Contributo para
A construção do Poder Judicial e para a Reforma Judicial
Por Dr. Lúcio Teixeira, Juiz Conselheiro do STJ (Jubilado).
In Portal Verbo Jurídico.
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PARA QUÊ UM MINISTÉRIO DA JUSTIÇA ?
Cerca de 30 anos eram decorridos após a implantação da República.
O Estado Novo ia desembrulhando o pacote de ludíbrios passados por ganhos democráticos insistentemente pregados pelos apaniguados do 28 de Maio. Tinham-se esgotado os ideais republicanos, dizia-se.
Para esconder a dor da desilusão que causaria no povo a governação do Estado Novo, Oliveira Salazar incrementara o discurso da necessidade premente de endireitar as Finanças do País: É preciso constranger direitos, é urgente cortar na retribuição de quem trabalha para salvar a Pátria da Banca Rota, dizia e mandava dizer.
É nesta vaga que, pelas mãos do seu Ministro da Justiça, o Regime do Estado Novo se vai aos vencimentos dos Juízes e os reduz a um montante de penúria tal que por longos 40 anos os havia de humilhar e magoar até pelos lamentos compadecidos e sinceros embora de Senhores Advogados perturbados também com o facto por saberem da necessidade que todos tínhamos de um Justiça prestigiada, uma Justiça independente.
Reagir a este e outros pontos do regime era vedado fosse a quem fosse e de sobremaneira aos Juízes, já por o serem, já por submetidos a juramentos verdadeiramente constrangedores. Assim se teorizava e mais se aterrorizava.
Mas afinal que significava, que peso tinha nas Finanças Nacionais o corte nas retribuições aos Juízes para explicar essa medida e de algum modo justificar a colocação em periclitância de um dos Pilares do Estado, os Tribunais, pondo-os assim na titularidade de Juízes desprotegidos, depauperados económica e socialmente?
Nenhum significado ou peso tinha tal corte de remunerações. Eram tão poucos os Juízes que o pé de meia assim conseguido não ultrapassaria o ridículo.
Todo o mundo sabe que a verdadeira razão dessa medida se encontrava num certo ódio de estimação que o Doutor Oliveira Salazar nutria pelos Juízes Comuns deste País. É que também para ele esses não eram os seus Juízes, (como os Tribunais Comuns não eram os seus Tribunais).
A acrescer a este odiozinho cultivava o Doutor Oliveira Salazar a obsessão de mandar e este varejo sobre os juízes servia também para maquiavelicamente exibir o seu poder e sacralizar a fórmula do "Quero Posso e Mando", do "é mais difícil mandar que ser mandado". "Todos devem obediência ao Governo e ao seu Presidente do Conselho". Que fórmulas mágicas para sociedades de frágil cidadania ou sem ela! E a obsessão de mandar deste Senhor era tal que ele nunca quis ser Presidente da República só para não perder também o mando sobre este, até sobre a escolha "oratória", de improviso ou lida, que este quisesse usar nos "cortes de fitas".
A Justiça teleguiava-se pela governamentalização da Hierarquia do Ministério Público através das nomeações, dos instrumentos das Directivas, das Ordens de Serviço e dos Tribunais Especiais que proliferavam.
Mas aconteceu Abril e como na 1ª República a Nossa Cidadania floriu novamente e o Poder Político de matriz escancarada acarinhou-a e prometeu protegê-la como o cravo mais rubro e perfumado da Revolução.
Nessa linha, aproximar os Tribunais e os seus Titulares do lugar que lhe competia numa teorização do Estado Moderno foi preocupação genuína do retomar do verdadeiro conceito de Soberania do verdadeiro conceito de Cidadania. O Povo é soberano; só é soberano se se levanta em Estado de Direito, isto é, se vincula pela Lei todos os seus componentes individuais ou colectivos, governantes ou governados, simples cidadãos ou titulares dos Órgãos de Soberania e se arma com Tribunais Independentes, fortes, para garantir em seu nome que todos mas todos são tratados com igualdade perante a Lei e que todos mas todos a ela se submetem. A medida da cidadania de um povo afere-se pelo grau de independência dos seus Tribunais, nunca pelo oportunismo ou maquiavelismo dos Governos por mais eficazes que sejam.
Não se terá alcançado o pleno desse anseio, mas terá de reconhecer-se que para a sua satisfação se viraram os nossos Pensadores e Constitucionalistas do pós 25deAbril e nisso se empenharam sempre os Tribunais.
