quinta-feira, janeiro 19, 2006

O Golpe de sexta-feira 13

Não foi este o título dado ao post por CleopatraMoon. Mas justifica-se, ainda a propósito do mistério do "misterioso" envelope 9.
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«Não vou aqui discutir, criticar ou, expor a minha opinião sobre as escutas telefónicas que para mim, não são mais do que uma forma de recolha de prova a utilizar no decurso de uma investigação e não para seu início....
Não vou discutir aqui, o que quis o Legislador dizer com o advérbio de tempo "imediatamente".
Não vou sequer dizer que a escutas telefónicas são uma ingerência , uma intromissão na nossa vida privada - artigos 32º nº 8 e 34º da Constituição da Républica Portuguesa.
Não vou reafirmar aqui que Portugal é uma República Soberana baseada na dignidade da Pessoa Humana - artº 1º da CRP - e que a reserva da intimidade e da vida privada são direitos pessoais constitucionalmente reconhecidos e protegidos.
Nem sequer vou dizer que, de acordo com o artº 34º da CRP, sendo proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, esta só deverá ter lugar nos casos previstos na lei em matéria de processo criminal.
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Isto significa apenas que, o legislador entendeu que a intercepção de conversações ou comunicações só poderá ser autorizada por despacho do Juiz quanto a crimes:
a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos;
b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;
c) Relativos a armas, engenhos, matérias explosivas e análogas;
d) De contrabando; ou
e) De injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz e sossego, quando cometidos através de telefone;se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.
2 – (...):
a) Terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada;
b) Associações criminosas previstas no artigo 299º do Código Penal;
c) Contra a paz e a humanidade previstos no título lll do livro II do Código Penal;
d) Contra a segurança do Estado previstos no capítulo I do título V do livro ll do Código Penal;
e) Produção e tráfico de estupefacientes;
f) Falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda prevista nos artigos 262º, 264º, na parte em que remete para o artigo 262º, e 267º, na parte em que remete para os artigos 262º e 264º, do Código Penal;
g) Abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.
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Temos pois um leque curto, mas não em demasia, de crimes que justificam a tal ingerência na vida privada.
E, a certeza de que, a única pessoa que as pode ordenar e autorizar, - O Juiz - deve ponderar entre a necessidade de o fazer e os interesses postos em causa.
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O que me faz escrever hoje é o caso que se arrasta desde sexta feira e arrastará até à próxima semana.
Algo que a meu ver não tem nada de juridico ou de processual mas sim e, nitidamente de politico.

