níveis de produtividade muito baixos». A notícia (link), que só a é para o Público, porque o relatório do CSM já foi divulgado há meses, referencia que «Noventa e quatro tribunais foram considerados, pelo Conselho Superior da Magistratura, como sendo notoriamente deficientes ou muito maus, em termos de produtividade e de apreciação global.
As conclusões vêm expressas no último relatório anual feito por aquele órgão, a que o PÚBLICO teve acesso, que pretendia sintetizar o estado dos serviços nos tribunais integrados em cada área de inspecção, com especial nota para os que evidenciavam melhores níveis de funcionamento e os que apresentavam anomalias que importava solucionar (...) .Há comarcas com casos verdadeiramente paradigmáticos. As oito instâncias cíveis de Lisboa foram consideradas muito deficientes, o mesmo acontecendo com os cinco juízos do Tribunal Judicial da Maia. Os dois juízos do Tribunal de Família de Sintra ou os juízos cíveis do Seixal também foram considerados "notoriamente deficientes"».
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2. Pela leitura do título e do corpo do artigo, o cidadão comum é conduzido a concluir que nesses Tribunais não se trabalha, que a produtividade é deficiente, que os juízes, magistrados do MP e oficiais de justiça deveriam ainda trabalhar mais. Mas não é assim.
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3. O relatório em causa, datado de 15 de Dezembro de 2004 e publicado no Boletim Informativo do CSM, de Julho de 2005, denuncia os Tribunais com deficiências em termos de condições de trabalho (funcionamento), precisamente por causa do elevado número de processos pendentes, da natureza da litigância. Nesses Tribunais (v.g., Pequena Instância Criminal e Cível de Lisboa, Juízos da Maia, Abrantes, Cascais, Barreiro, Gondomar, Juízos, Varas e Tribunal de Família e Menores de Sintra), a apreciação global tem de ser notoriamente deficiente, pela falta de condições de trabalho, pelo elevado número de processos e pela resposta que, atento o quadro de magistrados e funcionários, é possível dar, mas que para uma produtividade que não fosse deficiente, seria necessário alterar a respectiva orgânica, razão por que no item G) do mesmo relatório sejam precisamente esses Tribunais apontados como a reclamar a criação e/ou instalação de novos Juízos (com mais funcionários e magistrados).
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4. Paradigmático do que se pretende com o aludido relatório e nas notas de «excelência» e «muito bom» que são atribuídas ao funcionamento de alguns Tribunais, está o caso de S.João da Madeira ou do Tribunal de Trabalho de Oliveira de Azeméis, que pessoalmente os conhecemos bem, e que por isso nos podemos pronunciar. Esses Tribunais estão com a classificação de «excelência» e bem, porque além do trabalho meritório dos magistrados e dos funcionários que ali prestam funções - são Tribunais com boas condições de trabalho, equipamentos e com uma pendência razoável, apesar de não se situar nos níveis recomendados da contingentação processual - que deveria ser entre 500 a 700 processos por Juiz. Todos os Tribunais deveriam ser assim: com boas condições de trabalho, com uma pendência processual correspondente ao máximo aceitável que exija um trabalho em condições de dignidade e não de escravatura dos magistrados e dos funcionários, como infelizmente é a regra na maior parte dos Tribunais Portugueses, desde a Primeira Instância até ao Supremo Tribunal de Justiça.
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5. Se o artigo do Público desse esta explicação, tornar-se-ia desnecessário este post. Apesar do artigo fazer referência a Tribunais que carecem de instalação e obras de remodelação urgente, não há qualquer associação desses dados às situações de deficiência que no corpo do mesmo artigo se faz referência. É que o relatório em causa procurou conhecer quais os Tribunais que exigiriam uma imediata intervenção para não entrarem em ruptura completa (embora alguns deles já o estejam). Por isso, o relatório aponta os Tribunais que reclamam a criação de novos juízos, a colocação ou manutenção de juízes auxiliares, o reforço do quadro de funcionários, de melhor apetrechamento ao nível informático e a criação ou melhoria de secção de serviço externo.
