terça-feira, janeiro 31, 2006

Funcionalização dos Juízes

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A manobra governamental, digo, a intenção de uma revolução inconstitucional de funcionalização dos Juízes, visando reconduzi-los a simples mão-de-obra administrativa, sem qualquer distinção da sua qualidade de titulares de Órgão de Soberania, prossegue a passos largos.
Assim, os recibos de vencimento dos Juízes, em Janeiro, foram descaracterizados, designadamente surgindo os Juízes com um número enquadrado como pertencentes à Administração Pública e não a um Órgão de Soberania.
Perante tal acto, dois Juízes que prestam funções no Circulo e Comarca de Oliveira de Azeméis, remeteram ao Ministro da Justiça a carta que infra se reproduz.
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Exmo. Senhor Ministro da Justiça
Praça do Comércio
1149-019 Lisboa
Assunto: "Nota de Abonos e Descontos"
Data: 30 de Janeiro de 2006
C/ conhecimento ao Conselho Superior da Magistratura
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Tendo recebido nesta data a nota de abonos e descontos relativa à remuneração de Janeiro do corrente ano, venho junto de Vª Exa. indicar as seguintes correcções que entendo serem devidas em futuras notas:
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Primeira:
Ao invés do referido por três vezes no dito documento, como é seguramente do conhecimento de Vª Exa., não sou uma funcionária, como não o é o Sr. Ministro da Justiça.
A fazer fé nos arts. 110º e 202º da Constituição da República Portuguesa, no art. 1º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e nos arts. 1º e 2º da Lei nº 21/85, de 30/07, os Tribunais são órgãos de soberania, dos quais são titulares os Juízes.
A minha categoria profissional, que de resto vinha sendo, e bem, referida nas anteriores notas remuneratórias, é a de Juiz de Direito.
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Segunda:
Sugiro a Vª Exa. a eliminação da menção às horas extraordinárias, dado que, como Vª Exa. também saberá, os Juízes de Direito estão isentos de horário laboral e não são remunerados pelas muitas horas de serviço que prestam fora do horário de funcionamento da Secretaria Judicial.
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Com respeito institucional,
(Assinatura)

segunda-feira, janeiro 30, 2006

Leituras

LEI 43/2005 - REMUNERAÇÃO BASE MENSAL
O Plenário do Conselho Superior da Magistratura aprovou o Parecer elaborado pelo Técnico Superior Jurista Dr. Ralph Rodrigues, sobre os pedidos de pagamento de remuneração base mensal pelo índice 135, face ao disposto no artigo 1º, da Lei nº 43/2005, de 29 de Agosto, concluindo que dado a Lei nº 43/2005, de 29 de Agosto, apenas prescrever o congelamento do tempo de serviço para efeitos de progressão automática, ou seja, quando a progressão é exclusivamente dependente da verificação daquele requisito, a mesma não é aplicável à situação em que o Juiz deixa de ser estagiário e passa a exercer funções como titular efectivo de um Tribunal de Comarca, razão por que deve ser remunerado pelo índice 135 e não pelo índice 100, pois não se está na presença de uma mera progressão, de natureza automática.
Ver o parecer e sua douta fundamentação em ficheiro Word.
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ABERTURA DO ANO JUDICIAL
Discursos proferidos na sessão solene da abertura do ano judicial de 2006:
Discurso de Sua Excelência o Presidente da República
Discurso de Sua Excelência o Presidente do STJ
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ADVOGADOS - USO DE LOGÓTIPO OU SINAIS DISTINTIVOS
Sumário do Parecer n.º E-20/05 do CG da OA:
«I. O Estatuto da Ordem dos Advogados permite aos advogados divulgar informação objectiva e verdadeira, relacionada com o exercício da advocacia, proibindo apenas as mensagens que, pela sua natureza retórica, persuasiva ou promocional, contêm elementos que verdadeiramente autonomizam e distinguem o anúncio publicitário (cfr. artigo 89.º);
II. No contexto deste novo quadro normativo, a utilização por advogados de siglas, logótipos ou sinal distintivo do escritório não está submetida à prévia aprovação por parte de qualquer órgão da Ordem dos Advogados (cfr. artigo 89.º, n.º 2, alínea d)).
III. Exceptuam-se as siglas e logótipos que se destinem a identificar sociedades de advogados, sendo a sua sujeição a autorização pelo Conselho Geral imposta pelo artigo 11.º do Decreto-lei n.º 229/2004, que estabelece o regime jurídico das sociedades de advogados».
Ver texto integral (OA).
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ENTREVISTA DO PRESIDENTE DO TC
O Juiz Conselheiro Dr. Artur Maurício, Presidente do Tribunal Constitucional, em entrevista dada a "Justiça e Cidadania" (suplemento d'O Primeiro de Janeiro), declarou que «o conceito do “magistrado politicamente puro” está “de todo” afastado da realidade e refere que “a composição do Tribunal Constitucional adequa-se à natureza, simultaneamente, jurisdicional e política deste órgão».
Apesar de muitas vozes na magistratura entenderem que existiria mais vantagem para os cidadãos e para a realização da justiça a integração do TC como secção do STJ, o Presidente do TC é de entendimento oposto.
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INVERSÃO DE ÓNUS DE PROVA
O Dr. Guilherme de Oliveira Martins, actual Presidente do Tribunal de Contas, em entrevista conjunta à TV2 e ao Público (programa «Diga Lá Excelência») vai propor ao Governo a alteração da lei orgânica para tornar mais ágil e eficaz a instituição que zela pelos dinheiros públicos. Uma das alterações é a inversão do ónus da prova. "Desde que eu prove que um determinado responsável estava num determinado lugar a utilizar o dinheiro público é ele que tem de demonstrar se utilizou bem ou mal os recursos", defende.
Ver texto integral (apenas para assinantes da edição on-line do Público).
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DECLARAÇÕES DE IRS PRÉ-PREENCHIDAS
Alguns contribuintes que entregam a sua declaração de IRS através da Internet vão verificar, já este ano, que a administração fiscal possui informação electrónica sobre alguns dos rendimentos que auferiram em 2005, recebendo alertas sempre que se esqueçam de preencher um campo da declaração. Além desta alteração, as declarações de IRS vão aparecer na Internet pré-preenchidas, cabendo ao contribuinte confirmar e completar os dados, designadamente com as despesas que realizou, por exemplo, em saúde.
Ver texto integral (DN).
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REGIME PROCESSUAL ESPECIAL EXPERIMENTAL
O Juiz de Círculo Dr. José F.M.Neves, analisa de forma sintética mas bem contundente das possíveis virtualidades, mas também das mais que evidentes aventureiras soluções que até em alguns pontos podem ser feridas de inconstitucionalidade, do projectado Regime Processual Especial Experimental (ficheiro em PDF). Destaca-se, designadamente, o disposto nos artigos 5.º e 6.º que atribuem à secretaria «o dever de propor a agregação de processos e a redistribuição de processos. Propõe-se que a secretaria comunique ao juiz presidente, periodicamente, a lista dos processos em que os pressupostos para a agregação se verificam. Nesta norma (artigo 6º nº 2) chega mesmo a prever-se que tal periodicidade será fixada por despacho do Director-geral da Administração da Justiça. Mas a que propósito, com que necessidade e com que utilidade se intromete aqui este «despacho» do DGAJ ?».
Ver texto integral no Blog Joeiro.

Eventos em agenda

01.FEV. - SESSÃO DE DIVULGAÇÃO "JULGADOS DE PAZ"
No próximo dia 1 de Fevereiro, das 18:30 às 20:30, no auditório dos SMAS (Sintra), vai decorrer uma sessão de divulgação sobre os Julgados de Paz.
A abertura da sessão será feita pelo Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Sintra, Dr. Fernando Seara. Esta sessão terá a participação dos seguintes oradores:
- Dr. J. O. Cardona Ferreira – Presidente do Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz;
- Dra. Maria da Conceição Oliveira - Presidente do Instituto de Mediação e Arbitragem de Portugal (IMAP) e Representante do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados.
- Dra. Judite Matias - Juíza de Paz;
- Dr. Carlos Sequeira - Representante da Ordem de Advogados - Delegação de Sintra;
- Dr. António Santos Almeida - Advogado.
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02.FEV. - CONFERÊNCIA «CELERIDADE NA JUSTIÇA»
A SEDES vai realizar uma conferência com o seguinte tema: CELERIDADE NA JUSTIÇA E DESENVOLVIMENTO, no Hotel Altis, sala Bruxelas, na R. Castilho, 11, em Lisboa, no dia 2 de Fevereiro (Quinta-feira) às 21 horas.
A lentidão e a ineficiência do sistema judicial têm condicionado o desenvolvimento económico e social do nosso país. Como em todo o mundo, a crescente dinamização e mobilidade social e económica, em consequência da integração do espaço europeu e global, veio também gerar um mais elevado número de conflitos e novas formas de conflitualidade para as quais o nosso sistema de justiça mostrou não estar preparado.
Várias experiências internacionais, que incluem modelos de gestão empresarial, mostram que é possível alterar o rumo do actual sistema judicial português. Pretende-se, assim, debater um conjunto de soluções que contribua para essa mudança.
A sessão será moderada pelo Dr. Rui Machete e será orador o Dr. Paulo Duarte Teixeira, Juiz de Direito e Presidente da Associação Jurídica do Porto. O Dr. Henrique Medina Carreira, comentará os reflexos do sistema de justiça na actividade económica e nas relações sociais.
A entrada é livre.
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02.FEV - INAUGURAÇÃO DA SEDE DA ASJP
A inauguração oficial da sede nacional da ASJP, sita na Rua Ivone Silva, nº 6, lote 4, 19º dto., em Lisboa, encontra-se marcada para o próximo dia 2 de Fevereiro, pelas 17,30 horas. Na ocasião usarão da palavra antigos presidentes da ASJP, que abordarão o tema 'Associativismo Judiciário'. Todos os Juízes associados são convidados a estar presentes.
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10.FEV - A INTERVENÇÃO DO MP
A Associação Jurídica de Braga irá organizar sessão de estudo a realizar no próximo dia 10 de Fevereiro, pelas 21h30m, no auditório da AJB,subordinada ao tema "A Intervenção do Ministério Público na Jurisdição Administrativa - Âmbito e Sentido" que conta com a participação da Professora Doutora Glória Teixeira, Docente da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Lisboa.
Preço: Sócios(€ 5) / Estagiários (€ 5) / Não Sócios(€ 25).
Contactos: Telef. 253 257 850 * Fax 253 257 851* E.mail: ajb@ajb.pt
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À mulher de César...