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Como todos sabemos e ainda não esquecemos, na sexta feira dia 13, logo pela manhã as rádios anunciavam em versão vertiginosa que, MAIS personalidades importantes tinham sido escutadas no ambito do processo Casa Pia.
(Podemos chamar-lhe pelo nome, porque não estamos, apesar de ter em causa menores, perante a saga do Harry Potter, em que, existe uma personagem do qual não se pode dizer o nome.)
Na verdade, na ultima sexta-feira dia 13.1.06 - o Presidente da República fez uma comunicação ao país, exigindo a realização de um inquérito urgente e garantindo que seriam extraídas todas as consequências. Jorge Sampaio mostrava-se nos primeiros contactos muito irritado e, não é para menos!
Se eu soubesse pelos média, que o meu número de telefone tinha sido escutado sem mais aquelas, ficaria logo à primeira reacção estupefacta e, depois, solenemente irritada.
E o DR. Jorge Sampaio não é só um Magistrado desta Nação, é, o mais alto Magistrado da Nação.E, terá ficado irritadíssimo por ouvir que está incluído o seu nome em escutas feitas no ambito de tal processo, o que é normal em qualquer cidadão mas, já não devia ser ao PR, por se lhe exigir um esclarecimento das coisas em nível superior ao de qualquer cidadão e uma contenção e serenidades públicas superiores também a qualquer cidadão.
Na verdade, se pensarmos serenamente, percebemos que, caso um amigo nosso esteja a ser escutado,... nem precisa ser amigo, alguém que nos liga, tem o nosso telefone... (e tanta gente que o tem, e nem tem nada que ver connosco em termos de costumes ,afinidades etc...), caso esse alguém esteja sob investigação, ligando para nós ou vice versa... ficamos imediatamente com a agradável sensação de que, qualquer suspiro dado ao telefone é cuidadosamente ouvido por um outrem que se interpõe entre nós e o nosso interlocutor.
Digamos que há assim como que um agente infiltrado no canal de comunicação. É assim que funciona o mecanismo das escutas.
Mas o problema não está aqui, nem na pizza que alguém encomendou, nem no cabeleireiro que alguém marcou... o problema está no envelope 9.
O dito envelope, contem ao que diziam os jornais e todos os noticiários histéricos, facturação detalhada, de cerca de cinco meses, dos interlocutores de 207 individualidades, o que agitou a classe política e o país, sempre sedento de confusão.
Mas será que contem?
Será?
E só agora é que os jornais vêm para a rua apregoar: - "Olhó jornal! Olhó Jornal! Ultima hora! Escutas ao PR e ao PGR! E aos mais que acabam em R...."
Ora meus senhores... que jornalismo é este?
E que andam os senhores advogados a fazer desde o início do processo? Acham que eles não tinham dado por isso? Se não deram era porque lhes estava vedado, filtrado...Porque assim o entendeu quem para tanto tinha e tem competência!
E onde ficaram o diabo dos envelopes, nomeadamente o envelope 9 que devia estar fechado num cofre e era onde estava de certeza.
Tenho para mim que isto é como diz o Povo : " Muita parra e pouca Uva!"
Uma campanha de descredibilização do PGR. Nada mais.
Repare-se que está a meses de finalizar o mandato do senhor.Repare-se que estamos a dias das eleições Presidenciais. Repare-se que depois de ser eleito, o novo Presidente entrará em funções cerca de um mês após e, até lá já as cabeças baralharam as opiniões... e o novo PR, seja ele quem for, não vai querer começar a entrar em choque desde logo com o Executivo por causa de um PGR....
Ou estarei a pensar mal?
Parece que, segundo dizem os média, o envelope 9, com 15 ficheiros pequenos e cinco grandes, é onde estão guardadas as listagens referentes ao número da casa de Paulo Pedroso.Dizem ainda os informadores "informados" que, para além das folhas iniciais de ficheiros de Excel, acessíveis a quem abre o programa e onde só consta efectivamente o número do telefone fixo de ex-deputado socialista, existe outra informação que se encontra filtrada. ( Voilá!)
É então aí que estão “escondidos” todos os registos telefónicos envolvendo individualidades como Jorge Sampaio, Souto Moura, Mária Soares ou Almeida Santos.
Santo Deus!
Não é para descredibilizar a justiça desta vez, mas uma figura com ela relacionada. Não é uma manobra dilatória para o processo porque, esse tem o que tem e o envelope 9 não deixa de conter o que realmente contem, o que impossibilita qualquer manobra processual .É nitidamente para derrubar a figura que é o PGR.
O PGR acabará o mandato?
O PGR ficará renovando-se-lhe o cargo?
Independentemente de todos as falhas que lhe possamos ou não apontar, não é a forma mais elegante, mais leal, mais correcta, mais isenta de o atingir...
E fez o o Sr. Procurador muito bem ao dizer que apenas se "justificaria" após eleições ou, mais precisamente, na próxima segunda feira.
Porque se é para alterar o que quer que seja em termos legislativos quanto a escutas, todos nós sabemos e há muito tempo, que urge alterar, urge definir, urge proteger qualquer um de nós de invasões descabidas e atrevidas à nossa vida privada. Urge defendermo-nos da chamada investigação de rabo sentado.Urge garantir que não somos escutados por "dá cá aquela palha".
E isso vai acontecer e em breve. A alteração vem aí.E então ninguém terá dúvidas e não serão anulados julgamentos que levaram anos a fazer, nem se desprezarão provas recolhidas e apresentadas num contexto fora do imediatamente.
O imediatamente vai passar a estar definido, a ter um rosto, a ser algo de palpável de seguro para todos e, principalmente para quem julga, porque também para quem é julgado e, ainda, para quem investiga e para quem é investigado.
As escutas só serão destruídas após o trânsito, embora o Tribunal Europeu já diga que só o deverão ser após 2 anos, o que a nós nem nos diz nada, porque nos estamos simplesmente nas tintas para o Tribunal Europeu... Afinal nós estamos no tal local incómodo que é a cauda da Europa... e temos o mar logo ali... Distraídos com a linha do horizonte , repetimos os erros vezes sem conta!
O MP e o assistente e o arguido e todos os escutados, vão passar a poder ter acesso às ditas, assim que terminada a fase sujeita a segredo de Justiça...
Mas uma coisa vos garanto:
O tal envelope 9 tem sem dúvida o que o Juiz que ordenou as escutas, as validou e ordenou a respectiva transcrição, achou importante para a investigação. E tudo o mais que tenha é como se não tivesse porque está vedado qualquer acesso.
Porque, embora a lei processual não o exija claramente, o Juiz ouve as escutas antes de as mandar transcrever. O Juiz ouve-as e determina se o indicado pela PJ é ou não importante e deve ser transcrito ou, se algo mais não indicado é importante para a descoberta da verdade. TODA A VERDADE!
E não venham dizer que o Juiz não o faz, que apenas se limita a cegamente, ou surdamente neste caso, mandar transcrever o que a PJ indica.
Não é verdade. São horas a ouvi-las, mas há quem o faça. E enquanto o Juiz não tiver a sua equipe de trabalho e não estiver em tempo real nas escutas e com as escutas, é assim que deve ser.
Por isso o Juiz de Instrução deveria acompanhar a par e passo a investigação e não ser apenas chamado para colocar a impressão digital.
Estranha o país quando alguém se assume como verdadeiro Juiz de Instrução Criminal, mas, é para isso que serve a tal figura da investigação, não apenas para dizer ou despachar de cruz.
O Juiz é o garante de um Estado Democrático. Ainda o é.
E não venha o Miguel Sousa Tavares ( a quem gosto muito de ler o que escreve, menos de ouvir o que diz ) que é necessário que alguém fiscalize quem fiscaliza... Isso seria absolutamente ridículo.
E quanto ao envelope 9, ele não tem mistério nenhum... Ele tem apenas o que um Juiz entendeu que devia ter e nada mais do que isso.
Deixem-se de golpadas politicas e de deslealdades jornalisticas. De histerias colectivas que só demonstram que os problemas sérios ficam por resolver.
Não me interessa se querem atacar o MP ou não... apenas me choca que tentem descredibilizar alguém desta forma espampanante e sem conteúdo e, que todos vão atrás enlouquecidos gritando que querem apurar responsabilidades. Tudo isto é demonstrativo do medo que O PGR, este PGR, provoca em alguns ou em todos.
Pois que a havê-las, as responsabilidades, se apurem na serenidade dos gabinetes, no perfil de Estado de quem o deve ter e conforme se espera e exige que se tenha.
O envelope nº 9 está lá. Com tudo o que deve ter no seu interior e como o deve ter. Não inventemos.
Não tentemos tirar coelhos da cartola..
O envelope... não é uma cartola! Não tem coelhos lá dentro!
E nesta coisa da Politica, quer-se lealdade e sobretudo Transparência quando se toca em qualquer assunto mas e, sobretudo, na pasta da Justiça».