Mas vão já decorridos também 30 anos sobre a Revolução dos Cravos e também como ontem já muitas vozes se levantam a gritar que está esgotado o sistema político dela nascido.
De novo vem um Governo, um Governo que algumas esperanças criou, e assalta o estatuto remuneratório e de protecção dos Juízes a troco também de que é preciso superar o "Déficit" financeiro do Estado e, em última análise, de que assim agir é uma "opção do Governo". Os Juízes são tratados achincalhadamente, reduzindo-os o Governo a meros assalariados para lhes dizer como fica o seu estatuto e considerando-os titulares dum Órgão de Soberania para os conter na sua reacção.
Já se quer e se sustenta também que os Juízes não podem reagir a esta medida que eles entendem ser ofensiva da Independência dos Tribunais, e alguma comunicação social vai-se servindo do prato envenenado.
Os Juízes reagem e por isso censuram-nos: uns, porque os Juízes são apenas uns técnicos especializados dentro do Tribunal que devem acatar cegamente o que manda o Governo, "assim como um engenheiro duma Câmara Municipal", e outros pela razão absolutamente oposta, ou seja, a de que são titulares de um Órgão da Soberania e, como tal, se contestarem contestam-se a si próprios, o que é absurdo.
Ao primeiro alinhamento pertencem aqueles que, não alcançando mais que uma visão estritamente literal da Constituição, só têm como Órgão de Soberania os Tribunais como edifício, como um conjunto de tijolos ou de pedras com um telhado em cima.
No segundo agrupamento alinham os que, envolvendo já o corpo humano jurisdicional na declaração constitucional dos Tribunais como Órgão de Soberania, se contentam com essa simples declaração mesmo que vazia de real conteúdo, ou seja, um corpo de Juízes que podem fazer os seus julgamentos nas salas de audiência as suas sentenças nos seus gabinetes, quando os têm, mas quem manda neles, no seu estatuto, é o Governo.
É assim que ainda há pouco se ouvia o Senhor Primeiro Ministro dizer a propósito da contestação dos Juízes:
"O Governo já decidiu e quem manda é o Governo".
Ainda alinhando de base neste segundo grupo, um ilustre comentador de TV com responsabilidades acrescidas por ser Professor de Direito, isto sem querer ferir as porventura boas intenções teóricas do mestre, dizíamos, ainda alinhando de base neste segundo grupo procura amenizar a tese sustentando que, contestar, os Juízes "não devem", "não podem", "o que devem fazer é interceder junto do Presidente da República".
Mas que Órgão de Soberania, que Poder Judicial é este? Que cidadania querem para o meu País? Que quer dizer esta gente? Para onde nos querem levar? Acaso pensam que o Presidente da República não vive cá?
Não vou perder tempo a analisar aqui o abstruso de todos estes entendimentos e menos fazê-lo como Juiz. Mas ainda assim deixo no ar: Quem deve em primeira linha defender o Poder Judicial? Quem tem de defender o ouro dado em depósito não é o depositário?
Encaro toda esta problemática como cidadão e para salientar a necessidade que há, o dever que todos temos de nos abeirarmos destas realidades constitucionais e destas e doutras experiências e as aprofundarmos e esclarecermos em termos de ao menos neste campo, o da Justiça, o cimento de ligação de toda a relação humana erigida em Estado, tudo ser claro, entendível por todos, para que todos, sejam os Cavaleiros da defesa de um Poder Judicial autêntico, projector de Tribunais Independentes, única garantia da Nossa Cidadania.
Ao fazê-lo quero vincar bem que os beneficiários do Tribunal Soberano não são os Juízes mas sim os cidadãos deste País (e isto deve ser bem transparente e não opacionado na Comunicação Social como vulgarmente acontece). É no interesse dos cidadãos que se define uma Justiça Igual para todos e este desiderato só se alcança se os Juízes estiverem enquadrados num sistema judicial acautelado de influências, de vexames, de ordens ou prepotências, isto é , se servirem Tribunais verdadeiramente Independentes, ou seja, erigidos em verdadeiro Órgão de Soberania. A comunicação social não sabe isto? Se não sabe deve aprendê-lo e, em vez de andar a esbanjar tempo a bater palmas aos ataques à Independência dos Tribunais, em seu próprio prejuízo que parece não verem no horizonte, deve ganhá-lo a informar disto e de outros valores universais os não notáveis deste nosso País. Então também ela será um Poder respeitável.