ARTIGO DE OPINIÃO
DR. LUÍS GANHÃO, ADVOGADO ESTAGIÁRIO
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«À MULHER DE CÉSAR NÃO BASTA SÊ-LO, TEM, TAMBÉM, DE PARECÊ-LO»
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Talvez por que ainda não passarei dum simples advogado estagiário, dou, por vezes, comigo a reflectir sobre coisas que, certamente, serão de importância menor, tipo «lana-caprina», como se ousa dizer, já que sobre elas não ouço falar ou se ouço, não lhes vejo atribuir o mesmo relevo que à problemática do segredo de justiça, do controle das escutas telefónicas ou dos prazos de prisão preventiva é dada.
Por exemplo, mau grado algumas dezenas de julgamentos em que já participei ou, simplesmente, assisti, ainda «digiro» com alguma dificuldade o facto de ver MP e Juiz entrarem simultaneamente pela mesma porta, por vezes «cochichando» entre si, sentarem-se lado a lado num nível superior ao do defensor e a esse nível, por vezes, entre si «cochicharem» e em conjunto saírem pela mesma porta, também, por vezes, «cochichando».
Não pretendo, por tal facto, pôr em causa, minimamente, a independência e honorabilidade dos Juízes, por quem muito respeito tenho, com quem procuro ter as melhores relações de cordialidade e a quem, nalguns casos, até devo muita compreensão com um ou outro «desacerto» que, enquanto advogado estagiário, sempre acabo por ir cometendo aqui ou ali.
Sublinho, a este propósito, a paciência e simpatia com que ainda hoje alguns deles me sabem chamar a atenção pedagogicamente (afinal, ainda sou um estagiário em fase de aprendizagem!), quando, entusiasmado com o exercício de defesa dum arguido e ao interrogar uma qualquer testemunha arrolada pela acusação, por vezes passo de perguntas a conclusões tidas como delas extraíveis, que só me caberia evocar em sede de alegações e ao tribunal, a final, ajuizar.
E não pretendo questionar tal independência e honorabilidade dos juízes, tanto mais quanto, no que aos «cochichar»» diz respeito, estarei certo que não passará de coisas triviais, extra–processo em julgamento, tipo «hoje o tempo está um pouco frio», «parece querer chover» e similares.
Então, perguntar-se-á, qual a razão dessa dificuldade de «digestão» ainda por mim sentida?
Talvez por que a imagem da Justiça que sempre me foi transmitida ter sido a de alguém de olhos vendados, equidistante das partes em confronto, julgando com independência e os Romanos, a quem tanto do Direito fomos beber, já então dizerem:«À mulher de César não basta sê-lo, tem, também, de parecê-lo»!
PS- Refira-se, em abono da verdade, que MP e Juízes não têm culpa, também, de o Estado os ter posto a trabalhar em gabinetes contíguos, servidos por acessos comuns, nomeadamente, à sala de audiências.

sábado, janeiro 28, 2006

Ajuste de contas ?

ARTIGO DE OPINIÃO DE
DR. WILLIAM GILMAN, JUIZ DE CÍRCULO
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Numa altura em que o ataque generalizado aos magistrados e ao Poder Judicial não cessa, não foi sem alguma surpresa que hoje li no Diário de Notícias as declarações do deputado social-democrata Paulo Rangel, a propósito do discurso proferido na Assembleia da República pelo deputado Duarte Lima.
No dia anterior, conta o referido jornal, Duarte Lima havia discursado na Assembleia da República atacando o sistema judicial. Nesse discurso, o deputado alegou a existência de um "formidável défice de legitimidade democrática" do sistema de justiça; propôs uma nova constituição dos conselhos superiores do Ministério Público e da Magistratura no sentido de que a maioria dos seus membros sejam exteriores a ambas, para "garantir a sua independência"; sobre as escutas telefónicas disse que são usadas "de forma desregrada e abusiva" e "como forma de condicionar o poder político nas suas decisões atinentes às reformas da Justiça". No fim foi aplaudido por deputados de todos os grupos parlamentares, à excepção do PCP.
Ora, segundo o DN, Paulo Rangel disse que não aplaudiu o discurso do seu colega de bancada Duarte Lima, mas sobretudo por não concordar com o tom. "Os aplausos mais pareciam um ajuste de contas (com os magistrados) ", disse Rangel, criticando o "júbilo tumultuoso" com que os deputados receberam as palavras de Lima. "Aquele não é um clima de democracia sã. É uma atitude para afundar a Justiça e não para uma reforma positiva e construtiva."
Pois é, acabei por ficar agradavelmente surpreendido.
Após dois ou três anos de incessantes ataques contra o Poder Judicial, vindos de alguns sectores da sociedade portuguesa, não posso deixar de registar com agrado o reconhecimento por parte do Deputado Paulo Rangel de que o modo como o Poder Judicial e os titulares dos órgãos de soberania Tribunais têm vindo a ser tratados não são próprios de uma democracia.
Bem sei que o Deputado Paulo Rangel é professor na área do Direito Constitucional e por isso não será de estranhar a sua preocupação com o modo pelo qual o Poder Judicial tem vindo a ser tratado.
Mas, se pensarmos bem, outros há que conscientes terão de estar do significado dos ataques desferidos a um dos pilares do Estado de Direito Democrático, e que, no entanto, ficaram calados, ou, pior ainda, têm participado activamente na tentativa de aniquilamento da independência do Poder Judicial.
Todo o poder, como sabemos, se não for limitado por outros poderes tende a absolutizar-se.
Para que isso não ocorra torna-se necessário manter viva a Separação de Poderes e a independência da Magistratura.
Conseguiremos tal desiderato?
Não sei.
Mas o que tenho por certo é que temos de continuar atentos, pois, como alguém um dia disse, «o preço da liberdade é a eterna vigilância».

Turnos do Euro por pagar

O Ministério da Justiça ainda não pagou aos magistrados que estiveram de prevenção durante o Campeonato Europeu de Futebol. Mais de uma centena de juízes e procuradores do Ministério Público fizeram turnos durante o Euro’2004, não tendo ainda recebido nem o trabalho extraordinário nem as deslocações em serviço ou as ajudas de custo.
Durante o campeonato, os tribunais estiveram abertos em permanência, assegurando o serviço aos sábados, domingos e feriados, entre 1 de Junho e 11 de Julho.
Nessa altura, o Governo criou um regime especial que permitiu uma maior celeridade dos tribunais, sobretudo quando estavam em causa distúrbios relacionados com claques estrangeiras. Os adeptos eram identificados, levados a tribunal, julgados o mais rapidamente possível e, se fosse caso disso, acompanhados ao aeroporto e expulsos do País.
Para além dos turnos do Euro’2004, o Ministério da Justiça mantém congelados os salários dos magistrados que acabaram a sua formação no Centro de Estudos Judiciários e iniciaram a carreira em Setembro. Segundo a Associação Sindical dos Juízes Portugueses – que tem 80 juízes nestas condições –, os novos profissionais continuam a receber como estagiários, ao abrigo da lei que congelou a progressão nas carreiras. O CM não conseguiu obter uma explicação junto do Ministério da Justiça para as falhas orçamentais.
IN CORREIO DA MANHÃ (LINK)

sexta-feira, janeiro 27, 2006

Horas mortas ?