2 comentários:

verbojuridico.net disse...

Comentário que inseri no Blog CLEOPATRA MOON, a propósito deste post:

«Inseri o texto deste seu post, como post do verbojuridico, mas alterando o título do post para "O Golpe de Sexta-feira 13". Espero que não se oponha.

É que se trata, efectivamente, na minha modesta opinião, de uma verdadeira tentativa de GOLPE à democracia portuguesa e ao princípio da separação dos poderes.

E este golpe não é dirigido apenas, como alguns podem presumir, à Pessoa de Sua Excelência, o Senhor Procurador-Geral da República, ou à Função que o mesmo exerce, ou aos Magistrados do Ministério Público, mas sim a toda a Justiça - Juízes e Oficiais de Justiça incluídos.

O sentimento de vingança que existe nas hostes políticas, por serem tratadas pela Justiça de forma igualitária aos demais cidadãos, faz com que se insurjam, não tolerando mais a independência da justiça relativamente aos interesses e lobbies instalados.
Razão porque os profissionais da justiça estejam a ser alvo de um ataque atroz e traiçoeiro jamais visto na república portuguesa, período de ditadura incluído.

E chamo a atenção que esse sentimento de vingança, num misto de inquietação por não serem tratados pela Justiça como se fossem diferentes dos demais cidadãos, não é apanágio de uma só corrente política ou partidária... Veja-se, a título de exemplo, a recente proposta de "pacto para a justiça" que visava transformar os Juízes dos Tribunais Superiores objecto de nomeação política, não fundada (como actualmente) no mérito...»

josé disse...

Pois é caro Joel Timóteo.
O problema é que vejo pouca gente preocupada com isso.

Os juízes, aliás, acham que nem é nada com eles: é com o MP!
Mesmo sabendo perfeitamente que quem autorizou o pedido das listas foi um juiz...e quem teria que controlar esse pedido seria sempre um juiz.

Isto está bonito! Dormem o sono dos descansados. Quando chegar ao eido, lá acordarão e verão que afinal esta marosca tinha a ver com todos nós cidadãos.
Onde pára então o discurso dos guardiães dos direitos, liberdades e garantias? Nos "privilégios", sempre que são atacados?
Acordem!