Comecem por exigir Tribunais dignos e Juízes devidamente protegidos social e económicamente.
As matrizes dos Políticos Expectantes esvaem-se e o exercício do Poder, hoje como ontem, faz-se pelo apego ao fio condutor mais que duvidoso do rótulo de "democrático". Na acção é o que se vê.
Houve muitos presos políticos no Estado Novo. Dos que escaparam vivos ao cárcere quase todos têm vivido e morrido silenciosamente no recato do martírio heróico. Há porém alguns perseguidos desse Regime e até simples condoídos que parecem ter necessidade de estarem sempre a defenderem-se com o apelo a que são democratas, de esquerda e que querem Tribunais Independentes porque foram presos políticos da Ditadura ou que com estes se solidarizam. Mas não esclarecem (e tinham obrigação disso para que não se manchem os nossos actuais Tribunais e até os Tribunais Comuns de ontem que sobreviveram com honra) que foram vítimas sim mas de tribunais especiais, duma justiça governamentalizada por mordomias, por directivas, circulares e ordens de serviço. Quantos daqueles apelos não passam de cortinas sorumbáticas, arrogantes e até broncas para diluírem comportamentos e acções que mais parecem de estagiários que de presidiários dessa justiça do Estado Novo.
Em 1975, com eco de algum escândalo na primeira página do Diário de Lisboa, sustentei que em Portugal só havia hipótese de se edificar um verdadeiro Poder Judicial se se extinguisse o Ministério da Justiça.
Hoje arreiga-se-me mais esta síntese e o escândalo não passará de incultura política ou de jeito para manter o sistema. Dê-se a saber que o Estado Inglês não contempla esta figura governativa e que a sua Justiça é prestigiada, disciplinada e orgulhosa do seu estatuto: Pense-se na censura feita um dia pelo órgão judicial disciplinar inglês a um seu Juíz por se fazer deslocar em transporte público. E que defendendo-se esse Juiz com o argumento de que o seu carro tinha enguiçado lhe foi objectado como agravante que ganhava o suficiente para ter dois ou mais carros.
Na verdade um Ministério da Justiça, além de abstruso numa construção do Estado assente na Separação de Poderes, só pode ser o Cavalo de Tróia na constituição de um Poder Judicial independente.
Depois, se há assim necessidade de tanto aperto nas contas públicas quanto é que se não poupava com o abate de todo o Ministério da Justiça? Os Senhores Governantes ainda não viram isso?
Se é certo que a Constituição da República consagra o Poder Judicial através da declaração dos Tribunais como Órgão de Soberania a verdade é que, quer na Constituição, quer na Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais para que se remete a sua orgânica, apenas se reserva ao seu órgão privativo a "gestão e disciplina da magistratura judicial" que nem sequer definida é por esse órgão.
Tudo o mais, e que é o verdadeiro cerne ou substracto de um Poder Constitucional, fica nas mãos do Governo pela via do seu Ministro da Justiça.
Por que é assim?
Pois também para que um Senhor Primeiro Ministro possa fazer e dizer: "O Governo já decidiu, quem manda é o Governo".
E este posicionamento autoritário não é só interno e o perigo aumenta:
Ainda há pouco ouvíamos vinda de Paris, e logo de Paris, a pátria do pensamento da separação dos Poderes do Estado, do Estado Moderno, a sua Voz Governamental máxima declarar: "os intervenientes nos distúrbios dos arredores de Paris serão levados a Tribunal e implacavelmente castigados".
Qual o papel da Justiça se o Governo é que manda castigar implacavelmente?
O que ontem era excepção dum Estado anómalo hoje o autoritarismo governamental começa a perpassar todos os Estados regionais e até mundiais. A Organicidade de certa Globalização pode passar de fantasma.
Razões teremos para ficar preocupados!
Urge criar um Poder Judicial dotado de uma Lei Orgânica forte, que o contenha numa INTERDEPENDÊNCIA com os demais Órgãos do Poder sim, mas em termos de não mais, nem por arrogância, se poder dizer que quem manda na Justiça é o Governo.
Que se erga esse Poder Judicial, não para favorecimento dos Juízes, não são eles que dele precisam, mas para que os cidadãos tenham a garantia de ver os seus direitos tratados, com erros possíveis, mas com total imparcialidade.
Trabalhemos para erigir um SUPREMO CONSELHO DA JUSTIÇA que governe todo o Sistema Judicial Português; que seja presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e integrado por elementos saídos da Assembleia da República e dos actuais Conselhos Superiores, constituídos estes apenas por elementos pertencentes ao corpo judicial da classe que representam e presididos por um seu elemento entre eles eleito.
