sexta-feira, janeiro 20, 2006

OTA e TGV - Referendo Popular

O REFERENDO POPULAR DA OTA E DO TGV
ARTIGO DE OPINIÃO DE DR. ANTÓNIO FERREIRA RAMOS
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Recentemente, um grupo de ilustres cidadãos lançou a ideia de se referendar a construção dos dois maiores investimentos públicos que já alguma vez foram realizados no nosso país.
Tal ideia foi desde logo descartada e desvalorizada pelo Governo, com base em dois argumentos, que aqui se reproduzem.
Por um lado, afirma o Governo que a ideia de se referendar tais investimentos públicos é absurda, pois não é realista referendar todos os investimentos públicos que se realizam em Portugal.
Por outro lado, o Governo apresenta ainda um argumento formal, alegando que no seu programa já estavam inscritos tais investimentos, tal programa foi referendado pelo povo nas eleições legislativas últimas e, como tal, o Governo apenas se limita a cumprir o programa referendado e aprovado pelo povo português.
Expostas as razões defendidas para recusar a realização de tal referendo popular a tais investimentos públicos, assumimos agora a tarefa de as analisar.
Quanto ao primeiro argumento (impossibilidade de referendar investimentos públicos) cumpre-nos, desde logo, afirmar que estes dois investimentos, quer pela sua dimensão, quer pela sua suposta necessidade, quer pelo endividamento que transmitirão para as gerações futuras, não são uns investimentos públicos correntes. Não se pode comparar a construção e a manutenção, ao longo do tempo, do TGV ou do aeroporto da Ota, com a construção de uma escola, de um hospital ou de um troço de estrada.
Como se disse anteriormente, estes são os maiores investimentos públicos alguma vez realizados em Portugal, cuja factura será paga não só pelos portugueses que vivem hoje mas, essencialmente, pelas gerações vindouras e, como tal, pensamos que, pela sua magnitude, seria natural que não fossem colocados no mesmo saco que os investimentos públicos correntes. E, tendo em conta o nível de investimento exigido e as repercussões que tal investimento terá nas gerações futuras, seria natural que o povo português se pronunciasse em referendo sobre a necessidade da construção de tais investimentos.
Acima de tudo, o referendo traria o debate e o esclarecimento necessário para vincular todos os portugueses, de forma democrática, à realização de tais investimentos públicos. Afinal, o “NÃO” já estaria certo e aos defensores do “SIM” incumbiria a nobre tarefa de convencer os portugueses da necessidade e da bondade de tais projectos, especialmente, em período de grave crise económica. Assim, todos ganhariam.
Ao recusar o referendo, com base na ideia que estes projectos são apenas mais dois investimentos públicos, o Governo desvaloriza a magnitude de tais projectos e defende-se com auxílio a um argumento apenas risível, pelo absurdo da sua fundamentação.
Quanto ao segundo argumento, de ordem meramente formal, cumpre-nos afirmar que ninguém colocou em causa a legitimidade do Governo de tomar tais decisões. Apenas se afirmou que, atento a importância e o custo económico de tais projectos, o povo deveria de ser chamado a se pronunciar até para reforçar tal legitimidade.
Mas, o que é certo é que o programa do Governo não pode ser defendido para umas coisas e ignorado para outras.
De facto, o Governo prometeu formalmente, aos portugueses, que não aumentaria os impostos antes das eleições. Afirmou que entendia que estes já suportavam uma carga fiscal excessiva e que a receita provinda dos impostos era suficiente para fazer face à crise das finanças públicas.
Realizadas as eleições, o Governo veio fazer exactamente o oposto, com o argumento, sempre útil, por sinal, de que desconhecia a real dimensão da crise das finanças públicas, razão esta, que legitimou um aumento brutal de vários impostos, aumento esse que ainda decorre (veja-se o recente aumento do imposto sobre os produtos petrolíferos).
Ora, se a crise financeira e económica é motivo suficiente para não cumprir o programa do Governo, no que diz respeito às receitas públicas, também deveria ser razão suficiente para não cumprir o programa do Governo no que diz respeito às despesas públicas. Dito de outra forma, se a crise foi fundamento para justificar um aumento de impostos, pois, como afirma o Governo, quando o seu programa foi redigido, desconhecia a real dimensão da crise das finanças públicas, naturalmente se conclui que, quando foram incluídos os investimentos do aeroporto da Ota e do TGV no programa do Governo, também nessa altura o Partido do Governo desconhecia a dimensão real da crise. Assim, seria natural que, neste período de “vacas magras”, o Governo viesse dizer que não poderia realizar tais investimentos públicos por não dispor de receita fiscal suficiente para tal. Seria natural, mas não é esta a atitude prosseguida, muito pelo contrário.
Se o programa do Governo é razão suficiente para justificar tais investimentos, então também todos os portugueses terão legitimidade de se recusar a pagar os aumentos dos impostos realizados, com base no argumento de que tais aumentos não se encontravam inseridos no programa do Governo. E esta conclusão, se parece absurda, não é menos absurda que justificar os investimentos públicos de maior dimensão em toda a história de Portugal, com base na sua mera inclusão no programa do Governo.
Assim, em jeito de conclusão, sempre diremos que se estes são os únicos argumentos que as “mentes brilhantes” do Governo conseguiram descortinar para se oporem à realização de um referendo popular sobre a construção do aeroporto da Ota e do TGV, então, de facto, não existe qualquer argumento válido para que este referendo não se realize. A proposta com as assinaturas legalmente devidas para que o referendo se realize deverá ser entregue na Assembleia da República com a maior urgência. Ontem já era tarde.

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