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6. Ou seja, se os Tribunais em causa funcionam deficientemente e com uma produtividade que não é igual ao elevado número da sua pendência processual, tal resulta não de qualquer omissão dos magistrados e dos funcionários, mas sim da falta de condições de trabalho e equipamentos e pela organização judiciária que insiste em manter quadros de magistrados e funcionários desajustados, estando um magistrado ou funcionário a fazer o serviço que deveria ser feito por 2,3, 4 ou mais, sendo toda essa situação de manifesta deficiência que urge corrigir, mas cuja responsabilidade é exclusiva dos organismos do poder executivo, quer quanto à dotação de condições materiais e equipamentos, quer quanto à reorganização do mapa de quadro de pessoal, quer quanto à criação ou instalação de novos Juízos/secções.
O seu a seu dono.

Afronta

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1. Afronta. É a palavra que melhor se ajusta para classificar o aviltamento que tem sido feito aos profissionais forenses. Embora existam excepções, podemos dizer que 98% dos Juízes, dos magistrados do Ministério Público e dos oficiais de justiça dedicam-se em sacrifício pessoal, da sua vida, da sua saúde, do seu lazer, da sua família, a uma causa relativamente à qual nunca recebem qualquer louvor, acabando agora por ser os bodes expiatórios da péssima legislação que os órgãos executivo e legislativo têm asnaticamente produzido e multiplicado, mas que, por ignorar a realidade dos Tribunais, apenas conduz à sua maior degradação.
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2. Afronta, também assim classificou o presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais [oficiais de justiça]. "Este Governo nada fez para resolver os efectivos problemas do funcionamento dos tribunais, sobretudo na questão da morosidade processual. Ao invés apenas tem adoptado medidas no sentido de afrontar os operadores judiciários, tentando transmitir para a opinião pública que os culpados do mau funcionamento do sistema são esses mesmos operadores judiciários. Para além disso, o Governo tem-se recusado a negociar as propostas que temos apresentado em relação às diversas matérias que estão em causa" (in DN).
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3. Afronta é o que se pode classificar pela extinção de um regime de saúde que não onerava qualquer cidadão nem as contas do Estado. Os SSMJ são autosuficientes, têm receitas maiores que as despesas. A transferência dos beneficiários dos SSMJ para a ADSE vai implicar o maior dispêndio, quer do Estado, quer dos beneficiários. Por outras palavras, os cidadãos deste país, com os seus impostos, vão contribuir ainda mais para um sistema moribundo (ADSE) e os profissionais forenses vão perder aquilo que de início ajudaram a criar. E, ao invés, aqueles que pouco contribuiram para o mesmo, serão aqueles que agora vão ser os únicos seus beneficiários. É que, como diz um oficial de justiça, que desiludido com o tratamento inflingido, após 31 anos de trabalho, o serviço social foi ajudado a nascer por oficiais de justiça (entre os quais o referido Manuel Pinto) e por juízes: «Fomos nós que tivemos a iniciativa de criar os Serviços Sociais do Ministério da Justiça». "Sofro de uma doença pulmonar, e o hospital privado onde me trato tem acordos com os SSMJ, mas não como a ADSE. Como é que vai ser?", questiona, garantindo que a mesma preocupação é partilhada por muitos colegas seus.
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4. Afronta é a forma como o Estado trata os servidores que trabalham em condições sub-humanas, em quase escravatura, sem equipamentos, sem secções e gabinetes com um mínimo de dignidade, instalações em risco de derrocada (veja-se o exemplo do Tribunal de Santa maria da Feira, cujas fissuras aumentam de mês para mês, com perigo para a vida das centenas de pessoas que ali diariamente trabalham de sol a sol). No DN é apresentado um caso, que infelizmente, é a regra: «Por um guichet encravado entre alguns armários, e umas caixas vermelhas onde se arrumam processos, avista-se a 1.ª Secção do 4.º Juízo Cível do Porto. Lá no fundo, igualmente encravada entre estantes, uma parede e a calha por onde passam os cabos dos computadores, está a escrivã. Sobre ela e sobre os outros funcionários pendem mais de seis mil processos atrasados. Todos as semanas entra uma média de cem novos processos (...) Faltam funcionários judiciais, sobram telefones a tocar. Acresce à falta de condições laborais uma legislação em constante mudança. A falta de estabilidade do quadro legislativo não permite ao funcionário ter a lei intuída, o que torna o trabalho ainda mais moroso. "Temos que estar sempre a estudar", explica Augusta Barreira. Mas nem por esta constante ebulição legislativa o Ministério da Justiça desenvolve uma política de formação».