Enquanto assim não acontecer continuaremos a ver as Forças Armadas, que não são Órgãos de Soberania, a sentarem-se à mesa do Orçamento do Estado para discutirem directamente o que lhes respeita, e continuarão os Juízes, os ditos "Titulares do Poder Judicial", a não ser ouvidos nem achados na elaboração do Orçamento e a ouvir do Governo, depois do Orçamento só por eles aprovado, que não há verbas para acudir sequer às necessidades prementes dum digno funcionamento dos Tribunais e algumas até de ridícula não satisfação.
E, pior que tudo, são todos os Juízes, e agora até todos os Operadores da Justiça, os atirados para a fogueira da Comunicação Social e postos a arder em lume brando para que a combustão perdure o tempo necessário para a demagogia colher os seus frutos.
A situação é tão vexatória e alarmante, sobretudo até pela incivilidade com que é tratada, que até já um candidato à Presidência da República, bem intencionado possivelmente, mas esquecendo mesmo que com o dito se estava a intrometer no Poder Judicial, ou entendendo mesmo que o poderá fazer, declarava: "Quero uma Justiça prestigiada"
E outro menos voluntarista mais recentemente ainda proclamava: "A Justiça deve ser prestigiada", "os Juízes devem ser respeitados".
São preocupações manifestadas por estes e outros Candidatos à mais alta Magistratura da Nação e, até pelo tempo e propósito, ninguém as lerá senão como reacções ao mais recente e deplorável tratamento dado pelo Governo aos Operadores da Justiça, muito especialmente aos Juízes.
Mas a preocupação do Governo vai noutra direcção. Anuncia criar uma fiscalização externa do exercício da Justiça sem pejo de ao mesmo tempo, para ele Governo, se propor criar um serviço interno para acompanhamento da sua acção.
Que papel se reserva para os Tribunais? O de uma repartição administrativa do Governo?
Nesta preocupação recordo uma estória:
Estávamos na década 1960. Marcava-se socialmente o começo do fim da nossa maior noite depois da Idade Média prosseguida por um regime político -O Estado Novo- auspiciado também de democrático como era faliciosamente propagandeado por 1926-28.
Eu era Delegado do Procurador da República e vigorava no nosso direito objectivo o regime das DIRECTIVAS GOVERNAMENTAIS à Procuradoria Geral da República e dentro do Ministério Público pela via hierárquica.
Por Junho Julho desse ano recebo uma denúncia crime relatando um homicídio consumado praticado na sede da comarca, identificando o móbil do crime, a vítima e o arguido, era assim que naquele tempo se denominava processualmente o suspeito.
O móbil do crime era o da limpeza de caminho ao arguido na sua relação de amantismo com a mulher da vítima.
A vítima era um humilde cidadão comum português.
O arguido era um médico local com poder de influência no meio socialmente fechado e débil em que os factos narrados decorrem e familiar chegado de Político delfim do Regime colocado em lugar público proeminente na sociedade portuguesa.
Então participa-se:
A vítima, conhecedora do seu infortúnio conjugal e não suportando mais os olhares de soslaio das gentes da sua terra, dispõe-se a emigrar para a Venezuela mas sabe que é portador de sífilis, doença que lhe barrará esse destino nos Serviços Migratórios.
Roga então à mulher que peça ao arguido, seu compadre, para o tratar com vista à sua emigração.
Assim age a mulher e o arguido acede medicando a vítima com penicilina injectável, sabendo por experiência directa anterior que ele era alérgico a esse medicamento.
A enfermeira local conhecia o paciente-vítima e, sabendo também daquela sua alergia, recusa-se por esse motivo a ministrar-lhe a injecção.
A pedido da mulher da vítima, o arguido ordena pelo telefone à enfermeira que ministre a injecção e ela, lembrando-lhe a alergia do paciente vista em outra intervenção mais lá atrás também por ele acompanhada, responde-lhe que só o fará sob ordem sua, médico-arguido, dada na sua presença e assistindo ele ao acto.
Este desloca-se ao posto médico respectivo e a injecção é aplicada sob sua ordem e na sua presença.
Passados poucos minutos a vítima sente-se muito mal.
Com o pretexto de ser compadre da vítima o arguido não a assiste e manda que chamem o outro médico da vila que vem e lhe dá umas bofetadas na cara pensando-o apenas desmaiado.