1. O “julgamento” jornalístico.
A Senhora Jornalista, Dra. Sofia Pinto Coelho, na sua habitual crónica no Expresso, fazendo referência a um post deste blog Verbo Jurídico (desde já agradecendo à mesma a sua citação), a propósito do facto dos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça (sem destacar que são apenas os das Secções Criminais, sendo este um elemento relevante), terem deixado de enviar as súmulas dos seus acórdãos [não acordões] para a base de dados do Ministério da Justiça (trabalho gratuito dos mesmos), faz comparações com a actual postura dos técnicos da Polícia Judiciária e rotulando de aparente absurdo essas “queixas”, para após acrescentar que “(…) não são. De facto, na justiça portuguesa trabalha-se muito. Todavia, produz-se pouco. Basta olhar para os julgamentos. No «caso Moderna», por exemplo, as audiências, marcadas para as 9h30, raramente começavam antes das dez e tal. A meio da manhã fazia-se o usual intervalo para o café e pouco depois do meio-dia ia-se almoçar. Da parte da tarde, a marcação para as 14h raramente era cumprida e por volta das 17h já todos estavam a ajeitar o casaco para se ir embora. Na generalidade dos julgamentos, é isto que acontece: parece que se trabalha muito, mas, vendo bem, há muitas «horas mortas»”.
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2. Os Juízes só fazem julgamentos ?
Perante a afirmação supra enunciada, importa questionar como, num Juízo com uma pendência de cerca de 3000 ou mais processos (quando todos os indicadores de entidades externas apontam como máximo suportável o número de 700 a 750), estando o Juiz no horário que a Dra. Sofia Pinto Coelho referencia em audiência de julgamento, surgem despachadas as dezenas (quando não mais de uma centena) de processos por dia? E em que horário são proferidos os despachos saneadores e as sentenças ?
Será que ainda há quem pense que os Juízes só presidem a audiências de julgamento, das 09:00 às 12:30 e das 14:00 às 17:00 e que depois todo o demais trabalho jurisdicional surge elaborado por artes mágicas ou por automatismo informático… ?
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3. Horas "vivas"
Aquilo que um cidadão desconhecedor da realidade dos Tribunais pode chamar de “horas mortas” são os minutos de maior produtividade que se possa imaginar. Com efeito, enquanto a chamada é feita pelo funcionário, enquanto os Mandatários encetam conversações para um eventual acordo, enquanto se aguarda pela chegada de partes, testemunhas ou peritos, o Juiz, em regra, encontra-se no gabinete a despachar toda a panóplia de requerimentos, incidentes e actos processuais.
Por isso, ao invés de se tratarem de “horas mortas” são verdadeiras “horas vivas”, de grande laboração, correspondente a uma gestão com o maior aproveitamento possível do tempo disponível enquanto a audiência de julgamento não tem (ou não pode ter) o seu início. E muito desse trabalho, embora irreconhecido, incide precisamente sobre aspectos cruciais dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, relativamente aos quais estes aguardam uma decisão.
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4. O tempo de espera
É verdade que raramente uma diligência ou audiência de julgamento começa à hora em que se encontra marcada. Mas esse tempo de espera tem a sua razão de ser, tantas vezes desconhecida, mas que não poucas vezes acaba por se afigurar positivo para a justa composição da causa.
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4.1. Com efeito, à hora marcada o funcionário judicial faz a chamada das pessoas que tenham sido convocadas. A realidade social de hoje é diferente de há uma década atrás. O trânsito tem-se tornado num flagelo e a dificuldade de estacionamento não apenas dificulta como agrava a pontualidade. Por isso, muitas vezes o funcionário judicial carece de fazer a chamada duas, três e mais vezes para se assegurar quais das pessoas convocadas que se encontram efectivamente presentes para que não sejam suscitados incidentes processuais que só agravariam a delonga do processo.
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4.2. Por outro lado, por força da própria disposição legal, o Juiz deve promover a conciliação das partes. Ora, os processos judiciais – por o serem – envolvem a cristalização de um litígio, com posições extremadas, não sendo fácil obter uma transacção de ânimo leve.
É que os julgamentos não são simples entrevistas. Num processo judicial pode discutir-se desde a liberdade de uma pessoa, até à manutenção ou perda de direitos patrimoniais ou de avultados valores pecuniários.
Muitas vezes é precisamente nos momentos que antecedem a audiência de julgamento que os Mandatários se conhecem pessoalmente e encetam conversações no sentido da obtenção de um acordo. E essa diligência pode ser crucial para a resolução do litígio. Mas a discussão de direitos e deveres implica tempo – tempo esse que jamais pode ser considerado perdido, pois a aproximação das partes é sempre benéfica.
Por isso, quando o acordo não é obtido, necessariamente a audiência de julgamento, precedida que foi desses actos (processualmente previstos), não pode começar à hora marcada. Mas este facto faz parte da própria natureza dos processos judiciais e a sua abolição pura e simples impediria a obtenção de tantos acordos que têm ocorrido e que tanto benefício tem trazido para a paz social, para a resolução (final) do litigo (menos actos a praticar, menos recursos) e, consequentemente, para o bem da própria administração da justiça.
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4.3. Acresce finalmente que, face ao aumento exponencial da litigância, salvo situações muito específicas, uma boa gestão da agenda desaconselha que apenas se marque uma diligência para uma determinada hora. Com efeito, existem vários fundamentos legais que permitem o adiamento da audiência de julgamento, os quais são alheios (exteriores) ao Tribunal ou ao Juiz, designadamente a falta de Mandatário por impedimento noutra diligência judicial, a falta na 1.ª data do arguido, a falta de testemunha de que não se prescinda, a falta de concordância prévia de agendas (nem sempre possível), etc.. Ora, perante tal panóplia de fundamentos legais de adiamentos, é arriscado marcar apenas uma diligência, pois o tempo útil deve ser aproveitado ao máximo, designadamente para a realização das audiências de julgamento e outras diligências judiciais. A prática dos actos respectivos (tentativas de conciliação, suspensão da instância ou adiamento) implica igualmente o dispêndio de tempo nesses processos – que necessariamente implicam que a diligência que se efectuará apenas se inicie após a prática dos actos naqueles outros.
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5. Fenómenos adversos à produtividade
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5.1. Inexistência de assessoria
Aponta-se paulatinamente que o número dos Juízes em Portugal é, em média, superior aos demais países da União Europeia. O certo, porém, é que os juízes da generalidade dos países europeus têm assessores, com competência técnica adequada, que praticam todos os actos de expediente, assim como detêm no seu gabinete um funcionário privativo para todos os actos inerentes ao exercício das suas funções, ficando o Juiz unicamente com a função de julgar e decidir. Em Portugal, é o Juiz que tem de assumir a prática de todos os actos burocráticos, de expediente, administrativos e processuais, fazendo de assessor e secretário de si próprio, além dos actos jurisdicionais que tem de praticar, sem qualquer assessor ou funcionário privativo.
Ora, o Juiz deveria ter a sua função circunscrita ao exercício do munus jurisdicional decisório, isto é, despachos com relevo directo dos direitos fundamentais e para o julgamento de facto e de direito da causa. A generalidade dos demais actos poderia ser efectivada por assessores, licenciados em direito, que subordinados funcionalmente à direcção assegurada pelo Juiz, permitiriam libertar este para aquilo que efectivamente é a nobreza da função: julgar. Desta forma, seria possível aumentar o número de julgamentos (o juiz estaria liberto do despacho burocrático e centraria a sua actividade na função de julgar) e, consequentemente, a celeridade da justiça. E, por outro lado, o Estado poupava recursos, na medida em que a remuneração que seria paga aos assessores seria sempre inferior à de um Juiz, razão porque a ratio entre o valor/tempo/ serviço dos assessores seria sempre mais económica do que aquela que é paga pelo trabalho burocrático escravizante do Juiz.
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5.2. Falta de cultura para a resolução alternativa de litígios
Em Portugal, não existe ainda uma cultura dos cidadãos no recurso à mediação, arbitragem, julgados de paz e demais formas de resolução alternativa dos litígios. A cada vez maior consciencialização dos direitos (que é de louvar), com a manutenção de um sistema tradicional organizativo relativamente ao qual os Juízes não têm qualquer intervenção directa, quer porque as leis de processo, de organização judiciária, de regulamentação e respectivos actos administrativos de execução são todos de competência de outros órgãos de soberania, têm conduzido ao estrangulamento do sistema, sem que tenha havido a necessária atenção (por parte do poder político) para o investimento sério e empenhado na Justiça.
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5.3. Falta de autonomia administrativa e financeira
O Poder Judicial, ao contrário dos demais Poderes constitucionais, não está dotado de condições administrativas e financeiras próprias, sabendo que o Conselho da Europa é favorável à autonomia administrativa e financeira dos Tribunais, porém em Portugal a simples aquisição de qualquer equipamento, por mínimo que seja, está dependente da boa vontade de um outro órgão de soberania, o Governo (através do ministério da Justiça). O mesmo deve afirmar-se quanto ao Conselho Superior da Magistratura: há mais de três anos que o Conselho Superior da Magistratura apresentou um projecto de Lei Orgânica, sem a qual esse órgão constitucional não pode efectivamente exercer as suas funções, mas essa Lei Orgânica, ainda que prometida, tem sido sempre mantida na gaveta pelos sucessivos Governos.
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5.4. Uma lei de processo arcaica
Em alguns países da Europa, as decisões podem ser proferidas verbalmente, mediante súmula do dispositivo (condenação ou absolvição), o que diminui significativamente o trabalho e aumenta de forma relevante a produtividade. Em Portugal, as decisões têm que ser profusamente fundamentadas, sob pena de nulidade, fazendo o Juiz de escriturário e não tendo qualquer assessor para pesquisa de doutrina jurisprudência. A lei do processo é, assim, inimiga da produtividade.
Acresce as sucessivas alterações legislativas que tornam os códigos e demais diplomas uma verdadeira manta de retalhos, contrária à confiança e segurança jurídicas, assim como provocando divergências interpretativas, com o exponencial aumento dos recursos.
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Concluindo:
a) É verdade que muito se trabalha nos Tribunais.
b) A produtividade podia ser maior, mas em regra não depende de qualquer maior empenho ou sacrifício dos Juízes, magistrados ou funcionários porque esse empenho e sacrifício está no grau máximo, melhor já ultrapassou a medida do humanamente aceitável.
c) Mas seguramente a produtividade podia ser muito menor sem esse empenho e sacrifício de quase escravatura que tem sustentado um sistema que não corresponde ao que os Juízes sempre denunciaram como adequado, mas que pelo seu espírito de abnegação e de respeito pelos direitos de cidadania e da elevação da res pública têm procurado não desvirtuar.
d) Mas há momentos em que é necessário dizer que “o rei vai nu”, perante aviltantes ataques à independência (garantia final dos cidadãos) de quem tanto tem dado ao Estado de Direito sem pretensão de condecorações, cargos ou benesses.

quarta-feira, janeiro 25, 2006

O Princípio de Dilbert

Segundo o Princípio de Dilbert (um livro interessante, da autoria de Scott Adams, que nos ajuda a compreender a razão de algumas peripécias que rapidamente se transformam em litígios judiciais...), "os trabalhadores mais incapazes são sistematicamente transferidos para o lugar onde podem fazer menos estragos: a administração".
Aplicando este princípio à gestão da res pública, podemos assim concluir que "os políticos mais incompetentes são sistematicamente nomeados para os lugares onde podem fazer mais estragos: os cargos de nomeação governativa".
Portugal é o paradigma deste princípio, desgoverno após desgoverno...

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Para quê um ministério da justiça ?

