sábado, janeiro 28, 2006

Ajuste de contas ?

ARTIGO DE OPINIÃO DE
DR. WILLIAM GILMAN, JUIZ DE CÍRCULO
.
Numa altura em que o ataque generalizado aos magistrados e ao Poder Judicial não cessa, não foi sem alguma surpresa que hoje li no Diário de Notícias as declarações do deputado social-democrata Paulo Rangel, a propósito do discurso proferido na Assembleia da República pelo deputado Duarte Lima.
No dia anterior, conta o referido jornal, Duarte Lima havia discursado na Assembleia da República atacando o sistema judicial. Nesse discurso, o deputado alegou a existência de um "formidável défice de legitimidade democrática" do sistema de justiça; propôs uma nova constituição dos conselhos superiores do Ministério Público e da Magistratura no sentido de que a maioria dos seus membros sejam exteriores a ambas, para "garantir a sua independência"; sobre as escutas telefónicas disse que são usadas "de forma desregrada e abusiva" e "como forma de condicionar o poder político nas suas decisões atinentes às reformas da Justiça". No fim foi aplaudido por deputados de todos os grupos parlamentares, à excepção do PCP.
Ora, segundo o DN, Paulo Rangel disse que não aplaudiu o discurso do seu colega de bancada Duarte Lima, mas sobretudo por não concordar com o tom. "Os aplausos mais pareciam um ajuste de contas (com os magistrados) ", disse Rangel, criticando o "júbilo tumultuoso" com que os deputados receberam as palavras de Lima. "Aquele não é um clima de democracia sã. É uma atitude para afundar a Justiça e não para uma reforma positiva e construtiva."
Pois é, acabei por ficar agradavelmente surpreendido.
Após dois ou três anos de incessantes ataques contra o Poder Judicial, vindos de alguns sectores da sociedade portuguesa, não posso deixar de registar com agrado o reconhecimento por parte do Deputado Paulo Rangel de que o modo como o Poder Judicial e os titulares dos órgãos de soberania Tribunais têm vindo a ser tratados não são próprios de uma democracia.
Bem sei que o Deputado Paulo Rangel é professor na área do Direito Constitucional e por isso não será de estranhar a sua preocupação com o modo pelo qual o Poder Judicial tem vindo a ser tratado.
Mas, se pensarmos bem, outros há que conscientes terão de estar do significado dos ataques desferidos a um dos pilares do Estado de Direito Democrático, e que, no entanto, ficaram calados, ou, pior ainda, têm participado activamente na tentativa de aniquilamento da independência do Poder Judicial.
Todo o poder, como sabemos, se não for limitado por outros poderes tende a absolutizar-se.
Para que isso não ocorra torna-se necessário manter viva a Separação de Poderes e a independência da Magistratura.
Conseguiremos tal desiderato?
Não sei.
Mas o que tenho por certo é que temos de continuar atentos, pois, como alguém um dia disse, «o preço da liberdade é a eterna vigilância».

1 comentário:

verbojuridico.net disse...

Transcrição de artigo de Amílcar Correia, no Público, de hoje:

«(...) Restringir as escutas telefónicas, como sugeriu Duarte Lima na Assembleia da República e a título pessoal, aos crimes de terrorismo organizado, tráfico de droga e crimes de sangue não é uma solução plausível. O que o parlamento aplaudiu, à excepção do PCP, foi uma proposta de exclusão de crimes como a corrupção, peculato e megafraudes fiscais da paleta de casos passíveis de escuta. O mesmo é dizer que não seriam possíveis as investigações que envolveram o "saco azul" de Felgueiras, a corrupção na Brigada de Trânsito da GNR, o polémico caso dos sobreiros ou a maior fraude aduaneira de sempre, no valor de mais de 250 milhões de euros».