A vítima não reagia e, daí a cerca de 30 minutos, morria.
Perante a denúncia criminal determinei a autópsia para cuja realização não foi nada fácil arranjar médico legista mesmo com recurso a outra comarca que, em última instância, sempre se escusava com fundamento em falta ou impreparação da ferramenta para o efeito.
Feita a autópsia comecei a desenvolver a instrução preparatória pretendendo ouvir de imediato o arguido, o que não foi possível por ter desaparecido, diziam as informações policiais.
Depois de várias diligências para descoberta do seu paradeiro soou a notícia de que estaria internado em clinica mental não identificada e distante.
Surgem as férias judiciais e fica-me a substituir no cargo de Delegado do Procurador da República o Notário local.
Reiniciado o ano judicial e não tendo eu reassumido funções naquela comarca, recebi a notícia de que por Directiva Superior vinda da Procuradoria Geral da República aquele processo de instrução havia sido arquivado e o arguido tinha recuperado o "juízo".
Com Abril o Ministério Público Português conquistou a Autonomia para o exercício da sua função, o que o Regime do Estado Novo também não tolerava mas, decorridos 30 anos, os senhores poderosos de hoje começam a sentir o peso da igualdade de tratamento perante a lei e reagem mal.
Desenvolve-se a lebre da crise da Justiça, desfralda-se o fantasma da violação do Segredo da Justiça nos casos dos notáveis, e apresenta-se agora como um dos remédios para o seu tratamento o regresso ao regime das DIRECTIVAS do GOVERNO à Procuradoria Geral e a instauração de uma PLANIFICAÇÃO GOVERNAMENTAL da investigação criminal.
Em suma: A Autonomia do Ministério Público volta a tornar-se insuportável.
Aquela estória foi uma história de ontem.
Que estória esperar para a história de amanhã?
Quem amanhã vai dizer quem vai a julgamento, a indiciação técnica criminal ou o oportunismo político? Os Tribunais ou o Governo?
Para quê um Ministério da Justiça? - Para contagiar a Justiça com as mazelas dos Governos e dos Governantes?
Continuando nesta fala de concidadão, sempre norteado pela mesma preocupação de melhoramento da Justiça em Portugal, tomemos do mundo dela alguns aspectos relativos aos seus Operadores, Juízes, Magistrados do M.P., Advogados e outros relativos ao Apoio Judiciário muitas vezes badalados na Comunicação Social e quase nunca por bem.
Juízes - Da sua formação tratamos num trabalho publicado in SCIENTIA JVRÍDICA, Janeiro - Abril - 1975 TOMO XXIV - N.os 132 - 133, Pag. 49 a 56, e referenciado in BOLETIM DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, n. 258 de 1976, pag. 476. Porque no essencial entendemos que ainda hoje tem actualidade o aí expendido e devia ter sido seguido, e não o foi, damo-lo aqui por retomado e novamente proposto.
Como outros defendemos que o caminho Judicial para a solução da "Crise da Justiça" não passa pela implementação do quadro dos Juízes. Cremos que o serviço dos Juízes pode suavizar-se e até diminuir-se largamente com reflexos significativos na agilidade, diminuição e desenlace processual.
Para alcançar este desiderato propõem-se:
-medidas destinadas a conter o culturalismo jurídico desnecessário nas sentenças, nos acórdãos ou nos despachos;
-proibição de publicação fora do processo de sentenças, acórdãos ou despachos confirmatórios de outros, excepto quando os fundamentos destes se não ajustem ou se oponham à decisão dos mesmos. Deixemos esses meios de publicitação mais para as boas decisões dos jovens Juízes como forma até de os estimular a fazer ainda melhor em prol de uma comunidade que assim os merece;
-medidas destinadas ao aproveitamento integral da simplificação processual penal e civil obtida nas últimas revisões legislativas dos respectivos códigos e cujo aproveitamento os nossos Tribunais Superiores desperdiçam quase generalizadamente;
-redefinição da área territorial de competência dos Juízes, polarizada não através da extinção de Tribunais em comarcas de menos serviço, mas através da concentração dos juízes em amplos Tribunais de Distrito, Círculo, ou outro tipo de aglutinação, a quem se dê competência para agir nesse tribunal central e se estenda a mesma ao Tribunal adjacente pela razão do serviço insuficiente para sustentar um juiz de raiz.
Outrossim devemos lutar veementemente contra a extinção de comarcas a título de não terem movimento Judicial bastante para ocupar um Juiz e um Magistrado do M.P. .