Contributo para
A construção do Poder Judicial e para a Reforma Judicial

Por Dr. Lúcio Teixeira, Juiz Conselheiro do STJ (Jubilado).
In Portal Verbo Jurídico.
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PARA QUÊ UM MINISTÉRIO DA JUSTIÇA ?
Cerca de 30 anos eram decorridos após a implantação da República.
O Estado Novo ia desembrulhando o pacote de ludíbrios passados por ganhos democráticos insistentemente pregados pelos apaniguados do 28 de Maio. Tinham-se esgotado os ideais republicanos, dizia-se.
Para esconder a dor da desilusão que causaria no povo a governação do Estado Novo, Oliveira Salazar incrementara o discurso da necessidade premente de endireitar as Finanças do País: É preciso constranger direitos, é urgente cortar na retribuição de quem trabalha para salvar a Pátria da Banca Rota, dizia e mandava dizer.
É nesta vaga que, pelas mãos do seu Ministro da Justiça, o Regime do Estado Novo se vai aos vencimentos dos Juízes e os reduz a um montante de penúria tal que por longos 40 anos os havia de humilhar e magoar até pelos lamentos compadecidos e sinceros embora de Senhores Advogados perturbados também com o facto por saberem da necessidade que todos tínhamos de um Justiça prestigiada, uma Justiça independente.
Reagir a este e outros pontos do regime era vedado fosse a quem fosse e de sobremaneira aos Juízes, já por o serem, já por submetidos a juramentos verdadeiramente constrangedores. Assim se teorizava e mais se aterrorizava.
Mas afinal que significava, que peso tinha nas Finanças Nacionais o corte nas retribuições aos Juízes para explicar essa medida e de algum modo justificar a colocação em periclitância de um dos Pilares do Estado, os Tribunais, pondo-os assim na titularidade de Juízes desprotegidos, depauperados económica e socialmente?
Nenhum significado ou peso tinha tal corte de remunerações. Eram tão poucos os Juízes que o pé de meia assim conseguido não ultrapassaria o ridículo.
Todo o mundo sabe que a verdadeira razão dessa medida se encontrava num certo ódio de estimação que o Doutor Oliveira Salazar nutria pelos Juízes Comuns deste País. É que também para ele esses não eram os seus Juízes, (como os Tribunais Comuns não eram os seus Tribunais).
A acrescer a este odiozinho cultivava o Doutor Oliveira Salazar a obsessão de mandar e este varejo sobre os juízes servia também para maquiavelicamente exibir o seu poder e sacralizar a fórmula do "Quero Posso e Mando", do "é mais difícil mandar que ser mandado". "Todos devem obediência ao Governo e ao seu Presidente do Conselho". Que fórmulas mágicas para sociedades de frágil cidadania ou sem ela! E a obsessão de mandar deste Senhor era tal que ele nunca quis ser Presidente da República só para não perder também o mando sobre este, até sobre a escolha "oratória", de improviso ou lida, que este quisesse usar nos "cortes de fitas".
A Justiça teleguiava-se pela governamentalização da Hierarquia do Ministério Público através das nomeações, dos instrumentos das Directivas, das Ordens de Serviço e dos Tribunais Especiais que proliferavam.
Mas aconteceu Abril e como na 1ª República a Nossa Cidadania floriu novamente e o Poder Político de matriz escancarada acarinhou-a e prometeu protegê-la como o cravo mais rubro e perfumado da Revolução.
Nessa linha, aproximar os Tribunais e os seus Titulares do lugar que lhe competia numa teorização do Estado Moderno foi preocupação genuína do retomar do verdadeiro conceito de Soberania do verdadeiro conceito de Cidadania. O Povo é soberano; só é soberano se se levanta em Estado de Direito, isto é, se vincula pela Lei todos os seus componentes individuais ou colectivos, governantes ou governados, simples cidadãos ou titulares dos Órgãos de Soberania e se arma com Tribunais Independentes, fortes, para garantir em seu nome que todos mas todos são tratados com igualdade perante a Lei e que todos mas todos a ela se submetem. A medida da cidadania de um povo afere-se pelo grau de independência dos seus Tribunais, nunca pelo oportunismo ou maquiavelismo dos Governos por mais eficazes que sejam.
Não se terá alcançado o pleno desse anseio, mas terá de reconhecer-se que para a sua satisfação se viraram os nossos Pensadores e Constitucionalistas do pós 25deAbril e nisso se empenharam sempre os Tribunais.
Mas vão já decorridos também 30 anos sobre a Revolução dos Cravos e também como ontem já muitas vozes se levantam a gritar que está esgotado o sistema político dela nascido.
De novo vem um Governo, um Governo que algumas esperanças criou, e assalta o estatuto remuneratório e de protecção dos Juízes a troco também de que é preciso superar o "Déficit" financeiro do Estado e, em última análise, de que assim agir é uma "opção do Governo". Os Juízes são tratados achincalhadamente, reduzindo-os o Governo a meros assalariados para lhes dizer como fica o seu estatuto e considerando-os titulares dum Órgão de Soberania para os conter na sua reacção.
Já se quer e se sustenta também que os Juízes não podem reagir a esta medida que eles entendem ser ofensiva da Independência dos Tribunais, e alguma comunicação social vai-se servindo do prato envenenado.
Os Juízes reagem e por isso censuram-nos: uns, porque os Juízes são apenas uns técnicos especializados dentro do Tribunal que devem acatar cegamente o que manda o Governo, "assim como um engenheiro duma Câmara Municipal", e outros pela razão absolutamente oposta, ou seja, a de que são titulares de um Órgão da Soberania e, como tal, se contestarem contestam-se a si próprios, o que é absurdo.
Ao primeiro alinhamento pertencem aqueles que, não alcançando mais que uma visão estritamente literal da Constituição, só têm como Órgão de Soberania os Tribunais como edifício, como um conjunto de tijolos ou de pedras com um telhado em cima.
No segundo agrupamento alinham os que, envolvendo já o corpo humano jurisdicional na declaração constitucional dos Tribunais como Órgão de Soberania, se contentam com essa simples declaração mesmo que vazia de real conteúdo, ou seja, um corpo de Juízes que podem fazer os seus julgamentos nas salas de audiência as suas sentenças nos seus gabinetes, quando os têm, mas quem manda neles, no seu estatuto, é o Governo.
É assim que ainda há pouco se ouvia o Senhor Primeiro Ministro dizer a propósito da contestação dos Juízes:
"O Governo já decidiu e quem manda é o Governo".
Ainda alinhando de base neste segundo grupo, um ilustre comentador de TV com responsabilidades acrescidas por ser Professor de Direito, isto sem querer ferir as porventura boas intenções teóricas do mestre, dizíamos, ainda alinhando de base neste segundo grupo procura amenizar a tese sustentando que, contestar, os Juízes "não devem", "não podem", "o que devem fazer é interceder junto do Presidente da República".
Mas que Órgão de Soberania, que Poder Judicial é este? Que cidadania querem para o meu País? Que quer dizer esta gente? Para onde nos querem levar? Acaso pensam que o Presidente da República não vive cá?
Não vou perder tempo a analisar aqui o abstruso de todos estes entendimentos e menos fazê-lo como Juiz. Mas ainda assim deixo no ar: Quem deve em primeira linha defender o Poder Judicial? Quem tem de defender o ouro dado em depósito não é o depositário?
Encaro toda esta problemática como cidadão e para salientar a necessidade que há, o dever que todos temos de nos abeirarmos destas realidades constitucionais e destas e doutras experiências e as aprofundarmos e esclarecermos em termos de ao menos neste campo, o da Justiça, o cimento de ligação de toda a relação humana erigida em Estado, tudo ser claro, entendível por todos, para que todos, sejam os Cavaleiros da defesa de um Poder Judicial autêntico, projector de Tribunais Independentes, única garantia da Nossa Cidadania.
Ao fazê-lo quero vincar bem que os beneficiários do Tribunal Soberano não são os Juízes mas sim os cidadãos deste País (e isto deve ser bem transparente e não opacionado na Comunicação Social como vulgarmente acontece). É no interesse dos cidadãos que se define uma Justiça Igual para todos e este desiderato só se alcança se os Juízes estiverem enquadrados num sistema judicial acautelado de influências, de vexames, de ordens ou prepotências, isto é , se servirem Tribunais verdadeiramente Independentes, ou seja, erigidos em verdadeiro Órgão de Soberania. A comunicação social não sabe isto? Se não sabe deve aprendê-lo e, em vez de andar a esbanjar tempo a bater palmas aos ataques à Independência dos Tribunais, em seu próprio prejuízo que parece não verem no horizonte, deve ganhá-lo a informar disto e de outros valores universais os não notáveis deste nosso País. Então também ela será um Poder respeitável.
Comecem por exigir Tribunais dignos e Juízes devidamente protegidos social e económicamente.
As matrizes dos Políticos Expectantes esvaem-se e o exercício do Poder, hoje como ontem, faz-se pelo apego ao fio condutor mais que duvidoso do rótulo de "democrático". Na acção é o que se vê.
Houve muitos presos políticos no Estado Novo. Dos que escaparam vivos ao cárcere quase todos têm vivido e morrido silenciosamente no recato do martírio heróico. Há porém alguns perseguidos desse Regime e até simples condoídos que parecem ter necessidade de estarem sempre a defenderem-se com o apelo a que são democratas, de esquerda e que querem Tribunais Independentes porque foram presos políticos da Ditadura ou que com estes se solidarizam. Mas não esclarecem (e tinham obrigação disso para que não se manchem os nossos actuais Tribunais e até os Tribunais Comuns de ontem que sobreviveram com honra) que foram vítimas sim mas de tribunais especiais, duma justiça governamentalizada por mordomias, por directivas, circulares e ordens de serviço. Quantos daqueles apelos não passam de cortinas sorumbáticas, arrogantes e até broncas para diluírem comportamentos e acções que mais parecem de estagiários que de presidiários dessa justiça do Estado Novo.
Em 1975, com eco de algum escândalo na primeira página do Diário de Lisboa, sustentei que em Portugal só havia hipótese de se edificar um verdadeiro Poder Judicial se se extinguisse o Ministério da Justiça.
Hoje arreiga-se-me mais esta síntese e o escândalo não passará de incultura política ou de jeito para manter o sistema. Dê-se a saber que o Estado Inglês não contempla esta figura governativa e que a sua Justiça é prestigiada, disciplinada e orgulhosa do seu estatuto: Pense-se na censura feita um dia pelo órgão judicial disciplinar inglês a um seu Juíz por se fazer deslocar em transporte público. E que defendendo-se esse Juiz com o argumento de que o seu carro tinha enguiçado lhe foi objectado como agravante que ganhava o suficiente para ter dois ou mais carros.
Na verdade um Ministério da Justiça, além de abstruso numa construção do Estado assente na Separação de Poderes, só pode ser o Cavalo de Tróia na constituição de um Poder Judicial independente.
Depois, se há assim necessidade de tanto aperto nas contas públicas quanto é que se não poupava com o abate de todo o Ministério da Justiça? Os Senhores Governantes ainda não viram isso?
Se é certo que a Constituição da República consagra o Poder Judicial através da declaração dos Tribunais como Órgão de Soberania a verdade é que, quer na Constituição, quer na Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais para que se remete a sua orgânica, apenas se reserva ao seu órgão privativo a "gestão e disciplina da magistratura judicial" que nem sequer definida é por esse órgão.
Tudo o mais, e que é o verdadeiro cerne ou substracto de um Poder Constitucional, fica nas mãos do Governo pela via do seu Ministro da Justiça.
Por que é assim?
Pois também para que um Senhor Primeiro Ministro possa fazer e dizer: "O Governo já decidiu, quem manda é o Governo".
E este posicionamento autoritário não é só interno e o perigo aumenta:
Ainda há pouco ouvíamos vinda de Paris, e logo de Paris, a pátria do pensamento da separação dos Poderes do Estado, do Estado Moderno, a sua Voz Governamental máxima declarar: "os intervenientes nos distúrbios dos arredores de Paris serão levados a Tribunal e implacavelmente castigados".
Qual o papel da Justiça se o Governo é que manda castigar implacavelmente?
O que ontem era excepção dum Estado anómalo hoje o autoritarismo governamental começa a perpassar todos os Estados regionais e até mundiais. A Organicidade de certa Globalização pode passar de fantasma.
Razões teremos para ficar preocupados!
Urge criar um Poder Judicial dotado de uma Lei Orgânica forte, que o contenha numa INTERDEPENDÊNCIA com os demais Órgãos do Poder sim, mas em termos de não mais, nem por arrogância, se poder dizer que quem manda na Justiça é o Governo.
Que se erga esse Poder Judicial, não para favorecimento dos Juízes, não são eles que dele precisam, mas para que os cidadãos tenham a garantia de ver os seus direitos tratados, com erros possíveis, mas com total imparcialidade.
Trabalhemos para erigir um SUPREMO CONSELHO DA JUSTIÇA que governe todo o Sistema Judicial Português; que seja presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e integrado por elementos saídos da Assembleia da República e dos actuais Conselhos Superiores, constituídos estes apenas por elementos pertencentes ao corpo judicial da classe que representam e presididos por um seu elemento entre eles eleito.