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5. Pergunta: são estas as condições de trabalho dos restantes titulares de órgãos de soberania (PR, Governo e Assembleia da República) e dos seus funcionários ? Ou será que têm seguranças e agentes policiais à porta, guarda-costas, gabinetes com ar condicionado, assessores para passar uma carta a computador, cafezinho no hall, motorista e automóvel de serviço, para além de um subsistema de saúde (SSPCM) ainda mais favorável e de muitos suplementos remuneratórios, ainda que não estejam sujeitos ao regime de exclusividade de funções ? Tudo, que nenhum Juiz, apesar de ser titular de órgão de soberania, não tem, assim como também nenhuma mordomia dessa natureza ou próxima tem qualquer magistrado ou funcionário. Numa palavra, uma afronta.
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6. Diz o DN, que o Presidente da República pretende estabelecer canais de diálogo entre o Ministério da Justiça e os Sindicatos. Em Belém, considera-se que nenhuma reforma em curso deve prejudicar a dignidade das instituições judiciárias.
Num comentário de um leitor do Correio Manhã, pode ler-se que a classe profissional de quem administra a justiça, neste país ou noutro qualquer civilizado, deveria ser tratada com dignidade e respeito, que sempre lhe deveria ser atribuído.
Infelizmente já ninguém respeita ninguém, nem sequer por questões de soberania do Estado. Pretende-se o nivelamento por baixo, a menorização e a banalização daquilo que é o último reduto de garantia dos direitos de cidadania. Por esse tratamento se vê a dignidade de um país.
Para terminar, transcreve-se o comentário de um outro leitor: «Aqui está uma razão para não acreditar nos políticos, ou nos seguidores de uma política de terra queimada, penso que um País que não sabe dialogar, não merece a democracia». Mas há quem continue a afirmar «Não recuamos. Não dialogamos. Só mandamos.».

terça-feira, setembro 27, 2005

Serviços mínimos

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SERVIÇOS MÍNIMOS DOS OFICIAIS DE JUSTIÇA SÃO ILEGAIS
1. O Ministério da Justiça, particularmente através da Direcção Geral da Administração da Justiça, remeteu uma circular para os oficiais de justiça, pela qual pretende limitar o direito constitucional dos funcionários judiciais de adesão à greve.
Tivemos acesso a esse «direito circulatório» que órgãos da Administração julgam ser mais elevado que as leis da república, que aqui disponibilizamos em formato PDF:
- Ofício Circular 42/2005, Despacho conjunto do MJ, do Trabalho e da Segurança Social;
- Ofício Circular 43/2005, Despacho da DGAJ sobre designação de oficiais de justiça.
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2. Segundo a TSF e o Jornal Público, o Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ) considera "ilegal e ilegítima" a circular enviada hoje pela Direcção-Geral da Administração da Justiça a decretar os serviços mínimos nos quatros dias de greve nos tribunais, que tem início na quinta-feira.
O presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, Fernando Jorge, falava após uma audiência com o Presidente da República, a pedido do próprio Jorge Sampaio, sobre a contestação de funcionários e magistrados às medidas tomadas pelo Governo, nomeadamente em relação à diminuição de regalias nos serviços sociais, redução nas férias de Verão e falta de condições de trabalho nos tribunais.
"Consideramos a circular que decreta os serviços mínimos uma medida ilegal e ilegítima e já pedimos um parecer jurídico sobre a mesma. Temos dado indicações aos funcionários judiciais para não acatar a decisão", defendeu o responsável. No entender do SFJ, o Governo está, com este despacho, "a ser árbitro em causa própria", lembrando que os funcionários judiciais só seriam obrigados a trabalhar caso o Governo decretasse uma requisição civil.