A solução acima apontada resolve o problema sem prejudicar os já de si frágeis concelhos do interior onde se situam. Já lhes basta o despovoamento gerado fundamentalmente pelo empobrecimento das condições de vida civilizada como resulta da extinção ou do esvaziamento de Serviços Públicos. Se lhe tiram mais esse centro de aglutinação que vai ser deles definitivamente?
-Propõe-se ainda a exclusão do acesso à jurisdição judicial de todos os conflitos resultantes de negócios especulativos, viscosos, como sejam os do crédito bancário sugerido em massa; dos seguros estimulados; dos automóveis quase impingidos, do trânsito por "via verde", todos geradores para o proponente de fabulosos lucros envolvidos numa álea por ele considerada como a dissipar na cobrança integral do seu crédito através dos impostos de todos nós, através dos Tribunais.
Estes grupos poderosos da economia liberal agressiva, se querem manter essas negociações globalmente problemáticas, devem assumir por sua conta a cobertura desse risco quer através do preço, quer através da criação do Arbitramento Convencional, ou deve a lei, no mínimo, constituir em título executivo o documento dessa dívida .
Não faz sentido que o poder económico se dinamize em termos tão impudicos, complexos e inextricáveis tantas vezes e depois se queira prevalecer duma Justiça linear, ingenuamente não evoluída e posta exclusivamente ao seu serviço.
Magistrados do Ministério Público Esta Magistratura tem uma definição estrutural recente mas lucraria do mesmo modo que os Juízes de nova geostratégia de concentração dinâmica para estes acima apontada.
De qualquer modo deve limitar a sua acção ao exercício da acção penal e tutelar e à defesa da legalidade democrática.
Para a defesa e condução de outros interesses como os da representação do Estado, Patrocínio Judiciário etc. deve no quadro do seu seio e sob a sua direcção ser criado um quadro de Advogados Públicos.
De suma importância se torna consolidar a autonomia do Ministério Público pelo menos no campo do exercício da acção penal por ser o que mais de perto e de concreto toca na igualdade dos cidadãos perante a lei e, por isso, o mais exposto à subversão pelos interesses dos poderosos organizados, cuja acção viaja sempre ou quase nos caminhos da hierarquia mais apertada.
Advogados Pelo sobredito impõe-se criar o Advogado Público a funcionar junto do Ministério Público.
Apoio Judiciário de há muito venho sustentando que o procedimento judicial ou outro para a concessão de dispensa do pagamento de Preparos e Custas não tinha qualquer sentido, só existia para enredar a acção da Justiça.
Na verdade, o acesso aos Tribunais deve ser livre, isto é, isento da necessidade do pagamento prévio de qualquer prestação dirigida ao suporte do serviço prestado pelo Estado.
A Causa deve correr seus termos normais com cálculo de preparos notificado às partes para os pagar, querendo.
O que o Estado pode e deve fazer, até por questão de justiça relativa, é criar incentivos v. g. de descontos para a parte que satisfez os preparos e agravamentos, como juros, para a parte que os não pagou.
A final será a conta de custas em dívida notificada às partes para seu pagamento no prazo legal.
Não ocorrendo esse pagamento então irá o Processo ao Ministério Público para se o devedor tiver bens penhoráveis (categoria a definir de modo a não se contender com o direito ao acesso aos Tribunais) instaurar através do Advogado Público a respectiva execução.
Não havendo bens penhoráveis não haverá acção executiva e o respectivo devedor não será constrangido a qualquer pagamento sem prejuízo do instituto prescricional.
Hoje penso que este mesmo regime pode aplicar-se, com as mesmas vantagens à concessão do Patrocínio Judiciário pelo Advogado Público. O Estado sabe quanto gastou com esse acto e apresenta a conta.
A solução do Advogado avençado que o Governo anunciou criar não resolve coisa nenhuma, só enreda e encarece a Justiça. Converte o Patrocínio Judiciário num custo certo do Estado por um serviço vago e incerto, com ajuste prévio do valor de honorários, prática até pouco consentânea com a deontologia profissional. Não tira total proveito da medida inclusive no campo da agilização dos processos e da satisfação dos interesses das partes. Por outro lado, esta solução do advogado avençado implicará discricionaridade ou competição pouco saudáveis na sua escolha, fonte sempre de conflitos indesejáveis numa função cuja finalidade essencial deve ser concorrer para compor e não para criar interesses.
Para quê um Ministério da Justiça ?