Enquanto assim não acontecer continuaremos a ver as Forças Armadas, que não são Órgãos de Soberania, a sentarem-se à mesa do Orçamento do Estado para discutirem directamente o que lhes respeita, e continuarão os Juízes, os ditos "Titulares do Poder Judicial", a não ser ouvidos nem achados na elaboração do Orçamento e a ouvir do Governo, depois do Orçamento só por eles aprovado, que não há verbas para acudir sequer às necessidades prementes dum digno funcionamento dos Tribunais e algumas até de ridícula não satisfação.
E, pior que tudo, são todos os Juízes, e agora até todos os Operadores da Justiça, os atirados para a fogueira da Comunicação Social e postos a arder em lume brando para que a combustão perdure o tempo necessário para a demagogia colher os seus frutos.
A situação é tão vexatória e alarmante, sobretudo até pela incivilidade com que é tratada, que até já um candidato à Presidência da República, bem intencionado possivelmente, mas esquecendo mesmo que com o dito se estava a intrometer no Poder Judicial, ou entendendo mesmo que o poderá fazer, declarava: "Quero uma Justiça prestigiada"
E outro menos voluntarista mais recentemente ainda proclamava: "A Justiça deve ser prestigiada", "os Juízes devem ser respeitados".
São preocupações manifestadas por estes e outros Candidatos à mais alta Magistratura da Nação e, até pelo tempo e propósito, ninguém as lerá senão como reacções ao mais recente e deplorável tratamento dado pelo Governo aos Operadores da Justiça, muito especialmente aos Juízes.
Mas a preocupação do Governo vai noutra direcção. Anuncia criar uma fiscalização externa do exercício da Justiça sem pejo de ao mesmo tempo, para ele Governo, se propor criar um serviço interno para acompanhamento da sua acção.
Que papel se reserva para os Tribunais? O de uma repartição administrativa do Governo?
Nesta preocupação recordo uma estória:
Estávamos na década 1960. Marcava-se socialmente o começo do fim da nossa maior noite depois da Idade Média prosseguida por um regime político -O Estado Novo- auspiciado também de democrático como era faliciosamente propagandeado por 1926-28.
Eu era Delegado do Procurador da República e vigorava no nosso direito objectivo o regime das DIRECTIVAS GOVERNAMENTAIS à Procuradoria Geral da República e dentro do Ministério Público pela via hierárquica.
Por Junho Julho desse ano recebo uma denúncia crime relatando um homicídio consumado praticado na sede da comarca, identificando o móbil do crime, a vítima e o arguido, era assim que naquele tempo se denominava processualmente o suspeito.
O móbil do crime era o da limpeza de caminho ao arguido na sua relação de amantismo com a mulher da vítima.
A vítima era um humilde cidadão comum português.
O arguido era um médico local com poder de influência no meio socialmente fechado e débil em que os factos narrados decorrem e familiar chegado de Político delfim do Regime colocado em lugar público proeminente na sociedade portuguesa.
Então participa-se:
A vítima, conhecedora do seu infortúnio conjugal e não suportando mais os olhares de soslaio das gentes da sua terra, dispõe-se a emigrar para a Venezuela mas sabe que é portador de sífilis, doença que lhe barrará esse destino nos Serviços Migratórios.
Roga então à mulher que peça ao arguido, seu compadre, para o tratar com vista à sua emigração.
Assim age a mulher e o arguido acede medicando a vítima com penicilina injectável, sabendo por experiência directa anterior que ele era alérgico a esse medicamento.
A enfermeira local conhecia o paciente-vítima e, sabendo também daquela sua alergia, recusa-se por esse motivo a ministrar-lhe a injecção.
A pedido da mulher da vítima, o arguido ordena pelo telefone à enfermeira que ministre a injecção e ela, lembrando-lhe a alergia do paciente vista em outra intervenção mais lá atrás também por ele acompanhada, responde-lhe que só o fará sob ordem sua, médico-arguido, dada na sua presença e assistindo ele ao acto.
Este desloca-se ao posto médico respectivo e a injecção é aplicada sob sua ordem e na sua presença.
Passados poucos minutos a vítima sente-se muito mal.
Com o pretexto de ser compadre da vítima o arguido não a assiste e manda que chamem o outro médico da vila que vem e lhe dá umas bofetadas na cara pensando-o apenas desmaiado.
A vítima não reagia e, daí a cerca de 30 minutos, morria.
Perante a denúncia criminal determinei a autópsia para cuja realização não foi nada fácil arranjar médico legista mesmo com recurso a outra comarca que, em última instância, sempre se escusava com fundamento em falta ou impreparação da ferramenta para o efeito.
Feita a autópsia comecei a desenvolver a instrução preparatória pretendendo ouvir de imediato o arguido, o que não foi possível por ter desaparecido, diziam as informações policiais.
Depois de várias diligências para descoberta do seu paradeiro soou a notícia de que estaria internado em clinica mental não identificada e distante.
Surgem as férias judiciais e fica-me a substituir no cargo de Delegado do Procurador da República o Notário local.
Reiniciado o ano judicial e não tendo eu reassumido funções naquela comarca, recebi a notícia de que por Directiva Superior vinda da Procuradoria Geral da República aquele processo de instrução havia sido arquivado e o arguido tinha recuperado o "juízo".
Com Abril o Ministério Público Português conquistou a Autonomia para o exercício da sua função, o que o Regime do Estado Novo também não tolerava mas, decorridos 30 anos, os senhores poderosos de hoje começam a sentir o peso da igualdade de tratamento perante a lei e reagem mal.
Desenvolve-se a lebre da crise da Justiça, desfralda-se o fantasma da violação do Segredo da Justiça nos casos dos notáveis, e apresenta-se agora como um dos remédios para o seu tratamento o regresso ao regime das DIRECTIVAS do GOVERNO à Procuradoria Geral e a instauração de uma PLANIFICAÇÃO GOVERNAMENTAL da investigação criminal.
Em suma: A Autonomia do Ministério Público volta a tornar-se insuportável.
Aquela estória foi uma história de ontem.
Que estória esperar para a história de amanhã?
Quem amanhã vai dizer quem vai a julgamento, a indiciação técnica criminal ou o oportunismo político? Os Tribunais ou o Governo?
Para quê um Ministério da Justiça? - Para contagiar a Justiça com as mazelas dos Governos e dos Governantes?
Continuando nesta fala de concidadão, sempre norteado pela mesma preocupação de melhoramento da Justiça em Portugal, tomemos do mundo dela alguns aspectos relativos aos seus Operadores, Juízes, Magistrados do M.P., Advogados e outros relativos ao Apoio Judiciário muitas vezes badalados na Comunicação Social e quase nunca por bem.
Juízes - Da sua formação tratamos num trabalho publicado in SCIENTIA JVRÍDICA, Janeiro - Abril - 1975 TOMO XXIV - N.os 132 - 133, Pag. 49 a 56, e referenciado in BOLETIM DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, n. 258 de 1976, pag. 476. Porque no essencial entendemos que ainda hoje tem actualidade o aí expendido e devia ter sido seguido, e não o foi, damo-lo aqui por retomado e novamente proposto.
Como outros defendemos que o caminho Judicial para a solução da "Crise da Justiça" não passa pela implementação do quadro dos Juízes. Cremos que o serviço dos Juízes pode suavizar-se e até diminuir-se largamente com reflexos significativos na agilidade, diminuição e desenlace processual.
Para alcançar este desiderato propõem-se:
-medidas destinadas a conter o culturalismo jurídico desnecessário nas sentenças, nos acórdãos ou nos despachos;
-proibição de publicação fora do processo de sentenças, acórdãos ou despachos confirmatórios de outros, excepto quando os fundamentos destes se não ajustem ou se oponham à decisão dos mesmos. Deixemos esses meios de publicitação mais para as boas decisões dos jovens Juízes como forma até de os estimular a fazer ainda melhor em prol de uma comunidade que assim os merece;
-medidas destinadas ao aproveitamento integral da simplificação processual penal e civil obtida nas últimas revisões legislativas dos respectivos códigos e cujo aproveitamento os nossos Tribunais Superiores desperdiçam quase generalizadamente;
-redefinição da área territorial de competência dos Juízes, polarizada não através da extinção de Tribunais em comarcas de menos serviço, mas através da concentração dos juízes em amplos Tribunais de Distrito, Círculo, ou outro tipo de aglutinação, a quem se dê competência para agir nesse tribunal central e se estenda a mesma ao Tribunal adjacente pela razão do serviço insuficiente para sustentar um juiz de raiz.
Outrossim devemos lutar veementemente contra a extinção de comarcas a título de não terem movimento Judicial bastante para ocupar um Juiz e um Magistrado do M.P. .
A solução acima apontada resolve o problema sem prejudicar os já de si frágeis concelhos do interior onde se situam. Já lhes basta o despovoamento gerado fundamentalmente pelo empobrecimento das condições de vida civilizada como resulta da extinção ou do esvaziamento de Serviços Públicos. Se lhe tiram mais esse centro de aglutinação que vai ser deles definitivamente?
-Propõe-se ainda a exclusão do acesso à jurisdição judicial de todos os conflitos resultantes de negócios especulativos, viscosos, como sejam os do crédito bancário sugerido em massa; dos seguros estimulados; dos automóveis quase impingidos, do trânsito por "via verde", todos geradores para o proponente de fabulosos lucros envolvidos numa álea por ele considerada como a dissipar na cobrança integral do seu crédito através dos impostos de todos nós, através dos Tribunais.
Estes grupos poderosos da economia liberal agressiva, se querem manter essas negociações globalmente problemáticas, devem assumir por sua conta a cobertura desse risco quer através do preço, quer através da criação do Arbitramento Convencional, ou deve a lei, no mínimo, constituir em título executivo o documento dessa dívida .
Não faz sentido que o poder económico se dinamize em termos tão impudicos, complexos e inextricáveis tantas vezes e depois se queira prevalecer duma Justiça linear, ingenuamente não evoluída e posta exclusivamente ao seu serviço.
Magistrados do Ministério Público Esta Magistratura tem uma definição estrutural recente mas lucraria do mesmo modo que os Juízes de nova geostratégia de concentração dinâmica para estes acima apontada.
De qualquer modo deve limitar a sua acção ao exercício da acção penal e tutelar e à defesa da legalidade democrática.
Para a defesa e condução de outros interesses como os da representação do Estado, Patrocínio Judiciário etc. deve no quadro do seu seio e sob a sua direcção ser criado um quadro de Advogados Públicos.
De suma importância se torna consolidar a autonomia do Ministério Público pelo menos no campo do exercício da acção penal por ser o que mais de perto e de concreto toca na igualdade dos cidadãos perante a lei e, por isso, o mais exposto à subversão pelos interesses dos poderosos organizados, cuja acção viaja sempre ou quase nos caminhos da hierarquia mais apertada.
Advogados Pelo sobredito impõe-se criar o Advogado Público a funcionar junto do Ministério Público.
Apoio Judiciário de há muito venho sustentando que o procedimento judicial ou outro para a concessão de dispensa do pagamento de Preparos e Custas não tinha qualquer sentido, só existia para enredar a acção da Justiça.
Na verdade, o acesso aos Tribunais deve ser livre, isto é, isento da necessidade do pagamento prévio de qualquer prestação dirigida ao suporte do serviço prestado pelo Estado.
A Causa deve correr seus termos normais com cálculo de preparos notificado às partes para os pagar, querendo.
O que o Estado pode e deve fazer, até por questão de justiça relativa, é criar incentivos v. g. de descontos para a parte que satisfez os preparos e agravamentos, como juros, para a parte que os não pagou.
A final será a conta de custas em dívida notificada às partes para seu pagamento no prazo legal.
Não ocorrendo esse pagamento então irá o Processo ao Ministério Público para se o devedor tiver bens penhoráveis (categoria a definir de modo a não se contender com o direito ao acesso aos Tribunais) instaurar através do Advogado Público a respectiva execução.
Não havendo bens penhoráveis não haverá acção executiva e o respectivo devedor não será constrangido a qualquer pagamento sem prejuízo do instituto prescricional.
Hoje penso que este mesmo regime pode aplicar-se, com as mesmas vantagens à concessão do Patrocínio Judiciário pelo Advogado Público. O Estado sabe quanto gastou com esse acto e apresenta a conta.
A solução do Advogado avençado que o Governo anunciou criar não resolve coisa nenhuma, só enreda e encarece a Justiça. Converte o Patrocínio Judiciário num custo certo do Estado por um serviço vago e incerto, com ajuste prévio do valor de honorários, prática até pouco consentânea com a deontologia profissional. Não tira total proveito da medida inclusive no campo da agilização dos processos e da satisfação dos interesses das partes. Por outro lado, esta solução do advogado avençado implicará discricionaridade ou competição pouco saudáveis na sua escolha, fonte sempre de conflitos indesejáveis numa função cuja finalidade essencial deve ser concorrer para compor e não para criar interesses.
Para quê um Ministério da Justiça ?