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3. O SFJ remeteu, a seguinte resposta à DGAJ (cfr. link):
«O Sindicato dos Funcionários Judiciais, tendo tomado conhecimento do teor do ofício-circular n.º 43/2005, vem reagir ao mesmo, pelos motivos que passa a expor:
1 – Contestamos a designação da categoria dos oficiais de justiça, por ilegítima, dado que aos oficiais de justiça referidos na circular, não são cometidas, estatutariamente, tais funções, reiterando a não concordância com a exigência dos serviços mínimos, alicerçados, aliás, em parecer jurídico que detemos.
2 – Como, certamente, é do conhecimento de V.Exª, só face à impossibilidade de tais serviços poderem ser assegurados regularmente pelas categorias de funcionários que, funcionalmente, têm essa obrigação (no caso serviços mínimos) é que ocorreria a obrigatoriedade de os mesmos serviços serem assegurados por outros funcionários, independentemente da categoria e do quadro a que pertençam.
3 – Há, deste modo, uma inversão da pirâmide funcional o que, não ocorrendo o desconhecimento e, neste caso, a necessária e exigível correcção, só pode ser interpretada, como forma de afectar, de modo ínvio, o direito à greve.
4 – Acrescentará, deste modo, V.Exª, mais um motivo para justificar, o não acatamento da obrigatoriedade de assegurar os serviços mínimos, que estamos a indicar aos oficiais de justiça, como medida reactiva adequada.»
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4. No site do SFJ consta ainda que:
«O SFJ contesta a legalidade de tal despacho, pelo que vai pedir a impugnação judicial do mesmo, não o acatará e, como tal, não vai proceder a nenhuma designação de funcionários. Ainda hoje será disponibilizada informação mais pormenorizada e sustentada da posição do SFJ. Mas, sempre se dirá que se o Governo pretende evitar «a eventual omissão da satisfação, durante a greve, de necessidades sociais impreteríveis», pode sempre utilizar a figura da requisição civil caso se mostre imprescindível. Cumpre ainda realçar o facto de com esta medida o Governo estar a tentar coagir os funcionários judiciais ao exercício de um direito legítimo ao mesmo tempo que revela o receio de uma paralisação total dos Tribunais e restantes serviços. O senhor Ministro da Justiça lá saberá porquê…»
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5. O SFJ disponibiliza ainda um Parecer Jurídico que conclui pela ilegalidade do despacho conjunto do MJ/MTSS, nos seguintes termos:
«O despacho conjunto do Ministro da Justiça e do Ministro do Trabalho, datado embora de 23/9/05 mas apenas notificado cerca das 12H00 de segunda-feira, dia 26/9/05 é, e a vários títulos, completamente ilegal:
Antes de mais, a obrigação de prestação de serviços mínimos só existe se e quando haja necessidades sociais impreteríveis que não possam ser satisfeitas de outro modo, o que não é manifestamente o caso dos actos referenciados no despacho ora em causa, os quais podem, sem sacrifício incomportável e irreversível dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, ser praticados designadamente pelos Senhores magistrados (uns) e por autoridades judiciárias e policiais (outros).
Independentemente do que antecede, no caso dos serviços de administração directa do Estado, a competência para, em situação de falta de acordo quanto à definição dos serviços mínimos, para proceder a tal definição é de um colégio de árbitros nos termos previstos no artº 599º, nº 4 do Código do Trabalho – e isto exactamente por se considerar como contrário à essência do direito constitucional à greve dos funcionários públicos que o Estado pudesse ser simultaneamente entidade patronal e entidade decisora e definidora dos mesmos serviços mínimos.
A circunstância de o Estado não ter ainda assegurado a elaboração das listas de árbitros não pode obviamente beneficiar o mesmo Estado, e menos ainda permitir o entendimento de que em caso de greve de funcionários públicos é o Governo que poderia unilateral e autoritariamente definir os serviços mínimos (até porque tal solução permitiria que um Governo avesso a reconhecer o direito à greve dos funcionários do Estado o inutilizasse por completo através do expediente de definir, como serviços mínimos, verdadeiros “serviços máximos”). Tudo razões por que se tem que entender, em ordem à preservação do direito constitucional à greve, que numa situação de greve na Função Pública, não existindo possibilidade de designar o colégio arbitral, o poder/dever de definir os serviços mínimos e de designar os funcionários para os prestar recai sobre as respectivas associações sindicais e não sobre o próprio Executivo, o qual, em caso de incumprimento das obrigações legais relativas aos serviços mínimos pode, conforme estabelecido no art. 601º do Código do Trabalho, determinar então a requisição ou mobilização nos termos previstos em legislação especial.