domingo, janeiro 22, 2006

Sílaba Tónica

Um novo blogue, escrito por um Juiz de Direito, tendo por destinatários todos os Juízes. Consta da sua apresentação que o blogue servirá para divulgar um conjunto de textos já escritos ou em fase de preparação sobre questões socioprofissionais.
Felicitações ao seu Ilustre Autor e votos para que o mesmo continue com os bons conteúdos que já agora são passíveis de consulta.

Base de dados em branco

Como pode ser constatado, nomeadamente por via da consulta à base de dados de jurisprudência do STJ no sítio do ITIJ, à excepção dos acórdãos de um Juiz Conselheiro, nenhum aresto das secções criminais do STJ ali deu entrada desde Julho de 2005 (*).
Razão para o facto: Os Juízes Conselheiros do STJ, das secções criminais, cansados de serem rotulados com tantos «privilégios» - decidiram deixar de sumariar e preparar os textos respectivos para ingresso naquela base e subsequente aproveitamento pelo Ministério da Justiça de trabalho alheio produzido de graça e nas horas de lazer dos respectivos autores.
Agora que se aproxima mais uma cerimónia da abertura do ano judicial, não são será este um facto de superior relevo merecedor da reflexão da forma como se pretende a colaboração (valorosa, mas gratuita) da Magistratura Judicial e extrair as devidas consequências ?
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(*) Nota: O mesmo sucedeu com a base de dados de jurisprudência das secções criminais do STJ que semanalmente era disponibilizada no portal do Verbo Jurídico. Os Excelentíssimos Relatores deixaram de facultar esses conteúdos, não propriamente por causa do verbojuridico, mas para evitar o já habitual nacional porreirismo de copy/paste desses conteúdos para o site do ITIJ e que para nós não constituiria nenhuma novidade uma vez que, há cerca de 3 anos, aquando do lançamento do LexHabilus (programa com legislação instalado nos computadores dos oficiais de justiça) o mesmo era composto com muitos diplomas extraídos directamente do portal do verbojuridico sem qualquer autorização prévia.

Novos conteúdos no portal

Novos conteúdos no Portal Verbo Jurídico:

Para quê um ministro da justiça ?
• Contributo para a construção do Poder Judicial e para a Reforma Judicial.
Dr. Lúcio Teixeira, Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça (Jubilado).
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Jurisprudência de Primeira Instância
• Contra-ordenação: falta de visibilidade de preços.
Tribunal de Pequena Instância Criminal de Loures. Dra. Raquel Prata.
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Doutrina
• Os contratos mistos
Por Nuno Miguel Vieira da Silva, Estudante-universitário.
• Obras urgentes por condómino - está o condomínio obrigado a pagá-las ?
Dr. Joel Timóteo Ramos Pereira, Juiz de Direito de Círculo.

sexta-feira, janeiro 20, 2006

OTA e TGV - Referendo Popular

O REFERENDO POPULAR DA OTA E DO TGV
ARTIGO DE OPINIÃO DE DR. ANTÓNIO FERREIRA RAMOS
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Recentemente, um grupo de ilustres cidadãos lançou a ideia de se referendar a construção dos dois maiores investimentos públicos que já alguma vez foram realizados no nosso país.
Tal ideia foi desde logo descartada e desvalorizada pelo Governo, com base em dois argumentos, que aqui se reproduzem.
Por um lado, afirma o Governo que a ideia de se referendar tais investimentos públicos é absurda, pois não é realista referendar todos os investimentos públicos que se realizam em Portugal.
Por outro lado, o Governo apresenta ainda um argumento formal, alegando que no seu programa já estavam inscritos tais investimentos, tal programa foi referendado pelo povo nas eleições legislativas últimas e, como tal, o Governo apenas se limita a cumprir o programa referendado e aprovado pelo povo português.
Expostas as razões defendidas para recusar a realização de tal referendo popular a tais investimentos públicos, assumimos agora a tarefa de as analisar.
Quanto ao primeiro argumento (impossibilidade de referendar investimentos públicos) cumpre-nos, desde logo, afirmar que estes dois investimentos, quer pela sua dimensão, quer pela sua suposta necessidade, quer pelo endividamento que transmitirão para as gerações futuras, não são uns investimentos públicos correntes. Não se pode comparar a construção e a manutenção, ao longo do tempo, do TGV ou do aeroporto da Ota, com a construção de uma escola, de um hospital ou de um troço de estrada.
Como se disse anteriormente, estes são os maiores investimentos públicos alguma vez realizados em Portugal, cuja factura será paga não só pelos portugueses que vivem hoje mas, essencialmente, pelas gerações vindouras e, como tal, pensamos que, pela sua magnitude, seria natural que não fossem colocados no mesmo saco que os investimentos públicos correntes. E, tendo em conta o nível de investimento exigido e as repercussões que tal investimento terá nas gerações futuras, seria natural que o povo português se pronunciasse em referendo sobre a necessidade da construção de tais investimentos.
Acima de tudo, o referendo traria o debate e o esclarecimento necessário para vincular todos os portugueses, de forma democrática, à realização de tais investimentos públicos. Afinal, o “NÃO” já estaria certo e aos defensores do “SIM” incumbiria a nobre tarefa de convencer os portugueses da necessidade e da bondade de tais projectos, especialmente, em período de grave crise económica. Assim, todos ganhariam.
Ao recusar o referendo, com base na ideia que estes projectos são apenas mais dois investimentos públicos, o Governo desvaloriza a magnitude de tais projectos e defende-se com auxílio a um argumento apenas risível, pelo absurdo da sua fundamentação.
Quanto ao segundo argumento, de ordem meramente formal, cumpre-nos afirmar que ninguém colocou em causa a legitimidade do Governo de tomar tais decisões. Apenas se afirmou que, atento a importância e o custo económico de tais projectos, o povo deveria de ser chamado a se pronunciar até para reforçar tal legitimidade.
Mas, o que é certo é que o programa do Governo não pode ser defendido para umas coisas e ignorado para outras.
De facto, o Governo prometeu formalmente, aos portugueses, que não aumentaria os impostos antes das eleições. Afirmou que entendia que estes já suportavam uma carga fiscal excessiva e que a receita provinda dos impostos era suficiente para fazer face à crise das finanças públicas.
Realizadas as eleições, o Governo veio fazer exactamente o oposto, com o argumento, sempre útil, por sinal, de que desconhecia a real dimensão da crise das finanças públicas, razão esta, que legitimou um aumento brutal de vários impostos, aumento esse que ainda decorre (veja-se o recente aumento do imposto sobre os produtos petrolíferos).
Ora, se a crise financeira e económica é motivo suficiente para não cumprir o programa do Governo, no que diz respeito às receitas públicas, também deveria ser razão suficiente para não cumprir o programa do Governo no que diz respeito às despesas públicas. Dito de outra forma, se a crise foi fundamento para justificar um aumento de impostos, pois, como afirma o Governo, quando o seu programa foi redigido, desconhecia a real dimensão da crise das finanças públicas, naturalmente se conclui que, quando foram incluídos os investimentos do aeroporto da Ota e do TGV no programa do Governo, também nessa altura o Partido do Governo desconhecia a dimensão real da crise. Assim, seria natural que, neste período de “vacas magras”, o Governo viesse dizer que não poderia realizar tais investimentos públicos por não dispor de receita fiscal suficiente para tal. Seria natural, mas não é esta a atitude prosseguida, muito pelo contrário.
Se o programa do Governo é razão suficiente para justificar tais investimentos, então também todos os portugueses terão legitimidade de se recusar a pagar os aumentos dos impostos realizados, com base no argumento de que tais aumentos não se encontravam inseridos no programa do Governo. E esta conclusão, se parece absurda, não é menos absurda que justificar os investimentos públicos de maior dimensão em toda a história de Portugal, com base na sua mera inclusão no programa do Governo.
Assim, em jeito de conclusão, sempre diremos que se estes são os únicos argumentos que as “mentes brilhantes” do Governo conseguiram descortinar para se oporem à realização de um referendo popular sobre a construção do aeroporto da Ota e do TGV, então, de facto, não existe qualquer argumento válido para que este referendo não se realize. A proposta com as assinaturas legalmente devidas para que o referendo se realize deverá ser entregue na Assembleia da República com a maior urgência. Ontem já era tarde.

quinta-feira, janeiro 19, 2006

Poderes totais

Excerto da intervenção de Jorge Coelho, in "Quadratura do Círculo":
«(...) O processo Casa Pia, que teve fugas permanentes ao segredo de justiça, alimentou a comunicação social com transcrições de escutas que violam os direitos dos cidadãos.
(...) Não sigo os que defendem o fim das escutas telefónicas, considero-as fundamentais para o avanço da investigação criminal. Mas têm de ser feitas com profissionalismo, rigor e controlo de quem de direito. Deveria ser criada uma comissão, eleita pela AR, com cidadãos insuspeitos, para fiscalizar, com poderes totais, todas estas situações e criminalizar a sério todos os que violem a lei».
.
N.R.
I. Onde se lê «cidadãos insuspeitos», leia-se "políticos, lobbies e seus prosélitos boys & girls".
II. Onde se lê «com poderes totais», não é lapso de escrita.
III. Onde se lê «criminalizar», não é equívoco. Foi efectivamente dito pelo "circulante", que sugere que uma comissão política tenha funções não simplesmente acusatórias, mas condenatórias (quando é que na história da humanidade ocorreu algo semelhante ? Pretende porventura o comentador o regresso à Diabólica Inquisição ?)

Ingerência no Poder Judicial

COMUNICADO DOS ADVOGADOS DA CASA PIA E DEMAIS ASSISTENTES
SOBRE A AUDIÇÃO DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
PELA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
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1. A Casa Pia tomou conhecimento, através de notícias não desmentidas, de o Procurador-Geral da República haver sido convocado para comparecer ante a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, a propósito do processo referente a abusos sexuais sobre alunos da Casa Pia de Lisboa.
2. Face a tal insólita situação, os advogados da Casa Pia, sem quererem contribuir para a discussão pública da substância do caso que lhes está confiado, mas no exercício indeclinável de um direito de cidadania, entendem ser seu dever afirmar publicamente o seguinte:
3. Uma audição parlamentar do Procurador-Geral da República sobre factos ou incidentes processuais de um qualquer processo judicial pendente, configura acto ilegítimo da Assembleia da República, concretamente intromissão abusiva deste órgão de soberania na esfera privativa de acção do poder judicial.
4. Esta interferência é ainda mais grave se o objecto da inquirição for a análise e a discussão de documentos de processo criminal em curso.
5. Neste contexto geral, mas vista sobretudo a situação concreta que está em apreço, os Advogados da Casa Pia e demais assistentes repudiam vivamente esta iniciativa parlamentar, porquanto:
(1) A Assembleia da República não tem competência para conhecer, discutir ou resolver matérias que estejam sujeitas em processo próprio ao poder judicial; a fazê-lo, poderá estar em causa um acto grave de condicionamento da independência dos tribunais e da autonomia do Ministério Público.
(2) Essa incompetência parlamentar absoluta é ainda mais evidente tratando-se, como é o caso, de discutir as condições sobre as quais foi produzido, obtido, conservado, acedido e manipulado um documento de um processo criminal pendente.
(3) A situação assume foros de intolerável, a tratar-se de um acto de intervenção política numa matéria sobre a qual, e é disso que se trata, já foi determinada, pelo colectivo de juízes, a efectivação de uma averiguação e perícia por entidade independente, tendente a apurar a fidedignidade do documento em causa e as condições em que se procedeu à divulgação pública do mesmo.
(4) Com todo o respeito devido ao Procurador-Geral da República, não tem o mesmo direito a pronunciar-se em sede parlamentar sobre um documento de um processo judicial criminal pendente, nem a Assembleia da República tem direito a perguntar-lho.
(5) Nos termos do artigo 10º do Estatuto do Ministério Público à Procuradoria-Geral da República cabe apenas «f) Propor ao Ministro da Justiça providências legislativas com vista à eficiência do Ministério Público e ao aperfeiçoamento das instituições judiciárias; g) Informar, por intermédio do Ministro da Justiça, a Assembleia da República e o Governo acerca de quaisquer obscuridades, deficiências ou contradições dos textos legais». Nada mais.
(6) Em nenhum preceito da Constituição se prevê que a Assembleia da República possa inquirir o Procurador-Geral da República ou quem quer que seja com funções em processos pendentes sobre o conteúdo de tais processos.
(7) Se é grave que a Assembleia da Republica intervenha a propósito de processos judiciais pendentes, mais grave que se pronuncie sobre documentos concretos desses processos, gravíssimo é que se possa sobrepor àquilo que já está determinado por juízes nesse processo.
(8) O Procurador-Geral da República, garante que é da legalidade, não tem, no que respeita a processos judicias pendentes, que prestar contas nem ao Presidente da República que o nomeia, nem à Assembleia da República, à qual é estranho.
(9) Os advogados da Casa Pia aguardam que no foro judicial, por ser o próprio, se obtenham conclusões jurídicas sobre a matéria em causa, fora de quaisquer condicionantes de cunho político.
(10) Cumpre lembrar que, tanto quanto é dado saber, corre actualmente um processo quanto a este incidente, o que ainda torna mais inaceitável a discussão do caso em sede parlamentar: se neste caso houver, ou vierem a haver, ilegalidades, irregularidades, abusos, ou crimes, então que sejam conhecidos, julgados e punidos, mas por quem de Direito, na forma própria.
(11) Os advogados da Casa Pia lamentam o clima de especulação política que se criou em torno desta matéria e esperam que com este caso se não crie um grave precedente de sujeição da Justiça aos ditames do poder político, o que seria a negação do Estado de Direito e um atentado à própria Democracia.
(12) Os advogados da Casa Pia respeitam a Assembleia da República, mas não respeitam menos a independência dos Tribunais. Não se trata, ao vir a público sobre esta matéria, de defender os seus constituintes, trata-se sim, de defender a Constituição da República de Portugal.
(13) Os advogados da Casa Pia confiam que, com a colaboração de todos os sujeitos processuais envolvidos neste complexo processo judicial, e o sentido de Estado daqueles que lhe são estranhos, se fará Justiça.
Lisboa, 19.01.06»
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[Comunicado distribuido na conferencia de imprensa dada esta tarde no Centro Cultural da Casa Pia de Lisboa, aqui publicado via Blog INCURSÕES]

Lei ... ilegal

Conforme é referenciado nesta notícia do DN de ontem, o Governo, no âmbito do Orçamento do Estado para 2005, fez aprovar alterações ao Código do IVA no sentido de responsabilizar qualquer sujeito passivo que tivesse intervindo no circuito económico onde fossem detectadas práticas de fraude carrossel, designadamente impedindo esse sujeito passivo de compensar ou de ver restituído o valor de IVA em causa.
Por recente acórdão do Tribunal de Justiça Europeu, que pode ser invocado por qualquer cidadão, numa situação de litígio com a administração fiscal, o mesmo conclui de forma taxativa que "o direito de um sujeito passivo (...) a deduzir o imposto pago a montante não pode ser afectado pela circunstância de, na cadeia de entregas na qual se inserem essas operações, sem que esse sujeito passivo saiba ou possa saber, (...) estar viciada por fraude ao imposto sobre o valor acrescentado".
Conclusão mais que óbvia ... e só um legislador obtuso aos mais elementares princípios jurídicos e com uma avidez de assalto ao bolso dos contribuintes, principalmente dos honestos, pode legislar em sentido oposto ... criando diplomas ilegais que têm o beneplácito de todos que são chamados a apôr nele a sua assinatura. Bem precisam de voltar aos bancos das universidades (se por lá passaram, com cursos que não tenham sido obtidos não apenas administrativamente) e ler as sebentas de direito romano e seus jurisprudenciais princípios.
Para quem o quiser ler (ou invocar) aqui se deixa o link para o aludido acórdão (sítio do TJE).