Acresce que o despacho conjunto em questão foi proferido flagrantemente fora de prazo já que, datando o pré-aviso do passado dia 19/9, por força do nº 3 do art. 599º do Código do Trabalho ele haveria de ter sido não apenas produzido como – visto que se trata de decisão que se torna eficaz apenas quando chega ao conhecimento dos destinatários – notificado ao Sindicato dos Funcionários Judiciais até ao termo do terceiro dia posterior ao pré-aviso, ou seja, até ao termo da passada 5ª feira, dia 22/9 (quando o foi apenas a meio do dia de segunda-feira, dia 26/9).
Tal ilegalidade é ainda relevante quando o Sindicato – acaso quisesse designar trabalhadores adstritos à prestação dos serviços mínimos, nos termos do art. 599º, nº 6 do Código do Trabalho – disporia, no caso concreto, de escassas horas para proceder a tal designação, uma vez que esta tem de ser feita, por força daquela disposição legal, até 48 horas antes do início do período de greve, o que tudo consubstancia uma absolutamente ilegítima tentativa de confrontar o Sindicato com o facto consumado das nomeações feitas por outrem.
Por fim, é também de todo ilegal a competência deferida pelos nºs 3º e 6º do despacho conjunto aos magistrados para designarem outros oficiais de Justiça que não os inicialmente designados para a prestação dos serviços mínimos com base, ainda por cima, no mero critério do próprio magistrado, o qual não tem, nos termos da legislação aplicável, qualquer vislumbre de competência para uma designação desse tipo.
Face a tudo quanto antecede, forçoso é concluir que o despacho em causa, ao arrogar-se definir unilateralmente alegados serviços mínimos, ao definir unilateralmente os números e os critérios de designação de funcionários para assegurar tais serviços mínimos e, por fim, ao passar um verdadeiro “cheque em branco” aos magistrados para que estes possam, segundo o seu exclusivo critério, designar um número indeterminado e ilimitado de outros funcionários, viola, e multiplamente, a Lei, e comprime e ataca, de forma completamente desnecessária e desproporcionada, o direito constitucional à greve. Mas pretende também constranger o Sindicato dos Funcionários Judiciais sob a política do facto consumado e sob a (por ora implícita) ameaça de actuações retaliatórias, o que é de todo em todo inaceitável num Estado de direito democrático».
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6. Perante todo o conflito que impera no sector da justiça, urge cogitar se porventura pelos lados da Praça do Comércio, é conhecida a história do soldado para cuja mãe era o único que marcava a marcha certa, enquanto todos os outros estavam a marchar para o lado errado. É que são todos os que trabalham nos Tribunais - Juízes, Magistrados do Ministério Público, Oficiais de Justiça, Advogados - que afirmam, com a prova da experiência - que este não é o rumo que irá permitir resolver os problemas das pessoas que acedem ao sistema da justiça, bem pelo contrário.
Mas os iluminados que nunca entraram num Tribunal nem sabem o que é um processo é que insistem que a marcha apontada é a que vai no rumo certo ... infelizmente, para mal da garantia dos cidadãos e pondo em causa a independência dos Tribunais, a marcha segue para o abismo.
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Actualização às 23:00 hr.
7. Entretanto, pode ler-se no Jornal Público (cfr. link) que «o ministro da Justiça, Alberto Costa, admitiu hoje recorrer à requisição civil dos funcionários judiciais se os serviços mínimos não forem assegurados durante a greve da classe, afirmando que "os tribunais não podem ficar parados"».
Pergunta que se impõe: mas não é precisamente para ficarem parados que os oficiais de justiça [por agora - MP e Juízes, depois] vão fazer greve ? Escandaliza os princípios do Estado de Direito a prepotência e o poder absoluto que vai reinando neste país e que já começa a afastar os grandes investidores internacionais. De facto, quem não recua, corre o risco de continuar a caminhar para o precipício. É o caso, infelizmente, para mal de todos os cidadãos.