O Golpe de sexta-feira 13

Não foi este o título dado ao post por CleopatraMoon. Mas justifica-se, ainda a propósito do mistério do "misterioso" envelope 9.
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«Não vou aqui discutir, criticar ou, expor a minha opinião sobre as escutas telefónicas que para mim, não são mais do que uma forma de recolha de prova a utilizar no decurso de uma investigação e não para seu início....
Não vou discutir aqui, o que quis o Legislador dizer com o advérbio de tempo "imediatamente".
Não vou sequer dizer que a escutas telefónicas são uma ingerência , uma intromissão na nossa vida privada - artigos 32º nº 8 e 34º da Constituição da Républica Portuguesa.
Não vou reafirmar aqui que Portugal é uma República Soberana baseada na dignidade da Pessoa Humana - artº 1º da CRP - e que a reserva da intimidade e da vida privada são direitos pessoais constitucionalmente reconhecidos e protegidos.
Nem sequer vou dizer que, de acordo com o artº 34º da CRP, sendo proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, esta só deverá ter lugar nos casos previstos na lei em matéria de processo criminal.
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Isto significa apenas que, o legislador entendeu que a intercepção de conversações ou comunicações só poderá ser autorizada por despacho do Juiz quanto a crimes:
a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos;
b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;
c) Relativos a armas, engenhos, matérias explosivas e análogas;
d) De contrabando; ou
e) De injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz e sossego, quando cometidos através de telefone;se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.
2 – (...):
a) Terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada;
b) Associações criminosas previstas no artigo 299º do Código Penal;
c) Contra a paz e a humanidade previstos no título lll do livro II do Código Penal;
d) Contra a segurança do Estado previstos no capítulo I do título V do livro ll do Código Penal;
e) Produção e tráfico de estupefacientes;
f) Falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda prevista nos artigos 262º, 264º, na parte em que remete para o artigo 262º, e 267º, na parte em que remete para os artigos 262º e 264º, do Código Penal;
g) Abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.
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Temos pois um leque curto, mas não em demasia, de crimes que justificam a tal ingerência na vida privada.
E, a certeza de que, a única pessoa que as pode ordenar e autorizar, - O Juiz - deve ponderar entre a necessidade de o fazer e os interesses postos em causa.
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O que me faz escrever hoje é o caso que se arrasta desde sexta feira e arrastará até à próxima semana.
Algo que a meu ver não tem nada de juridico ou de processual mas sim e, nitidamente de politico.

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Como todos sabemos e ainda não esquecemos, na sexta feira dia 13, logo pela manhã as rádios anunciavam em versão vertiginosa que, MAIS personalidades importantes tinham sido escutadas no ambito do processo Casa Pia.
(Podemos chamar-lhe pelo nome, porque não estamos, apesar de ter em causa menores, perante a saga do Harry Potter, em que, existe uma personagem do qual não se pode dizer o nome.)
Na verdade, na ultima sexta-feira dia 13.1.06 - o Presidente da República fez uma comunicação ao país, exigindo a realização de um inquérito urgente e garantindo que seriam extraídas todas as consequências. Jorge Sampaio mostrava-se nos primeiros contactos muito irritado e, não é para menos!
Se eu soubesse pelos média, que o meu número de telefone tinha sido escutado sem mais aquelas, ficaria logo à primeira reacção estupefacta e, depois, solenemente irritada.
E o DR. Jorge Sampaio não é só um Magistrado desta Nação, é, o mais alto Magistrado da Nação.E, terá ficado irritadíssimo por ouvir que está incluído o seu nome em escutas feitas no ambito de tal processo, o que é normal em qualquer cidadão mas, já não devia ser ao PR, por se lhe exigir um esclarecimento das coisas em nível superior ao de qualquer cidadão e uma contenção e serenidades públicas superiores também a qualquer cidadão.
Na verdade, se pensarmos serenamente, percebemos que, caso um amigo nosso esteja a ser escutado,... nem precisa ser amigo, alguém que nos liga, tem o nosso telefone... (e tanta gente que o tem, e nem tem nada que ver connosco em termos de costumes ,afinidades etc...), caso esse alguém esteja sob investigação, ligando para nós ou vice versa... ficamos imediatamente com a agradável sensação de que, qualquer suspiro dado ao telefone é cuidadosamente ouvido por um outrem que se interpõe entre nós e o nosso interlocutor.
Digamos que há assim como que um agente infiltrado no canal de comunicação. É assim que funciona o mecanismo das escutas.
Mas o problema não está aqui, nem na pizza que alguém encomendou, nem no cabeleireiro que alguém marcou... o problema está no envelope 9.
O dito envelope, contem ao que diziam os jornais e todos os noticiários histéricos, facturação detalhada, de cerca de cinco meses, dos interlocutores de 207 individualidades, o que agitou a classe política e o país, sempre sedento de confusão.
Mas será que contem?
Será?
E só agora é que os jornais vêm para a rua apregoar: - "Olhó jornal! Olhó Jornal! Ultima hora! Escutas ao PR e ao PGR! E aos mais que acabam em R...."
Ora meus senhores... que jornalismo é este?
E que andam os senhores advogados a fazer desde o início do processo? Acham que eles não tinham dado por isso? Se não deram era porque lhes estava vedado, filtrado...Porque assim o entendeu quem para tanto tinha e tem competência!
E onde ficaram o diabo dos envelopes, nomeadamente o envelope 9 que devia estar fechado num cofre e era onde estava de certeza.
Tenho para mim que isto é como diz o Povo : " Muita parra e pouca Uva!"
Uma campanha de descredibilização do PGR. Nada mais.
Repare-se que está a meses de finalizar o mandato do senhor.Repare-se que estamos a dias das eleições Presidenciais. Repare-se que depois de ser eleito, o novo Presidente entrará em funções cerca de um mês após e, até lá já as cabeças baralharam as opiniões... e o novo PR, seja ele quem for, não vai querer começar a entrar em choque desde logo com o Executivo por causa de um PGR....
Ou estarei a pensar mal?
Parece que, segundo dizem os média, o envelope 9, com 15 ficheiros pequenos e cinco grandes, é onde estão guardadas as listagens referentes ao número da casa de Paulo Pedroso.Dizem ainda os informadores "informados" que, para além das folhas iniciais de ficheiros de Excel, acessíveis a quem abre o programa e onde só consta efectivamente o número do telefone fixo de ex-deputado socialista, existe outra informação que se encontra filtrada. ( Voilá!)
É então aí que estão “escondidos” todos os registos telefónicos envolvendo individualidades como Jorge Sampaio, Souto Moura, Mária Soares ou Almeida Santos.
Santo Deus!
Não é para descredibilizar a justiça desta vez, mas uma figura com ela relacionada. Não é uma manobra dilatória para o processo porque, esse tem o que tem e o envelope 9 não deixa de conter o que realmente contem, o que impossibilita qualquer manobra processual .É nitidamente para derrubar a figura que é o PGR.
O PGR acabará o mandato?
O PGR ficará renovando-se-lhe o cargo?
Independentemente de todos as falhas que lhe possamos ou não apontar, não é a forma mais elegante, mais leal, mais correcta, mais isenta de o atingir...
E fez o o Sr. Procurador muito bem ao dizer que apenas se "justificaria" após eleições ou, mais precisamente, na próxima segunda feira.
Porque se é para alterar o que quer que seja em termos legislativos quanto a escutas, todos nós sabemos e há muito tempo, que urge alterar, urge definir, urge proteger qualquer um de nós de invasões descabidas e atrevidas à nossa vida privada. Urge defendermo-nos da chamada investigação de rabo sentado.Urge garantir que não somos escutados por "dá cá aquela palha".
E isso vai acontecer e em breve. A alteração vem aí.E então ninguém terá dúvidas e não serão anulados julgamentos que levaram anos a fazer, nem se desprezarão provas recolhidas e apresentadas num contexto fora do imediatamente.
O imediatamente vai passar a estar definido, a ter um rosto, a ser algo de palpável de seguro para todos e, principalmente para quem julga, porque também para quem é julgado e, ainda, para quem investiga e para quem é investigado.
As escutas só serão destruídas após o trânsito, embora o Tribunal Europeu já diga que só o deverão ser após 2 anos, o que a nós nem nos diz nada, porque nos estamos simplesmente nas tintas para o Tribunal Europeu... Afinal nós estamos no tal local incómodo que é a cauda da Europa... e temos o mar logo ali... Distraídos com a linha do horizonte , repetimos os erros vezes sem conta!
O MP e o assistente e o arguido e todos os escutados, vão passar a poder ter acesso às ditas, assim que terminada a fase sujeita a segredo de Justiça...
Mas uma coisa vos garanto:
O tal envelope 9 tem sem dúvida o que o Juiz que ordenou as escutas, as validou e ordenou a respectiva transcrição, achou importante para a investigação. E tudo o mais que tenha é como se não tivesse porque está vedado qualquer acesso.
Porque, embora a lei processual não o exija claramente, o Juiz ouve as escutas antes de as mandar transcrever. O Juiz ouve-as e determina se o indicado pela PJ é ou não importante e deve ser transcrito ou, se algo mais não indicado é importante para a descoberta da verdade. TODA A VERDADE!
E não venham dizer que o Juiz não o faz, que apenas se limita a cegamente, ou surdamente neste caso, mandar transcrever o que a PJ indica.
Não é verdade. São horas a ouvi-las, mas há quem o faça. E enquanto o Juiz não tiver a sua equipe de trabalho e não estiver em tempo real nas escutas e com as escutas, é assim que deve ser.
Por isso o Juiz de Instrução deveria acompanhar a par e passo a investigação e não ser apenas chamado para colocar a impressão digital.
Estranha o país quando alguém se assume como verdadeiro Juiz de Instrução Criminal, mas, é para isso que serve a tal figura da investigação, não apenas para dizer ou despachar de cruz.
O Juiz é o garante de um Estado Democrático. Ainda o é.
E não venha o Miguel Sousa Tavares ( a quem gosto muito de ler o que escreve, menos de ouvir o que diz ) que é necessário que alguém fiscalize quem fiscaliza... Isso seria absolutamente ridículo.
E quanto ao envelope 9, ele não tem mistério nenhum... Ele tem apenas o que um Juiz entendeu que devia ter e nada mais do que isso.
Deixem-se de golpadas politicas e de deslealdades jornalisticas. De histerias colectivas que só demonstram que os problemas sérios ficam por resolver.
Não me interessa se querem atacar o MP ou não... apenas me choca que tentem descredibilizar alguém desta forma espampanante e sem conteúdo e, que todos vão atrás enlouquecidos gritando que querem apurar responsabilidades. Tudo isto é demonstrativo do medo que O PGR, este PGR, provoca em alguns ou em todos.
Pois que a havê-las, as responsabilidades, se apurem na serenidade dos gabinetes, no perfil de Estado de quem o deve ter e conforme se espera e exige que se tenha.
O envelope nº 9 está lá. Com tudo o que deve ter no seu interior e como o deve ter. Não inventemos.
Não tentemos tirar coelhos da cartola..
O envelope... não é uma cartola! Não tem coelhos lá dentro!
E nesta coisa da Politica, quer-se lealdade e sobretudo Transparência quando se toca em qualquer assunto mas e, sobretudo, na pasta da Justiça».